terça-feira, 27 de julho de 2021

Em Gálatas, Opção pelos Pobres e “Escravidão, Não!” Por Frei Gilvander

 Em Gálatas, Opção pelos Pobres e “Escravidão, Não!” Por Frei Gilvander Moreira[1]



Na Carta aos Gálatas, livro do jubileu de ouro do mês da Bíblia – setembro - em 2021, o apóstolo Paulo busca manter a unidade entre as primeiras comunidades cristãs em uma imensa diversidade, mas assevera que a Opção pelos Pobres é inegociável. “Não esqueçam os pobres!” (Gl 2,10), Paulo chega a colocar na boca dos chefes da igreja de Jerusalém. Esses “pobres” eram concretamente os “irmãos” da Judeia que viviam em uma pobreza extrema, reinava a fome. Na comunidade cristã de Jerusalém, quando a distribuição se tornou maior do que a entrada ou a produção de recursos, chegou uma hora em que os bens acabaram e a fome se generalizou. Sem produção suficiente, não se pode consumir e/ou distribuir. Em contexto de aumento da pobreza e de muita gente passando fome, sob a liderança do apóstolo Paulo e Barnabé, o espírito de comunidade nascido da fé em/de Jesus Cristo levou comunidades cristãs de outras regiões a fazerem doações para minorar a fome dos irmãos e irmãs. Isto era também uma expressão de unidade. O fato de pensar diferente não era motivo para ‘lavar as mãos’ como Pilatos diante do sofrimento de outras pessoas e comunidades.

Segundo a lei judaica, interpretada de forma rígida, um judeu não podia se sentar à mesa com um gentio. Então seriam duas Igrejas, a dos judeus e a dos gentios, sem a partilha ritual da Ceia do Senhor, mas com a partilha efetiva dos “irmãos” gentios para com os “irmãos” da Judeia. É Paulo defendendo fraternidade real e concreta com todos os empobrecidos, independentemente das opções religiosas ou ideológicas. Mais adiante, ao longo da sua argumentação buscando sempre afirmar a liberdade diante de tudo o que escraviza, o apóstolo Paulo afirma de forma lapidar: “Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo” (Gl 3,28).

Na Carta aos Gálatas transparece de forma muito forte Paulo rechaçando a realidade de escravidão, tanto das relações sociais escravocratas do império romano quanto da escravidão que tinha se tornado a Lei judaica sendo imposta inclusive sobre os não-judeus. Paulo repete várias vezes as palavras ‘escravo’, “escrava’ e ‘escravidão’ ao longo da Carta aos Gálatas para enfatizar que: a) está abolida a diferença entre escravo e livre (Gl 3,28); b) quem está agarrado à Lei judaica continua escravizado; c) “éramos escravos” (Gl 4,1.3); d) “você já não é escravo, mas filho” (Gl 4,7); e) “vocês foram escravos de deuses” (Gl 4,8); f) “vocês querem recair na escravidão?” (Gl 4,9); g) na história houve “filhos da escrava Agar gerados para a escravidão” (Gl 4,22.23.24.25); h) “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, fiquem firmes e não se submetam de novo ao jugo da escravidão!” (Gl 5,1).

Paulo revela que o egoísmo e o individualismo estimulados pela ideologia dominante de uma sociedade escravocrata é estupidez e um corredor de morte para todos/as, pois leva “todos a se morderem e a se devorarem uns aos outros e até a destruição mútua” (Gl 5,15). Como intelectual de alto quilate Paulo não fazia uma análise ingênua, nem idealista, nem romântica da realidade conflituosa na qual os cristãos e as cristãs das comunidades da Galácia viviam. Certamente, Paulo percebia também que não apenas com solidariedade e cuidado dos pobres se superaria as relações sociais escravocratas estimuladas aos quatro ventos pela ideologia dominante do império romano e também por expressões religiosas e culturais que pavimentavam o caminho para a reprodução cotidiana das desigualdades sociais. Além de cuidar dos pobres sendo solidário/a, é preciso enfrentar os lobos vorazes e cruéis, muitas vezes, travestidos de bons samaritanos, seja no mundo da política, da economia ou da religião.

