terça-feira, 9 de abril de 2024

Jornal A VERDADE entrevista Frei Gilvander: “Direitos só se conquistam com luta coletiva e popular”

 Jornal A VERDADE entrevista Frei Gilvander: “Direitos só se conquistam com luta coletiva e popular”



Em entrevista exclusiva ao Jornal A VERDADE (Jornal A VERDADE, n. 289, abril de 2024, p. 5), Frei Gilvander Moreira fala do momento delicado das lutas populares no Brasil, destacando a luta pelo direito à terra e os principais conflitos que envolvem os camponeses, povos indígenas e tradicionais ameaçados pelo agronegócio, pelas mineradoras e pelo latifúndio. Destaca ainda a resistência popular, a crescente luta pela Reforma Agrária e a defesa do socialismo como solução para a superação dos males do sistema capitalista, brutal máquina de moer vidas. Fernando Alves, da Redação.

A VERDADE - Apesar das centenas de mortes que ocorreram nos últimos anos, causadas pelas multinacionais que exploram os minérios, não houve nenhuma ação efetiva do governo para acabar com esses crimes. Por quê?

Frei Gilvander Moreira: “Em uma sociedade capitalista, com idolatria do capital/mercado, os governos estaduais e federal, que giram a roda do Estado burguês, são vassalos desse sistema de morte, com modelo econômico assassino. O máximo que fazem é maquiar danos com mitigações que não compensam nada, pois não alteram a lógica e a estrutura que está nos levando à barbárie e ao Apocalipse da humanidade e de grande parte da biodiversidade, pois mesmo com os crimes brutais das mineradoras, os órgãos ambientais continuam licenciando novos e brutais projetos de mineração e do agronegócio. Em Minas Gerais, em 2023, 474 novas licenças ambientais foram concedidas para mineração em um estado já sacrificado impiedosamente pela voracidade das mineradoras. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) há mais de 30 grandes barragens de mineração com sérios riscos de rompimento, esperando um evento extremo da Emergência Climática, que será o gatilho. Se ocorrerem outros rompimentos de barragens na RMBH, poderá ser a morte final do Rio das Velhas e do Rio São Francisco! O poder Judiciário continua cuspindo no rosto do povo brasileiro ao deixar impunes as mineradoras Vale S/A, Samarco e a BHP Billington. A Vale sepultou 272 pessoas vivas, dois anos após levou também o operador de máquina Júlio César, na mesma mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, e tem levado centenas de pessoas ao "autoextermínio” (assassinatos forçados) nas bacias dos rios Doce e Paraopeba. Outra questão importante no contexto do Vale do rio Paraopeba são as Retomadas Indígenas em Brumadinho, no caso, as  Retomadas dos Xucuru Kariri e dos Kamakã Mongoió. A  mineradora Vale tem feito tudo para impedir que as comunidades indígenas possam viver em paz nestes territórios onde estão plantando, fazendo os seus rituais e  realizando a recuperação ambiental das mesmas. A última atrocidade da mineradora Vale contra as comunidades indígenas foi, se apresentando como proprietária do terreno da Retomada,  exigir que a Justiça Federal proibisse que o corpo do Cacique Merong, morto no dia 04 de março de 2024, fosse sepultado na Retomada, conforme era o seu desejo, melhor dizendo, semeado e  plantado no Território Kamakã Mongoió que agora está auto-demarcado com seu próprio sangue e luta aguerrida por terra para o seu povo. Exigimos Demarcação, Já, do Território Kamakã Mongoió, em Brumadinho MG.”

A VERDADE - Quais são as principais consequências para o meio ambiente e para a população dessa desenfreada exploração das mineradoras?

Frei Gilvander Moreira: “Com a voracidade das mineradoras e do agronegócio em conluio com o Estado e apoio escancarado da elite dominante o estado de Minas Gerais está se tornando crateras gerais, cemitérios gerais e está sendo desertificado. De estado caixa d'água do Brasil, MG está se tornando um estado desertificado. Continua o êxodo rural adensando cada vez mais as capitais e agravando a já muito grave injustiça urbana. No Brasil, uma não declarada epidemia de câncer e Alzheimer está ceifando a vida de mais 250 mil pessoas por ano, além de impor sofrimento atroz a milhões de famílias e empobrecimento por investir os poucos recursos que tem tentando salvar a vida de parentes. E a indústria da quimioterapia e radioterapia gerando lucros imensos para seus donos. Pior! Sem preservação ambiental, a Emergência Climática só se agrava e os Eventos Extremos cada vez mais frequentes e letais. Adoecimento psíquico geral da população. Todas estas consequências da mineração devastadora e do agronegócio, que é ogro, antro de devastação socioambiental patrocinado pelo Estado que concede isenção de ICMs às commodities para exportação e o uso de agrotóxicos. Nos últimos 25 anos, só em MG, as mineradoras deixaram de pagar 170 bilhões de reais, o que daria para pagar a dívida de MG com a União. Em 2023, o agronegócio da soja deixou de pagar 60 bilhões de reais de ICMs. Esse modelo brutal asfixia a agricultura familiar agroecológica, impede a realização da Reforma Agrária já feita inclusive nos países capitalistas. Vociferaram  contra a demarcação dos Territórios dos Povos Originários, Indígenas e Tradicionais acelerando as mudanças climáticas que estão empurrando a humanidade para o abismo e sua extinção. Por isso, não cansamos de afirmar que capitalismo é barbárie e a solução para salvar a sociedade passa necessariamente pela construção do Socialismo democrático popular.”

A VERDADE - Qual a realidade dos trabalhadores do campo e da luta pela terra hoje?

