terça-feira, 29 de junho de 2021

Saciar a fome e combater suas causas. Por Frei Gilvander

  Saciar a fome e combater suas causas. Por Frei Gilvander Moreira[1]



Em palavras de fogo, Carolina Maria de Jesus, no livro Quarto de Despejo, de 1960, denuncia a brutal injustiça social. Diz ela: “Hoje não temos nada para comer. Queria convidar os filhos para suicidar-nos. Desisti. Olhei meus filhos e fiquei com dó. Eles estão cheios de vida. Quem vive, precisa comer. Fiquei nervosa, pensando: será que Deus esqueceu-me? Será que ele ficou de mal comigo?”. Após o Brasil ter sido tirado do Mapa da Fome, durante o Governo Lula, agora o Brasil foi empurrado novamente para o Mapa da Fome. O enorme número de pessoas pedindo comida, e pesquisas recentes indicam que a fome voltou de forma brutal no Brasil. Mais de 19 milhões de pessoas estão na extrema pobreza (renda mensal abaixo de R$89,00 per capita) passando fome e 27,7% da população (58 milhões de pessoas) estão com insegurança alimentar, segundo pesquisa de Food for Justice. Cadê o respeito ao direito à alimentação prescrito na Constituição Federal? O número de pessoas em situação de rua cresce cotidianamente beirando a 500 mil. O desemprego bate recorde diariamente. As campanhas para arrecadação de alimentos se multiplicam. Os clamores são ensurdecedores, tais como: “Estou deixando de tomar café da manhã para que minhas irmãzinhas possam comer alguma coisa”. “Vários dias por semana vou tentar achar algo para comer no resto da feira ou dos sacolões”. “Dói demais ver e ouvir uma criança da gente, em prantos, pedindo pão e a gente não ter como alimentar nossos filhos”.

Um poema profetiza: “Quem tem fome, tem pressa. Não pode esperar. Então corre irmão, vamos. Nesse momento tem gente morrendo de fome, no nosso Brasil. A fome é perversa. E quem alimenta esse monstro do mal é a desigualdade social. Tem barriga vazia fazendo chorar ...”[2]. Por amor ao próximo todo povo precisa, urgentemente, se fazer solidário e acudir de forma solidária todos/as que estão passando fome. Campanhas para arrecadação de cestas básicas e todos os gestos de filantropia são necessários com urgência neste momento. Que todos/as doem o máximo possível. Entretanto, faz-se necessário atacar as causas que estão gerando a fome que implode as pessoas por dentro: a estrutura fundiária baseada no latifúndio há 521 anos; o agronegócio que, em latifúndios, com uso indiscriminado de agrotóxico, tecnologia de ponta e muitas vezes submetendo os/as trabalhadores/as a trabalho análogo à situação de escravidão; política econômica neocolonial que concentra cada vez mais riqueza nas mãos da elite; repasse de cerca de 40% do orçamento do país para pagar juros e amortização da dívida pública que já foi paga várias vezes; injustiça tributária (proporcionalmente os pobres pagam muito mais impostos do que os ricos); imposto irrisório sobre herança; falta de taxação justa das fortunas; desmonte do Estado brasileiro com privatizações que são tremendamente danosas ao povo e encarecem o custo de vida; asfixia do SUS e da agricultura familiar; falta de reforma agrária; invasão dos territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais; a política genocida do inominável antipresidente que estica e aprofunda a pandemia matando de forma orquestrada mais de 520 mil irmãos e irmãs nossos/as, deixando milhões com sequelas graves e piorando de forma brutal a crise econômica que recai como um fardo insuportável, principalmente nas costas da classe trabalhadora; redução do valor real do salário mínimo e das aposentadorias; salário mínimo de apenas R$1100,00, enquanto o preço da cesta básica está em R$600,00, segundo o DIEESE[3]; Extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), em fevereiro de 2019, por Bolsonaro, entre outros fatores. Tudo isso tece relações sociais que estão fazendo a fome se alastrar de forma vertiginosa, pois aumentam em progressão geométrica a injustiça social e reproduz cotidianamente uma das maiores desigualdades sociais do mundo.

No meio do fogo do latifúndio, o capitalismo - atualmente mundializado e em crise estrutural desde a década de 1970 -, ao avançar sobre os territórios, expropriando os camponeses,  tem transformado o Brasil em imensas pastagens e imensas monoculturas de cana, de eucalipto, de café, de capim etc. Agronegócio não produz alimento; produz, sim, commodities, que são mercadorias primárias para exportação, exportadas com isenção de Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM). Agronegócio produz, sim, desertificação de territórios, violência no campo, desmatamento, envenenamento da terra, dos cursos de água, do ar e epidemia de câncer, alzheimer e várias doenças que se multiplicam no meio do povo pelo exagero de agrotóxicos que aumentam a quantidade do que é produzido, mas com péssima qualidade sanitária. Muitos insistem em manter grande parte do povo brasileiro como rebanho a ser tocado como gado, conforme diz a música Vida de gado, de Zé Ramalho: “Eh, ôô, vida de gado / Povo marcado, ê”.  Ainda em 1989, o sociólogo José de Souza Martins atestava: “Os pobres da terra, durante séculos excluídos, marginalizados e dominados, têm caminhado em silêncio e depressa no chão dessa longa noite de humilhação e proclamam, no gesto da luta, da resistência, da ruptura, da desobediência, sua nova condição, seu caminho sem volta, sua presença maltrapilha, mas digna, na cena da História” (MARTINS, 1989, p. 12-13).