Em Gálatas, Paulo afirma à exaustão que todas as pessoas são livres e devem se comportar como pessoas libertadas e jamais recair nas garras de nenhum tipo de escravização. Paulo terminou sendo martirizado, porque quanto mais radicalizava sua missão mais revelava a incompatibilidade entre o projeto defendido por ele a partir da fé em Jesus Cristo e o projeto imperial ecoado pelos arautos da ideologia imperial. Ontem, o império romano e as religiões domesticadas e domesticantes que serviam aos interesses da classe dos de cima. Atualmente, o sistema capitalista, que, de mil formas, empobrece, violenta e mata o povo, a mãe terra, as fontes de água e todos os ecossistemas. O apóstolo Paulo, nos dias de hoje, no nosso meio, certamente diria que enquanto perdurar a estrutura fundiária pautada no latifúndio e no agronegócio com política econômica capitalista neocolonial, com Estado subserviente aos interesses das grandes mineradoras e do grande empresariado do campo e da cidade, não teremos a superação da pobreza, da fome, da miséria e de tantas escravizações que se reproduzem cotidianamente e explodem em cenas dramáticas, por meio do feminicídio, do racismo estrutural, da homofobia, de expressões religiosas burguesas que desencarnam a fé cristã, espiritualizam a mordência histórica de Deus que, por amor infinito, assumiu a condição humana em Jesus Cristo. Portanto, acolher a mensagem do apóstolo Paulo na Carta aos Gálatas, atualmente, implica em se comprometer com os/as injustiçados/as em todas suas lutas libertárias justas e necessárias.

Paulo não quer somente fraternidade "espiritual" ou de amizade, mas exige principalmente fraternidade econômica[2], política e cultural. Não agrada ao Espírito de Deus pessoas que se encontram para a eucaristia ou cultos aos domingos, mas que durante a semana são umas opressoras das outras. Paulo quer superar as oposições de classes. Se ricos e pobres, judeus e não-judeus, homens e mulheres, trabalhadores e patrões e... comem em lugares diferentes, moram em casas de qualidades muito diferentes, o cristianismo terá um conteúdo diferente para cada grupo e não haverá realmente uma comunhão. É hipócrita e cínica uma comunidade e sociedade na qual uns poucos se banqueteiam, enquanto a maioria passa fome; na qual uns têm casas próprias luxuosas e a maioria geme debaixo da pesadíssima cruz de aluguéis  ou da humilhação que é sobreviver morando de favor na casa de parentes ou ainda sob o frio e os riscos da rua; na qual uns recebem remunerações milionárias, enquanto milhões sobrevivem só com salário mínimo ou com migalhas do trabalho informal. É escravocrata uma sociedade na qual uns vivem luxuosamente, enquanto milhares sobrevivem do/no lixo; na qual uns detêm o muito poder econômico, político, midiático e religioso e as massas são subjugadas. Igrejas que se apegam e casam com o poder opressor trocaram o Evangelho de Jesus Cristo por uma aliança com a mentira, coisa diabólica.

Em Gálatas, Paulo defende uma comunhão eclesial que seja antes de tudo comunhão integral, fruto de condições materiais que garantam os corpos estarem lado a lado, com respeito à dignidade de todos/as, e comendo da mesma comida, partilhando alegrias e angústias. Paulo nos faz recordar o padre Alfredinho[3], da Fraternidade do Servo Sofredor, que gostava de dizer: “Os ricos se salvarão quando aprenderem a passar fome”.

Ontem, Gálatas; hoje, nós. “E agora, José?” Paulo, em Gálatas, aponta que quem deseja seguir a Jesus deve armar-se de disponibilidade para a cruz, ou seja, tornar próprias as disposições daquele que o precede, identificando seu projeto com o do Mestre. Jesus não temeu ser considerado um fora-da-lei pela sociedade estabelecida. E seus seguidores: o que mais temem? Paulo nos convida a ver na cruz injusta de cada um/a de nossos irmãos e irmãs, próximo ou distante, um crime hediondo contra a humanidade e contra Deus.

Enfim, terminamos este texto no qual buscamos pescar raios de luz e força para a caminhada cristã pessoal e comunitária, apontando se não o maior, um dos maiores perigos da atualidade: "Penso que o maior perigo para a Pedagogia de hoje está na arrogância dos que sabem, na soberba dos proprietários de certezas, na boa consciência dos moralistas de toda espécie, na tranquilidade dos que já sabem o que dizer aí ou o que se deve fazer e na segurança dos especialistas em respostas e soluções. Penso, também, que agora o urgente é recolocar as perguntas, reencontrar as dúvidas e mobilizar as inquietudes."[4] Inspirados/as por Paulo, em Gálatas, sigamos com Opção pelos Pobres, batalhando pela superação das relações sociais escravocratas que perduram na sociedade atual.