Frei Gilvander Moreira: “Em uma imensa pluralidade, o campesinato brasileiro resiste para existir com cerca de um milhão de famílias assentadas em 50 anos de luta pela Reforma Agrária, o que tem custado muita luta, suor e sangue de mais de três mil camponeses assassinados na luta pela terra.. Os mais de 300 povos tradicionais resistem também nos seus Territórios enfrentando jagunços, latifundiários e o agronegócio violento. Os povos indígenas, com população acima de 1.650.000 segundo o Censo do IBGE de 2022, não baixam a cabeça diante do genocídio que lhe é imposto há 524 anos. Nossos parentes indígenas seguem preservando as florestas e garantindo condições de vida para si e para a humanidade. A agricultura familiar produz mais de 70 % do alimento que chega na mesa do povo  brasileiro.”

A VERDADE - Recentemente o Padre Júlio Lancellotti foi vítima de uma grande campanha de difamação. Como analisa as fake news lançadas na internet por grupos fascistas?

Frei Gilvander Moreira: "A verdade liberta e a mentira mata, alerta o quarto evangelho da Bíblia. Precisamos com urgência de regulamentação ética e justa da internet e das redes virtuais no Brasil, pois como "terra sem lei", a internet está via fake news disseminando ódio, intolerância, discriminação e "jogando ratos do esgoto" no tecido social. Os crimes causados pelas fake news precisam ser julgados e condenados exemplarmente."

A VERDADE - Em 2022, o senhor fez um trabalho acadêmico e esse processo de pesquisas e vivências práticas resultou em dois livros: “A CPT e o MST e a (In) justiça Agrária” E “Luta pela terra, pedagogia emancipatória”, da Ed. Dialética. Pode falar dessa experiência e desse trabalho?

Frei Gilvander Moreira: "Em quatro anos de doutorado na FAE/UFMG. pesquisei a Luta pela terra como Pedagogia de emancipação humana. Demonstramos que a brutal concentração da terra no Brasil em propriedade privada capitalista, por meio de latifúndio, agronegócio e o Estado deixando grandes empresas grilarem quase 30% do Território brasileiro que são terras públicas/devolutas é a coluna mestra que garante a reprodução do capitalismo com expropriação e exploração do campesinato há 524 anos.  Enquanto não conquistarmos Justiça Agrária, o que passa necessariamente por Reforma Agrária Popular e por demarcação de todos os territórios dos povos indígenas e Tradicionais, não teremos justiça urbana e nem justiça ambiental. Só em MG há 22,6% do Território mineiro, cerca de 14 milhões de hectares de terras devolutas, que segundo a Constituição de MG deveriam ser destinadas para reforma agrária e preservação ambiental, mas estão griladas por empresas eucaliptadoras, sendo que mais de 50% da monocultura de eucalipto do Brasil está em MG. Os índices de produtividade usados pelo INCRA para aferir se as propriedades rurais são produtivas são de 1976, ou seja, estão defasados há 48 anos. Se fossem atualizados - devem ser! - milhões de hectares  de terras poderiam ser repassadas para a Reforma Agrária. Mas não basta constatar, é preciso transformar e só se transforma na luta coletiva popular. Direitos só se conquistam com luta coletiva e popular."

terça-feira, 2 de abril de 2024

Clamores dos Povos, da Amazônia e das águas. Por frei Gilvander

Clamores dos Povos, da Amazônia e das águas. Por frei Gilvander Moreira[1]

Castanheiras sacrificadas em plena Semana Santa de 2024, em Itaituba, no Pará. "Malditas sejam todas as cercas" (Dom Pedro Casaldáliga). Fotos: Frei Gilvander

De 22 de março a 1º de abril de 2024, participamos de Missões na Amazônia, na Prelazia de Itaituba, no Pará. Chama nossa atenção, primeiro, a imensidade da Amazônia, com cidades muito longe umas das outras; depois a exuberância da Floresta Amazônica que ainda resiste de pé com toda sua riquíssima biodiversidade, com igarapés e rios na superfície do solo e os rios aéreos que são quase invisíveis a olho nu, mas transportam uma quantidade de água maior do que os rios de superfície. São estes rios aéreos da Amazônia que garantem chuvas no centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, no Uruguai, Paraguai e Argentina. Se eles secarem, a Amazônia se desertificará.

Com calor escaldante, nas cidades, gentes oriundas de muitas outras terras indicam que a migração forçada tem sido um traço da cultura e da história dos Povos no Brasil. Fomos muito bem acolhidos pelo bispo dom Wilmar Santin, pelas irmãs Carmelitas e por lideranças leigas da Prelazia de Itaituba. Os mais de trinta missionários/as foram subdivididos/as em equipes em várias paróquias de Itaituba. Visitamos e celebramos em várias comunidades rurais, de posseiros e de ribeirinhos. Nestas comunidades existem e resistem um grande grau de preservação da floresta amazônica e da sua biodiversidade, mas para chegar as estas comunidades, passamos por muitas fazendas grandes com grandes currais e muita monocultura de capim, indicando que após a derrubada da floresta, a criação de gado segue atrás. Na Amazônia, a injustiça agrária campeia, pois imensas quantidades de terra continuam aprisionadas em cativeiro, invadidas por grileiros fazendeiros e/ou empresários e/ou madeireiros, que expulsam posseiros, ribeirinhos, indígenas e assentados da reforma agrária.



Ficamos impactados ao ouvir que a região de Itaituba foi, nas décadas de 1980 e 1990, um dos grandes polos de extração de ouro do Brasil. “O aeroporto aqui era um dos mais movimentados. Descia e subia avião teco-teco um atrás do outro”, nos disseram várias pessoas idosas. Os ribeirinhos dizem que sentem saudade de quando o Rio Tapajós, um dos maiores afluentes do Rio Amazonas, tinha águas límpidas e cristalinas, “tempo em que a gente podia beber água com a própria mão”, mas com a expansão do garimpo as águas do rio Tapajós ficaram barrentas e contaminadas com mercúrio. Volta e meia encontramos peixes doentes e muitas pessoas já morreram com mercúrio no corpo causado pelo garimpo que joga mercúrio nas águas e vai para os peixes e para os corpos das pessoas.

Diante da cidade de Itaituba, do outro lado do rio Tapajós, no distrito de Miritituba, já existem seis portos graneleiros, um da Cargil, outro da Bunge e de outras empresas do agronegócio, com grandes silos que recebem em média 1.800 carretas bitrem lotadas de soja do agronegócio do centro-oeste do Brasil e são embarcadas em balsas gigantes (umas vinte balsas amarradas umas às outras) sendo empurradas por rebocadores com vários motores de Scania. De Itaituba até Santarém a soja é transportada nas gigantes barcaças 24 horas por dia. No embarque da soja, uma significativa quantidade de soja acaba caindo nas águas do Rio Tapajós, o que atrai grandes cardumes de peixes em busca de alimentação, que ao comer a soja acabam assimilando também a carga brutal de agrotóxicos usada na produção da soja em monocultura do agronegócio. Os ribeirinhos pescadores pescam os peixes que são a principal carne na sua alimentação. Resultado: adoecimento, depressão, autoextermínio em grau nunca visto na história das comunidades.

No segundo semestre de 2023, as Comunidades Ribeirinhas, de Posseiros e também os Povos das cidades na Amazônia sofreram em demasia com uma das maiores secas na Amazônia, uma onda de calor infernal e com nuvens gigantes de fumaça oriunda das queimadas na Floresta Amazônica. Dona Maria José, da Comunidade Ribeirinha de Barreiras, no município de Itaituba, PA, relata comovida: “Foi de cortar nosso coração de dor ao vermos a mortandade de peixe pela escassez de água e principalmente porque a água dos rios, igarapés e lagoas estavam quase fervendo. Nós fomos sacrificados aqui, porque era quase impossível tomar banho, porque a água do rio ou das torneiras saia quente demais. Para piorar a situação. durantes vários meses tivemos que sobreviver dentro de uma nuvem gigante de fumaça, vinda das queimadas na Floresta. Era tanta fumaça que a gente não conseguia enxergar o Rio Tapajós aqui ao nosso lado. Aconteceram acidentes com voadeiras e rabetas(canoas com motor), porque com tanta fumaça não se via nem a cinco metros de distância. Com o barulho do motor da voadeira ou rabeta, não se podia perceber que vinha outra em direção contrária. Os Postos de Saúde e os hospitais da região ficaram superlotados de pessoas com pneumonia, doenças nos olhos, alergias e outras doenças respiratórias. A gente sentia que estava em uma sexta-feira da paixão, como a sofrida por Jesus Cristo. Estamos preocupados com o próximo verão. E como péssimo sinal, o Rio Tapajós, agora no final de março de 2024, está muito mais baixo que estava em março do ano passado, pois está chovendo bem menos. O progresso está cada vez mais brutal e invadindo nossos territórios e nossos modos de vida. Esta narrativa pude conferir com muitas outras pessoas da comunidade. Todos diziam: “Foi isso mesmo que aconteceu. É a pura verdade”.

Ficamos sabendo que uma multinacional do Canadá, em parceria com uma empresa brasileira, está instalando mais um megaprojeto de mineração de ouro na região de Itaituba. “Instalamos um linhão de energia exclusivo para este projeto de mineração”, nos disse um engenheiro elétrico. Em 1998, a CELPA (Centrais Elétricas do Pará) foi privatizada e passou a se chamar Rede Energia. Em 2012, a Equatorial Energia S/A adquiriu o controle da quase falida Rede Energia por apenas 1 real. O povo paraense está reclamando muito da privatização da energia, porque o preço mensal da energia está sendo muito caro e falta energia com muita frequência. Nas vilas rurais todo o dia falta energia muitas vezes. Sem energia, o povo fica sem água, porque se precisa de energia para bombear a água de poços artesianos, queimam-se com frequência os eletrodomésticos, não há como ligar ventiladores para amenizar o calor e as pessoas com diabete ou diálise ficam sem poder ser medicadas. Quem pode se vira comprando gerador próprio com motor movido à gasolina, o que consome os poucos recursos econômicos que as famílias têm. Eis outra injustiça que se abate sobre o povo paraense. Energia é bem comum e é injusto reduzi-la a mercadora para se lucrar na bolsa de valores.

Ficamos felizes ao chegar à Casa de Formação da Prelazia de Itaituba, ao lado da cidade, e passar por entre várias imponentes castanheiras centenárias. Degustamos castanha do Pará e várias outras delícias da culinária paraense, mas ao retornarmos da Missão, dia 31 de março, fomos tomados de um profundo espanto ao vermos que tinham sido derrubadas cinco daquelas castanheiras que admirávamos, cada uma com mais de 60 metros de altura, com troncos com mais de um metro de diâmetro. Quem cortou? Quem mandou cortar estas castanheiras? O IBAMA deu licença? Uma das árvores símbolo da Amazônia, as castanheiras são madeira de lei, há lei que proíbe cortá-las, mas ouvimos também de muitos ribeirinhos que o IBAMA e a Polícia Federal são implacáveis com os ribeirinhos e condescendentes/cúmplices com grandes e poderosos desmatadores. Uma pessoa nos informou que este bairro aqui era uma mata de castanheiras. Foram todas derrubadas para se construir o bairro. Estes troncos gigantes das castanheiras derrubadas serão vendidos e se transformarão em móveis de luxo não sabemos em qual capital do brasil ou do exterior.”