Bibliografia

LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 

27/07/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 1

2 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 2

3 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 3

4 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 4

5 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 5

6 - Senhora de Guadalupe, rogai por nós! Reflexão. Gálatas 4,4-7 e Lucas 1,39-47. Manoel Godoy –12/12/20

7 - Live de lançamento do livro: “Carta aos Gálatas: até que Cristo se forme em nós” (Gl 4,19).

8 - Canto da Carta aos Gálatas (Paródia) - Mês da Bíblia/2021 (setembro) - CEBI-MG - 11/7/2021

9 - O texto-base do Mês da Bíblia 2021



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Dom Moacyr Grechi, ao investigar denúncias de torturas de trabalhadores rurais bóias-frias, disse: "Quero uma reunião somente com os trabalhadores, pois junto com os patrões eles não estarão livres para dizer a verdade."

[3] Fredy Kunz, o inesquecível padre Alfredinho. Sua trajetória espiritual entre os excluídos está narrada em seus livros, muitos traduzidos no exterior: A sombra do Nabucodonosor, A Ovelha de Urias, A Burrinha de Balaão, A Espada de Gedeão e O Cobrador.

[4] LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2004, p. 8.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Pedro e Paulo, apóstolos dos gentios? E nós? Por Frei Gilvander

  Pedro e Paulo, apóstolos dos gentios? E nós? Por Frei Gilvander Moreira[1]


Celebraremos os 50 anos do mês da Bíblia, em setembro de 2021, refletindo sobre e a partir da Carta do apóstolo Paulo aos Gálatas, escrita em meados da década de 50 do 1º século da era cristã. Paulo e Pedro aparentam ser bem diferentes conforme o narrado no livro de Atos dos Apóstolos e nas Cartas Paulinas. Por que e para que os apóstolos Pedro e Paulo parecem ser diferentes segundo Atos dos Apóstolos e as Cartas Paulinas? Escrevendo uns 30 anos após a Carta aos Gálatas, o autor de Atos dos Apóstolos, na década de 80 do Século I, sob o impacto dramático dos cristãos e cristãs sendo expulsos/as das sinagogas, busca promover unidade entre cristãos e judeus e, acima de tudo, busca justificar que os cristãos não eram sectários e nem separatistas. Enfatizar as diferenças seria alimentar quem defendia rupturas internas nas primeiras comunidades cristãs. Cultivar a unidade em uma imensa diversidade era imprescindível, pois a divisão interna enfraqueceria as comunidades. Nesta toada, em Atos dos Apóstolos, Pedro é paulinizado e Paulo é petrinizado, ou seja, o autor de Atos dos Apóstolos credita a Pedro Atos que historicamente devem ter acontecido primeiro na atuação missionária de Paulo, como os Atos de Pedro narrados no capítulo 10 de Atos dos Apóstolos: Pedro sai de Jerusalém, a igreja mãe, vai para o meio dos impuros gentios, na casa (oikia, em grego) de outro Simão, um curtidor de couro, Simão se torna Pedro, ao fazer a experiência de Deus na vida concreta dos empobrecidos, segundo a qual Deus não discrimina ninguém. Pedro defende as propostas de Paulo no Concílio de Jerusalém (Cf. At 15,7-12) e advoga, em consonância com os apóstolos Paulo e Barnabé, a superação da circuncisão, a maior barreira e fardo pesadíssimo que os “falsos irmãos” insistiam em impor também sobre as comunidades da Galácia, de Antioquia etc.. O autor de Atos dos Apóstolos mostra o apóstolo Pedro como um grande missionário “percorrendo todos os lugares” (At 9,32) – Lida, Jope, Cesareia etc. – e chega a caracterizar Pedro como “apóstolos dos gentios” (At 15,7). Porém, historicamente, bem antes de Pedro, Paulo deve ter sido o “apóstolo dos gentios” (Gl 1,16), dos de fora, dos considerados bárbaros e impuros.