Na bacia do Rio Tapajós há vários Povos Indígenas, entre eles o Povo Mundurucu com mais de 13 mil parentes que resistem e estão lutando pela demarcação do seu território. Igrejas evangélicas e (neo)pentecostais estão se espalhando no meio dos povos indígenas e das comunidades ribeirinhas e nas cidades também, muitas delas desrespeitando as culturas dos povos originários e solapando lutas coletivas pelos direitos dos povos.

Enfim, a Amazônia, os Povos Amazônidas e todos os seres vivos da Amazônia estão clamando por cuidado, respeito e solidariedade. Preservar a Amazônia e o que ainda resta de todos os biomas e ecossistemas se tornou uma questão de sobrevivência para a humanidade. Os clamores são ensurdecedores. Feliz quem ouvi-los e se comprometer com a superação do capitalismo, máquina bárbara de moer vidas, e do agronegócio, com suas monoculturas e mineração, que estão causando brutais sextas-feiras da paixão em plena terceira década do século XXI!

03/04/2024

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Leonardo Boff no Palavra Ética da TVC/BH, com frei Gilvander: Sínodo da Amazônia. 23/11/2019

2 - "Lavando os pés uns dos outros e beijando os pés do próximo." - Comunidade Ribeirinha de Barreiras, no município de Itaituba, no Pará - 28/03/2024

3 - Os Ladrões e Poluidores das Água - Vídeo produzido pela FASE - Solidariedade e Educação - Março/2024

4 - Realidade/desafios das CEBs do Oeste e Amazônia no XV Intereclesial das CEBs, Rondonópolis/MG. Víd11

5 - Amazônia. O Resgate dos Yanomani, com a urbanista Regina Fittipaldi

6 - Estudo: Em três décadas Amazônia perde o equivalente aos estados de SC, PR, SP, RJ e ES/JN/02-7-2020

7 - Desmatamento na Amazônia é o maior dos últimos dez anos - JN - 19/1/2021



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E “cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Em Cuba o Socialismo democrático segue brilhando. Por frei Gilvander

Em Cuba o Socialismo democrático segue brilhando. Por frei Gilvander Moreira[1]

Em Havana, capital de Cuba, na Fortaleza de San Carlos de La Cabaña, de 15 a 25 de fevereiro de 2024, aconteceu a 32ª Feira Internacional do Livro de Havana, a maior Feira de Livro do mundo, que é realizada há 32 anos, anualmente. A Fortaleza de San Carlos de La Cabaña foi construída no século XVIII como uma das fortalezas que defendiam a cidade de Havana contra ataques inimigos e saques piratas. La Cabaña foi declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO[2], juntamente com a cidade velha de Havana, em 1982, ano em que foi realizada a primeira Feira Internacional do Livro de Havana.

O Brasil foi o país convidado de honra desta 32ª Feira. Com organização da Embaixada do Brasil em Cuba e do Ministério da Cultura, sob a liderança da ministra Margareth Menezes, na delegação brasileira estavam mais de 65 escritores, artistas e intelectuais, entre os quais Conceição Evaristo, Frei Betto, Emicida, Aylton Krenak. Tive a alegria de ir com algumas pessoas de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo que realizaram o sonho de conhecer e conviver um pouco com muitas pessoas cubanas, em Cuba. Eu tinha estado em Cuba em dezembro de 2006, ocasião em que pude conviver com muitas pessoas cubanas em Havana e escrever o artigo CUBA: os desafios de um grande povo “ilhado”.[3] Digo ilhado entre aspas, porque o bloqueio que o império estadunidense continua impondo a Cuba há mais de 60 anos é brutal, pois tudo que o Povo Cubano precisa importar demora chegar a Cuba e custa de quatro a seis vezes mais caro. Se não fosse o bloqueio, Cuba seria hoje um dos países mais desenvolvidos economicamente do mundo, pois tem um povo guerreiro e muito preparado sob todos os aspectos.

Após os dez dias da Feira do Livro em Havana, a Feira do Livro acontece ao longo do ano nas 15 Províncias (estados) de Cuba, nas escolas, universidades, hospitais, penitenciárias. Em 2024, a 32ª Feira teve a participação de 45 países e apresentação de mais de mil novos títulos de livros. Cerca de três milhões de livros foram doados ou vendidos em preços variados e muitos podem ser baixados gratuitamente em pdf[4]Com o tema Ler é construir identidade, a Feira Internacional do Livro de Havana promove a leitura como uma das principais atividades para a formação da consciência individual e coletiva e do pensamento crítico autêntico.

Foi encantador e inesquecível ver a multidão de jovens que participou ativamente da 32ª Feira Internacional do Livro de Havana. Ver e ouvir escritores, tais como Conceição Evaristo, Emicida, nos leva a dialogar com o mais profundo do nosso ser e nos inspira a sermos melhores como humanos, pois diante da brutal Emergência Climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, embora haja tempo para muita coisa, só não há tempo a perder para superarmos a barbárie que é o capitalismo e construirmos uma sociedade socialista, democrática, com sustentabilidade ambiental e respeito à imensa pluralidade cultural.

Pela literatura e por todas as artes, encontramos e convivemos com nossos ancestrais e com pessoas de outros tempos, tal como José Martí, nascido em Havana e considerado o Apóstolo da Pátria em Cuba, esteve nas celas de La Cabaña em sua juventude como prisioneiro político por sua atividade revolucionária. Martí foi um dos maiores poetas e escritores da cultura hispânica, precursor da Revolução Cubana. Seu compromisso político permeou toda a sua obra. Em 1891, José Martí escreveu que "as trincheiras de ideias valem mais do que as trincheiras de pedra" “o conhecimento liberta”. A ignorância e a cegueira impostas pela ideologia dominante escravizam e matam, muitas vezes usando e abusando do nome de Deus e de textos sagrados. Por exemplo, o absurdo que é crentes e (neo)pentecostais apoiarem o Estado de Israel genocida, por estar dizimando o Povo Palestino há mais de 76 anos com requintes de crueldade, porque imaginam que judeu é cristão e crê em Jesus Cristo. Ledo engano! Salvo raras exceções, os judeus não acreditam em Jesus Cristo como Filho de Deus. A Bíblia dos judeus não tem o Novo Testamento Cristão, pois não acreditam que Jesus Cristo seja o Messias, enviado de Deus. Os judeus não têm um “Novo Testamento”, têm a Mishná, que são comentários de rabinos que ajudam na interpretação dos textos do Antigo Testamento.

Além de participar da 32ª Feira do Livro em Havana, tivemos tempo para conviver com pessoas cubanas encantadoras. Viajamos umas 17 horas de ônibus em Cuba, de Havana para Cienfuegos, Trinidad, Varadero..., ida e volta. Que maravilha ver com nossos próprios olhos que em Cuba não existe, ou quase não existe, engarrafamento de trânsito, não há rios poluídos, não há agrotóxicos na alimentação – a comida é produzida com adubação orgânica na linha da agroecologia e tem sabor de comida de verdade -, não há violência social, não há drogas, as praças são do povo e continuam sendo lugares de encontros e de boas conversas, sem medo de assaltos. Os jovens estão sempre carregando, com os seus livros, instrumentos musicais e/ou uniformes de esportes, demonstrando que têm acesso amplo à educação e, se quiserem, à música e ao esporte. Saúde, educação, cultura e esporte são prioridades nas políticas públicas.

Em todas as quadras de todos os bairros de Cuba existem funcionando os Comitês de Defesa da Revolução (CDRs)[5] que vigiam para que os imperialistas não minem o processo revolucionário socialista em curso, organizam mutirões de limpeza das áreas públicas e ações de apoio e solidariedade com as pessoas que precisam. Em Cuba existe de fato um Sistema Único de Saúde, o público. Lá não tem planos de saúde, pois não existem hospitais privados. Não há universidades privadas. A saúde e a educação do povo não são mercadorias, mas bens comuns que precisam ser cuidados com absoluta prioridade. O povo é culto, tem consciência histórica e de cabeça erguida afirma “Fidel somos todos nós, os 11 milhões de cubanos”. O comandante Fidel vive e viverá sempre no Povo Cubano inspirando e guiando na defesa da revolução socialista.

Em Cuba não tem a poluição visual do exagero de propaganda que há aqui no Brasil e nos outros países capitalistas. O patrimônio histórico e arquitetônico é muito rico e diversificado, pois há nas cidades cubanas muitos hospitais, cinemas, teatros, museus e obras de restauração de belíssimas ruínas e edificações únicas, prédios atribuídos aos estilos barrocos, neoclássicos, ecléticos, art déco e art Nouveau. Cuba possui importantes núcleos arquitetônicos e históricos considerados “Patrimônio da Humanidade” pela UNESCO. Em Cuba, o povo admira e respeita a bandeira cubana, os mártires da revolução cubana, Fidel, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e a todos os homens e mulheres que doaram as suas vidas pela causa revolucionária. Todos os/as lutadores/as da história são reverenciados/as.

Pessoas contaminadas pela ideologia capitalista trombeteada aos quatro ventos pela mídia empresarial, propriedade de algumas famílias riquíssimas, caluniam e difamam o socialismo democrático vivenciado em Cuba, porque sabem que se o povo latino-americano e africano descobrirem as belezas, as verdades, a justiça e a ética do socialismo democrático praticado em Cuba, o capitalismo, máquina brutal de moer vidas, desabará como um gigante com pés de barro. Emicida iniciou sua fala em Havana, na 32ª Feira do Livro dizendo: “Muitos nos perguntam “por que ir a Cuba?”, mas a melhor pergunta é “por que não ir a Cuba?””

Voltei de Cuba com a certeza de que o império estadunidense está caindo e Cuba continuará sendo uma estrela cintilante apontando o caminho que a humanidade deve trilhar para impedirmos a “queda do céu”, na linguagem do xamã Yanomami Davi Kapenawa, e um Apocalipse, não querido pelo Deus da vida, mas que está sendo causado pela idolatria do mercado que é tocado a todo vapor pelas grandes mineradoras, pelos agronegociantes e capitalistas do capital especulativo que não enxergam nem um dedo diante dos olhos, além do luxo e do poder que os deixam obcecados.

Enfim, o heroico povo cubano faz-nos acreditar que os ideais libertários, a utopia de emancipação da humanidade da opressão capitalista de exploração humana e da natureza, é possível de se realizar e necessária. Mesmo brutalmente bloqueada e perseguida pelo imperialismo estadunidense, Cuba nos inspira e alimenta esta certeza. “Até a vitória, sempre!”, como bradava Fidel e Che Guevara. E o povo revolucionário respondia em um só brado: “Venceremos!”

27/02/2024

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima. Em breve publicaremos no youtube, no canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”, muitos outros vídeos filmados em Cuba em fev./2024.