Para superarmos contradições aparentes existentes entre Atos dos Apóstolos e as Cartas Paulinas é sensato seguir o princípio segundo o qual as Cartas Paulinas têm mais consistência histórica do que Atos dos Apóstolos, pois foram escritas uns 30 anos antes de Atos e também por serem cartas. Atos dos Apóstolos é acima de tudo Teologia da História e jamais história das primeiras comunidades cristãs. Podemos atribuir algum valor histórico a informações que estão em Atos dos Apóstolos apenas em casos sobre os quais não há nenhuma informação em nenhuma carta paulina. Assim, por exemplo, as restrições apresentadas em Atos dos Apóstolos, após a abolição da circuncisão, não devem ter sido dos anos 49/50 do século I quando deve ter acontecida uma reunião entre os apóstolos Paulo, Barnabé, Pedro, Tiago e João, em Jerusalém, segundo Gálatas 2,1-10, reunião que o autor de Atos dos Apóstolos, 30 anos depois, narra como tendo sido uma Assembleia ampliada. Segundo o autor de Atos dos Apóstolos, nesta Assembleia ampliada a circuncisão foi abolida, com algumas condições: “abster-se de carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das uniões ilegítimas” (At 15,29). Estas restrições devem ser dos anos 80 e impostas por Tiago, o irmão de Jesus e líder da Igreja mãe, em Jerusalém, na época. Sobre a Assembleia acontecida em Jerusalém, em Gálatas, Paulo, faz questão de enfatizar que Pedro, João e Tiago “pediram apenas que nos lembrássemos dos pobres, e isso eu tenho procurado fazer com muito cuidado” (Gl 2,10). “Lembrar dos pobres” é fazer Opção pelos Pobres, é conviver com os injustiçados/as, ouvir atentamente seus clamores, abraçar suas causas e COM os pobres se comprometer em lutas pelos seus direitos. Não basta ajudar os pobres, trabalhar para eles ou por eles. Os pobres devem ser reconhecidos como sujeitos e protagonistas de suas lutas. Nas lutas libertárias dos pobres, às vezes, é preciso estarmos à frente apontando o rumo da caminhada, mas, muitas vezes, é preciso estarmos no meio dos pobres sentindo o cheiro do povo, compreendendo suas dores e seus saberes e, outras vezes, é preciso andarmos atrás dos pobres na luta pelos seus direitos, amparando os mais enfraquecidos, os que vão mais devagar.

Não se sustenta a interpretação bíblica com ranço dualista, segundo a qual Lucas, em Atos dos Apóstolos, faz uma Teologia da Glória e Paulo, em suas cartas, faz Teologia da Cruz, abrindo brecha para se concluir que Lucas negava o Cristo crucificado e Paulo negava o Cristo ressuscitado. Em um olhar mais atento, observamos que Lucas, em Atos dos Apóstolos, não nega a cruz: “depois da sua paixão” (At 1,3), enfatiza o sofrimento de Jesus e as aparições de modo convincente (Lc 24,38-43). No Evangelho de Lucas, o Cristo ressuscitado não aparece vindo da Glória, mas de baixo para cima: Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?” (Lc 24,26). Logo, dizer que em Atos dos Apóstolos está uma Teologia da Glória em contraposição a uma Teologia da Cruz (das cartas paulinas) não condiz com a teologia lucana. Atos dos Apóstolos afirma uma Teologia da Glória, do Jesus Cristo ressuscitado, tendo como base a Teologia da Cruz. Lucas não nega a cruz e enfatiza que a ressurreição brota a partir do assumir radicalmente o projeto de Deus, o que implica passar pelo martírio sofrido por Jesus Cristo e por muitos/as outros/as discípulos/as de Deus e de Cristo. Por outro lado, não condiz com a Teologia Paulina dizer que Paulo faz uma Teologia da Cruz ignorando uma Teologia da Glória. Paulo enfatiza o cristo crucificado, mas em momento algum nega a fé em Jesus Cristo ressuscitado. A diferença é só de ênfase requerida pelos contextos diferentes em que atuavam o apóstolo Paulo e, uns 30 anos depois, o autor de Atos dos Apóstolos. E, recordemos, os dois – Pedro e Paulo – se assemelharam tanto a Jesus Cristo que, como ele, terminaram martirizados, segundo a tradição da igreja. Agora a missão está em nossas mãos. Que honremos o legado espiritual, ético e profético de Pedro e Paulo, duas colunas mestras das comunidades cristãs.

20/07/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 1

2 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 3

3 - Senhora de Guadalupe, rogai por nós! Reflexão. Gálatas 4,4-7 e Lucas 1,39-47. Manoel Godoy –12/12/20

4 - Live de lançamento do livro: “Carta aos Gálatas: até que Cristo se forme em nós” (Gl 4,19).