1 - Visita a Cuba: Havana e Capitólio por dentro. Fev./2024. Video 1 (Visita a Cuba: La Habana y el Capitolio desde dentro)

2 - Cuba: visita guiada ao belíssimo e suntuoso Capitólio, em Havana. Fev./2024. Video 2 (Cuba: visita guiada al hermoso y suntuoso Capitolio, en La Habana)

3 - Cuba: bloqueio, resistência e direitos sociais. Osvaldo Manuel Bosch entrevistado por frei Gilvander Luís Moreira, em Belo Horizonte, MG, Brasil. 20/09/2016.

4 - Tributo a Tilden Santiago: sua trajetória religiosa e na política - PT, embaixador do Brasil em Cuba



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E “cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

[5] Visitamos um CDR na cidade de Trinidad, que é Patrimônio Histórico da Humanidade, e também o Museu dos Comitês de Defesa da Revolução, em Havana. 

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Umbanda, religião que prega o amor, a paz, a fraternidade e o respeito. Por frei Gilvander

 Umbanda, religião que prega o amor, a paz, a fraternidade e o respeito. Por frei Gilvander Moreira[1]

Cartazes em uma praça de Ibirité, MG, onde aconteceu sessão (gira) de Umbanda, dia 15/11/23. Foto: Alenice Baeta

No dia 20 de novembro de 2023, Dia da Consciência Negra, dia do martírio de Zumbi, em 1695, líder do Quilombo de Palmares, dia de reforçarmos as lutas justas e necessárias para superarmos as relações sociais escravocratas com acesso à terra, à moradia digna, à educação emancipatória, à saúde pública de qualidade, à cultura libertadora, com protagonismo do povo negro, em lutas que superem o racismo estrutural e institucional incrustado no capitalismo, ciente de que dentro do capitalismo é impossível se superar o racismo e o colonialismo, marchemos para a construção de uma sociedade socialista com as especificidades brasileiras. No dia de hoje dedico um tributo ao Povo Negro, especialmente ao povo da Umbanda que se congrega em uma grande pluralidade.

Dia 15 de novembro de 2023, parece que conduzido pelos bons espíritos, tive a alegria de assistir a uma sessão (gira) de Umbanda em uma das praças da cidade de Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Ao passar pela praça, me chamou a atenção a presença de um grupo vestido de branco, as mulheres com vestido rodado e uns cartazes que diziam: “Dia 15 de novembro é Dia Nacional da Umbanda”. Outro cartaz dizia: “A roupa branca que você gosta de vestir na virada do ano é da religião que você oprime o ano inteiro”. Outro cartaz dizia: “Não precisamos de Dia da consciência negra, branca, parda ou albina, mas de 365 dias de consciência humana. Viva a Umbanda!”. “A Umbanda é uma religião que abre suas portas para todos sem julgamento, apenas acolhe com amor, fraternidade e respeito”. “Intolerância religiosa é crime”, dizia outro cartaz, da Tenda Estrela da Guia, do Caboclo Rompe Mato. Faz parte de uma importante e complexa categoria de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Ancestral Africana, os “Povos de Terreiro”, compostos pelos segmentos do Candomblé das nações de Ketu, Angola e Jeje, Angola-Muxikongo, de Umbanda e Omolocô de diferentes linhas e por Reinados nas mais diversas linhagens, dentre outros.

Rubens, um dos umbandistas que coordenava os trabalhos, me disse que apenas nos últimos anos eles estão podendo celebrar na praça, pois durante várias décadas tiveram que celebrar escondido para não serem perseguidos. O Rubens me acolheu e disse que eu poderia ficar à vontade, inclusive filmar, se eu quisesse. Acabei filmando quase 90 minutos a sessão de Umbanda na praça pública, com atabaques e cantorias que cantam a libertação do povo negro escravizado e a bênção dos ancestrais. Rezaram algumas vezes Pai Nosso e Ave Maria. Fizeram sinal da cruz e preces inclusive a Nossa Senhora do Rosário. Estiveram presentes no ritual integrantes da Guarda de Moçambique de Ibirité. Algumas pessoas, fumando cachimbo, incorporaram Caboclo Velho, que ofereceu passe a quem quis. Com um defumador todas as pessoas foram incensadas. Vinho e outra bebida foram partilhados e no final uma canjica foi partilhada com todas as pessoas presentes. Enfim, saí de lá me sentindo abençoado por outra religião e me perguntando: Por que pessoas que se dizem cristãs, sejam católicas ou (neo)pentecostais perseguem os Povos de Terreiro? Vi que existem muitas semelhanças entre a celebração na Umbanda e as celebrações que se fazem nas igrejas cristãs: cantos, orações, bênçãos, partilha etc. Mesmo que fossem totalmente distintas as formas de celebração e de rituais, não há motivo para discriminação e muito menos perseguição, pois os Povos de Terreiro  pregam o amor, a paz, a fraternidade e o respeito. Além do mais, o Brasil é um país laico, ou seja, está garantido na Constituição Federal de 1988 a liberdade de credo de todas as religiões e igrejas, bem como a alteridade cultural. O Brasil não é um país confessional, de uma única religião, o que seria ditadura religiosa. O que é tipificado como crime é a intolerância religiosa. Sei que o preconceito é fruto de desconhecimento e falta de informação correta e histórica. Não há como amar o que se desconhece.

O biblista e teólogo da Teologia da Libertação Marcelo Barros nos recorda que “o termo Umbanda vem do idioma quimbunda de Angola e significa “arte de curar”, ou hoje podemos traduzir por “arte de cuidar”, o que liga a fé e a espiritualidade ao cuidado uns dos outros/umas das outras, assim como cuidado da mãe-Terra e da natureza. Assim como em sua sociedade Jesus valorizou os samaritanos, cultural e espiritualmente, reconhecemos nas comunidades de Umbanda essas comunidades samaritanas que têm ajudado as pessoas negras e pobres a salvaguardar a consciência de sua dignidade humana e a necessária e salutar cultura comunitária da qual a nossa sociedade precisa tanto.

Dia 15 de novembro deste ano de 2023, celebramos o aniversário de 115 anos da criação da Umbanda, uma religião propriamente brasileira. No dia 15 de novembro de 1908, em São Gonçalo, periferia do Rio de Janeiro, o médium Zélio Fernandino de Moraes fundou a Umbanda, que se baseia em três conceitos fundamentais: Luz, Caridade e Amor. O termo “Umbanda” vem de Angola e quer dizer “arte de curar”. A Umbanda sintetiza elementos do Candomblé banto, do Espiritismo kardecista e do Catolicismo popular.

Infelizmente, até hoje, há grupos cristãos fundamentalistas que combatem e perseguem as religiões afrodescendentes. É mais triste ainda constatar que fazem isso em nome de Jesus. Conforme o Evangelho, Jesus afirmou que pelos frutos se conhece a árvore. No Brasil e em todo o continente, os frutos das religiões negras têm sido preservar as culturas originárias, manter a unidade das comunidades e, em nossos dias, testemunhar a toda a humanidade uma espiritualidade que liga o amor social ao cuidado afetuoso com a mãe-Terra e toda a natureza.

No passado e até hoje, a Umbanda e as outras religiões indígenas e negras foram discriminadas, condenadas e mesmo perseguidas pela nossa Igreja e, hoje ainda, por grupos católicos fundamentalistas e (neo)pentecostais. Por isso, temos uma dívida moral com a Umbanda e as espiritualidades de matriz afro e podemos, em nome de Jesus, afirmar em bom e alto sim: Viva a Umbanda!

Filmei e pus no youtube no Canal “Frei Gilvander Luta pela Terra e por Direitos” quase 90 minutos da sessão de Umbanda que assisti, para quem quiser assistir e conhecer um pouco da beleza ética e espiritual da Umbanda e dos demais Povos de Terreiro.

Sejamos construtores de paz com respeito entre as religiões, igrejas e pessoas religiosas e não apenas tolerância. Que a luz e a força divina nos guiem sempre inclusive no processo de libertação de preconceitos e discriminações.

 20/11/23

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - 15/11, Dia Nacional da Umbanda, que é Amor, Paz, Fraternidade e Respeito. Intolerância Rel. é crime!


2 - Curta-documental O CHAMADO DA UMBANDA

3 - O Que é Umbanda – Documentário



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III 

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Catar versículos bíblicos para justificar preconceitos? Por frei Gilvander

 Catar versículos bíblicos para justificar preconceitos? Por frei Gilvander Moreira[1]

Foto Reprodução de Redes Virtuais

Invocado sob muitos nomes, mistério de amor que nos envolve e perpassa, Deus, segundo a Bíblia, se revela na história[2], nas entranhas dos fatos e acontecimentos que fazem a história. Assim, para quem acredita em Deus, a caminhada e lutas de libertação de todo e qualquer tipo de escravidão se dá na companhia amorosa de Deus. A revelação de Deus se faz presente na transitoriedade humana, ou seja, no tempo e no espaço com a progressividade de um caminho com início, realização e o cumprimento em Cristo Jesus. Isso não significa dizer que seja um caminho sem tensões, retrocessos e avanços. O caminho da revelação divina se faz na história das lutas libertárias dos povos explorados e injustiçados e por meio da palavra que a interpreta e orienta. Nas relações humanas e sociais dos acontecimentos históricos a iluminação interior confere ao profeta/profetisa ou à comunidade de fé a inteligência de ler, à luz de Deus, os acontecimentos, seja pela palavra oral ou escrita, fazendo a leitura e a interpretação dos fatos e da realidade que nos envolve.

          A revelação bíblica não é mágica. Ela passa pela mediação humana não só porque a palavra chega até nós por meio dos profetas/profetisas e dos/as apóstolos/as e, por ser histórica, ela necessita da mediação para ser transmitida e atualizada para o ser humano e a comunidade que a acolhem. A revelação é o entrelaçar-se de movimentos históricos e sagrados da iniciativa livre e gratuita de Deus e das reflexões do ser humano para compreendê-la e abraçá-la.

          A revelação é dialógica e pessoal por meio do encontro de Deus com o ser humano, que se coloca em uma atitude de escuta e de abertura ao mistério de amor que nos envolve. É um diálogo profundo, vital; não só troca de conhecimentos. Deus fala com o ser humano para libertá-lo e torná-lo humano-divino. Podemos dizer que a revelação é, ao mesmo tempo, teológica e antropológica, porque revela o mistério de Deus e a vocação/missão humana. Deus revela o seu desígnio sobre o ser humano, a história, dá normas de conduta, explica os acontecimentos que são dados ao ser humano para viver, conviver e lutar para que um projeto de vida para todos/as se torne realidade: o reino de Deus a partir do aqui e do agora. Deus se revela em uma comunhão de pessoas, em um diálogo de conhecimento e de amor, no qual o ser humano é inserido pela fé, que é disposição existencial para acolher e lidar com o mais profundo do nosso ser.