5 - Canto da Carta aos Gálatas (Paródia) - Mês da Bíblia/2021 (setembro) - CEBI-MG - 11/7/2021



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 6 de julho de 2021

Vem aí o mês da Bíblia, em 2021, com a Carta aos Gálatas. Por Frei Gilvander

 Vem aí o mês da Bíblia, em 2021, com a Carta aos Gálatas. Por Frei Gilvander Moreira[1]


Vem aí o mês da Bíblia: setembro. Por que e para quê? Porque dia 30 de setembro é dia de Jerônimo (342-420), o tradutor da Bíblia para o latim, a Vulgata. Um dos pilares da patrística, Jerônimo colocou a Bíblia na linguagem do povo, o latim. E também porque, com a Opção pelos Pobres e a Dei Verbum, um dos ótimos Documentos do Concílio Vaticano II, a leitura da Bíblia a partir dos pobres, de forma comunitária, militante, (macro)ecumênica e transformadora, foi incentivada e vem sendo feita há cinquenta anos. Inicialmente com Dia da Bíblia e sucessivamente, Tríduo Bíblico, Semana Bíblica e, assim, pouco a pouco, setembro se tornou o Mês da Bíblia.  Em 2021, a Carta do apóstolo Paulo aos Gálatas foi o livro bíblico escolhido para iluminar nossa caminhada no mês da Bíblia. 

"Não esqueçam os pobres!" (Gl 2,10) e “sejam livres!” (Gl 5,13), eis duas colunas mestras imprescindíveis na Carta do apóstolo Paulo aos cristãos e cristãs da região da Galácia: Gálatas. A utopia é construir uma sociedade de pessoas livres e libertadas e a condição é cuidar bem dos pobres e defendê-los de toda e qualquer relação social que cause empobrecimento.

Assim como Jesus não nasceu Cristo, mas tornou-se Cristo, o apóstolo Paulo não nasceu discípulo de Jesus Cristo e do seu Evangelho. Aliás, Paulo nasceu Saulo, se tornou perseguidor de cristãos antes de se converter ao Evangelho de Jesus Cristo e se tornar um dos melhores e maiores apóstolos no meio das primeiras comunidades cristãs. Após estudar muito e se tornar um intelectual orgânico na convivência com o povo escravizado, fora da Palestina, Paulo passou por um profundo processo de adesão ao Evangelho de Jesus Cristo, que durou muito tempo, enfrentou ‘noites escuras’ e desertos - “foi para a Arábia” (Gl 1,17) -, muita incompreensão, perseguição e, por fim, foi martirizado – segundo a Tradição da Igreja -, identificando-se radicalmente com Jesus Cristo – “não sou eu que vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2,20) -, condenado à pena de morte pelos podres poderes da religião institucional, da política imperial e de um modelo econômico escravocrata. Ao longo da vida, Paulo se transfigura de judeu perseguidor contumaz das comunidades cristãs a apaixonado missionário de Jesus Cristo e do seu Evangelho. Paulo se descobriu chamado por Deus, “nosso Pai”, desde o ventre materno (Gl 1,15), assim como o profeta Jeremias e outros profetas e profetisas. Ele descobriu a vocação de ser ‘apóstolos dos gentios’, considerados pagãos (Gl 1,16). Paulo aprendeu a amar radicalmente as pessoas das comunidades fundadas ou animadas por ele como a mãe que, por amor, enfrenta as dores de parto, pois sabe que gerará um/a filho/a muito amado/a: “Meus filhos, sofro novamente como dores de parto, até que Cristo esteja formado em vocês” (Gl 4,19).