          A revelação divina manifesta-se trinitária em que as três pessoas da Trindade Santa estão na origem com modalidades próprias da revelação: o Pai tem a iniciativa de buscar comunhão com o ser humano; Jesus Cristo é a revelação plena do amor do Pai e do Espírito Santo, que interpreta e atualiza as palavras, gestos e sinais que Jesus realizou. Jesus Cristo é revelador do Pai e do Espírito Santo e de si mesmo, ao realizar o projeto do Pai/Mãe, repito, mistério de infinito amor. Jesus é o revelado pelo Pai: “Tu és meu Filho amado, em ti me comprazo” (Mc 1,11) como também na transfiguração: “Este é o meu filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o” (Mt 17,1-8). Em Jesus Cristo a revelação encontra o seu cumprimento pleno. Enquanto no Primeiro Testamento a espera de Cristo é incompleta e ainda não realizada, no Segundo Testamento bíblico, mesmo que o Cristo seja a revelação máxima, é “ainda não”, será plena só na escatologia, no fim dos tempos; enquanto estamos no tempo presente, resta sempre uma revelação na fé.

          A Revelação é sempre iniciativa de Deus em busca do ser humano, a quem se revela de mil formas desde a criação do universo nas ondas da evolução, do próprio ser humano e ao longo da sua história. Ao registrar estas experiências de encontro com os/as hagiógrafos/as, são estes/estas mesmos/as que reconhecem, novamente, que é Deus quem os inspirou e conduziu para que escrevessem tudo aquilo que é da sua vontade, e para a nossa libertação e salvação.

Como se dá a inspiração dos textos bíblicos? No documento do Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, Dei Verbum, os Padres conciliares afirmam, com convicção, que todos os escritos da Sagrada Escritura foram inspirados pelo Espírito Santo. Dizem eles: “consideram como sagrados e canônicos os livros inteiros tanto do Antigo como do Novo Testamento com todas as suas partes. Todavia, para escrever os Livros-Sagrados, Deus escolheu e serviu-se de homens – e mulheres - na posse das suas faculdades e capacidades para que agindo neles e por meio deles, pusessem por escrito como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que ele quisesse[3].”

          Como esses livros foram escritos por homens e mulheres, à maneira humana, quem interpreta as Sagradas Escrituras deve investigar com atenção o que os/as hagiógrafos/as quiseram dizer e aprouve a Deus revelar por meio deles e delas. Para isso, devem ser levados em conta os gêneros literários para descobrir o sentido que os/as hagiógrafos/as, segundo as condições de tempo e cultura, quiseram expressar. Havia entre pessoas de Deus, profetas e profetisas, sacerdotes e sábios dos Povos da Bíblia (Jr 18,18) que foram considerados mediadores da mensagem divina, cuja autoridade é inquestionável. Óbvio que, como na busca do ouro é preciso peneirar o que está junto com o ouro, mas não é ouro, ao ler um texto bíblico precisamos interpretar, ou seja, peneirar o sentido que possivelmente é mensagem divina e o que o/a autor/a colocou ali pelos seus condicionamentos culturais, sociais e religiosos.

          Quando os/as autores/as do Segundo Testamento citam o Primeiro Testamento bíblico, referem-se aos seus autores e autoras, aos quais conferem um valor divino. A Igreja reconhece também nas palavras desses profetas[4] a presença de um carisma semelhante ao dos antigos profetas (Lc 1,70; At 2,24). As cartas do Apóstolo Paulo circulavam entre as comunidades, eram lidas e refletidas por elas, conforme nos informam as próprias cartas (Cl 4,16; 1Ts 5,27).

          Depois de considerarmos a Revelação divina para a humanidade por livre iniciativa e por amor, lembrando que Deus inspirou homens e mulheres ao longo da história, para registrarem a experiência humana, social e religiosa que o povo fez com o mistério de amor que nos envolve, não podemos esquecer que a Bíblia é uma biblioteca, 73 livros, ou seja, a Bíblia é obra literária...
e como tal deve ser interpretada. É ingenuidade e erro grave dizer: “a Bíblia basta ser lida e colocada em prática”. Toda leitura suscita e requer interpretação, que precisa ser sensata e libertadora. Não podemos sair catando versículos e citando-os para justificar nossos preconceitos e posturas muitas vezes moralistas e fundamentalistas, o que recai em idolatria.

08/11/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Agir ético na Carta aos Efésios: Mês da Bíblia de 2023. Por frei Gilvander (Cinco vídeos reunidos)

2 - Andar no amor na Casa Comum: Carta aos Efésios segundo a biblista Elsa Tamez e CEBI-MG - Set/2022

3 - Toda a Criação respira Deus: Carta aos Efésios segundo o biblista NÉSTOR MIGUEZ e CEBI-MG, set 2022

4 - Chaves de leitura da Carta aos Efésios, segundo o biblista PEDRO LIMA VASCONCELOS e CEBI/MG –Set./22

5 - Estudo: Carta aos Efésios. Professor Francisco Orofino

6 - Carta aos Efésios: Agir ético faz a diferença! - Por frei Gilvander - Mês da Bíblia/2023 -02/07/2023

7 - Bíblia, Ética e Cidadania, com Frei Gilvander para CEBI Sudeste

8 - Contexto para o estudo do Livro de Josué - Mês da Bíblia 2022 - Por frei Gilvander - 30/8/2022

9 - CEBI: 43 anos de história! Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos lendo Bíblia com Opção pelos Pobres



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Cf. MORALDI L. Rivelazione In: Nuovo Dizionario di Teologia Biblica, Edizione Paoline: Torino, 1988, p. 1375.

[3] CONCILIO VATICANO II. Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina. Dei Verbum, São Paulo: Paulinas, 2005, p. 15.

[4] At 11,27; 13,1; 1Cor 12,28; 14,37; Ef 4,11.