Inserida no Segundo Testamento após a Carta aos Romanos, a 1ª e 2ª Carta aos Coríntios, a Carta aos Gálatas, com seis capítulos, não é menos importante e nem menos eloquente que nenhuma outra carta paulina. Endereçada não apenas a uma comunidade, mas a várias, Gálatas foi escrita por um Paulo profundamente indignado e irado diante das calúnias e ataques que “intrusos, falsos irmãos” (Gl 2,4) lhe desferiam pelas costas no meio das comunidades da região da Galácia, alegando que ele não era Apóstolo, que inclusive os não-judeus deveriam se circuncidar e cumprir a Lei judaica, como condição para participar das comunidades cristãs. Essas acusações e questionamentos ao seu Evangelho anunciado não afetavam apenas Paulo, mas caso não fossem desmascarados, podiam implodir as comunidades cristãs que se inspiravam no ensinamento e testemunho de Paulo. Em contexto de diversas tendências na evangelização, que vinham desde a briga entre Paulo e Pedro em Antioquia (Gl 2,14) por causa do conflito com “falsos irmãos” (Gl 2,4), Gálata é Carta de resistência e de luta contra os ataques que afetavam as bases da vida em comunidade e da luta pela superação de relações sociais escravocratas e busca conquistar condições objetivas que viabilizem a construção de relações sociais de liberdade, de equidade e de respeito à dignidade da pessoa humana. A Carta aos Gálatas nos convida à superação de uma vida cristã fundamentalista - ritualista, espiritualista, moralista, religião do consolo e da autoajuda – e conclama-nos ao compromisso radical com o Evangelho de Jesus e a causa de todos/as escravizados/as da história, o que exige abraçarmos pelo nosso modo de vida um estilo simples e austero, opção de classe e batalhar ao lado dos/as empobrecidos/as na luta pela conquista de seus direitos: terra, teto, trabalho com salário justo, meio ambiental sustentável e superação de todos os preconceitos e discriminações.

Paulo reivindica sua condição de apóstolo na controvérsia com os "falsos irmãos", ao travar um debate "intracristão". Em Gálatas, Paulo não está defendendo o Evangelho de Jesus Cristo diante de judeus, seguidores do judaísmo, mas está indignado com “falsos irmãos” que se dizem também seguidores de Jesus Cristo. Paulo se sentia Apóstolo autorizado diretamente por Jesus Cristo e por Deus, que ele compreendia como “nosso Pai” (Gl 1,3) e como quem ressuscitou Jesus Cristo (Gl 1,1), que é o “Senhor” de nossas vidas. Afirmar Jesus Cristo como Senhor (Kyrios, em grego) é algo tremendamente subversivo e revolucionário, pois “Senhor’ no Império Romano era o imperador divinizado. Sustentar que ‘senhor de nossas vidas’ é Jesus Cristo, aquele fora da lei, transgressor e subversivo condenado à morte pela pena mais execrável, a crucifixão, era ‘cutucar com vara curta’ o divinizado imperador romano e assumir o risco de sofrer a mesma condenação do galileu Jesus.

Paulo é elo vivo de um movimento comunitário de resistência: “eu e todos os irmãos que estão comigo” (Gl 1,2) são os autores da Carta aos Gálatas. Segundo Paulo, Jesus não quis nos tirar do mundo, mas “do mundo mau” (Gl 1,4), ou seja, de um mundo com relações sociais escravocratas e alienadoras. Paulo abomina a ideia de “vários evangelhos” (Gl 1,6-7), como se fosse possível moldar o Evangelho de Jesus Cristo segundo interesses de classe e domesticá-lo para justificar posturas hipócritas e cúmplices de relações sociais de opressão. As comunidades cristãs não podem se reduzir a um grande guarda-chuva que abriga “gregos e troianos”, opressores e oprimidos, cada um/a com o tipo de religiosidade que lhe agrada. Esse relativismo é fulminado pelo apóstolo Paulo. De forma enfática, ele afirma: ‘Não existe outro Evangelho” (Gl 1,7), além do de Jesus Cristo, revelado a ele nas entranhas das relações humanas conflituosas (Gl 1,12). “Maldito quem anunciar a vocês um evangelho diferente do que anunciamos” (Gl 1,8-9). Paulo faz perguntas inquietantes: “Busco aprovação dos homens ou de Deus? Procuro agradar aos homens?” (Gl 1,10). É claro que aqui Paulo não se refere a todo e qualquer homem, toda e qualquer pessoa humana, mas certamente não busca a aprovação dos homens de poder, dos que sustentam e reproduzem relações sociais escravocratas. Paulo também não aceita adocicar o Evangelho de Jesus Cristo para “agradar aos homens”, seja os que estão no poder, seja o povão alienado e escravizado. Levemos a sério a exortação do apóstolo Paulo aos Gálatas: "Não esqueçam os pobres!" (Gl 2,10) e “sejam livres!” (Gl 5,13).

06/07/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 1

2 - CARTA AOS GÁLATAS - BLOCO 3

3 - Senhora de Guadalupe, rogai por nós! Reflexão. Gálatas 4,4-7 e Lucas 1,39-47. Manoel Godoy –12/12/20

4 - Live de lançamento do livro: “Carta aos Gálatas: até que Cristo se forme em nós” (Gl 4,19).



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III