Ano a ano, no planeta Terra, nossa única Casa Comum, o ser humano e toda a biodiversidade estão em perigo crescente de um apocalipse provocado pelo capitalismo com seu atual modo de produção devastador socioambientalmente em progressão geométrica. Em sua etapa monopolista, o capitalismo no campo com seus complexos industriais de produção agropecuária tem colocado questões inéditas e desafiadoras para a luta pela terra, pois “esse processo contínuo de industrialização do campo traz na sua esteira transformações nas relações de produção na agricultura, e, consequentemente, redefine toda a estrutura socioeconômica e política no campo” (OLIVEIRA, 2007, p. 8). O futuro da humanidade e de todas as espécies vivas está ameaçado como nunca esteve. Como uma cruel máquina de destruir vidas humanas e ecológicas, nos 521 anos de colonização do nosso país, contando o período da acumulação primitiva, o capitalismo está se mostrando cada vez mais feroz e destruidor, atualmente em forma de imperialismo global hegemônico capitaneado pelos Estados Unidos e pelas empresas transnacionais.

Convivendo com o povo simples, oprimido e superexplorado, Jesus Cristo alia a solidariedade libertadora à luta pela justiça profunda. Jesus aprendeu, colocou em prática e ensinou a pedagogia da partilha dos pães de forma tão enfática que as primeiras comunidades cristas narraram seis vezes nos quatro evangelhos da Bíblia (Jo 6,1-15; Mt 14,13-21; Mt 15,32-38; Mc 6,32-44; Mc 8,1-10; Lc 9,10-17), pedagogia que envolve uma série de passos articulados e interdependentes: 1º) Jesus “atravessa para a outra margem” (Jo 6,1), ou seja, vai para o meio dos “estranhos”, considerados impuros e hereges. O Galileu se coloca no meio do povo faminto. Ouçamos o povo sofrido com seus clamores!; 2º) Vê a realidade nua e crua a partir dos empobrecidos. Coloquemo-nos no lugar social dos famintos! “Sente aí e escute o povo”, diz Lúcia, defensora dos Direitos Humanos, em reunião com o povo em situação de rua, no Filme Anel de Tucum; 3º) Comove-se com a dor do povo sofrido. Tenhamos empatia!; 4º) Provoca a todos/as para a buscar solução para o grave problema social, fruto de injustiça social: a fome. Vocês é que têm de lhes dar de comer” (Mt 14,16; Mc 6,37).; 5º) Discerne junto com o povo faminto qual projeto pode ser o caminho da superação da fome; 6º) Excluí a postura de quem queria se esquivar da responsabilidade diante do problema - “despede as multidões para elas irem ...” (Mt 14,15) - e o projeto de mercado apresentado por discípulo Filipe: “comprar pão para ...” (Jo 6,7; Mc 6,37). A idolatria do mercado é a causa da fome e jamais será a solução; 7º) Acolhe o projeto socialista, de partilha – humano - apresentado pelo discípulo André: “Eis uma criança com cinco pães e dois peixinhos” (Jo 6,9). “Temos só sete pães e alguns peixinhos” (Mt 15,34, Mc 8,5); 8º) Propõe organizar o povo em grupos de 5, de 10, de 50, de 100 etc; 9º) “Diga ao povo para se assentar na terra” (Mc 8,6), não no sofá e nem só diante da internet. Ou seja, a solução da fome passa necessariamente pela partilha, democratização e socialização da terra, que é reforma agrária e resgate, identificação e titulação de todos os territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais; 10º) Abençoa os pães e os peixes, ou seja, cultiva a espiritualidade e a mística que envolve nossa vida e toda a realidade; 11º) Conta com lideranças no meio do povo para “repartir o pão!”; 12º) Propõe que seja recolhido o que está sobrando: “recolham o que sobrar”.

Assumir radicalmente o projeto transformador e libertador de Jesus de Nazaré: eis a tarefa que temos que fazer, com urgência.

Referências.

MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC, 1989.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf

 29/06/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - 16ª Live: A FOME VOLTOU ... QUE FAZER? – Mov. Inter-Religioso do Vale do Aço, MG, 27/6/2021

2 - "Corpus Christi" e os corpos do povo sendo violentados: e nós? , com frei Gilvander

3 - Live - DECISÃO DO STF CONTRA DESPEJOS NA PANDEMIA: análise de seus benefícios e limites - 05/6/2021.

4 - Live - A luta por MORADIA no Brasil: todo despejo é cruel e desumano, na pandemia, pior e inadmissível.

5 - Luta contra a mineração em Minas Gerais e na Amazônia e os territórios indígenas

6 - Estenda a mão a quem passa fome na Ocupação Rosa Leão, em Belo Horizonte, MG. Seja solidário/a!

7 - MLB ocupa Carrefour em Belo Horizonte: Por "Natal sem fome", contra racismo. Fora, fascista!22/12/20



 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Fonte: Poema “Quem tem fome tem pressa”, no site http://gilvander.org.br/site/%ef%bb%bfpoema-quem-tem-fome-tem-pressa/

[3] Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Ir às ruas para salvar 1,5 milhão de pessoas. Por Frei Gilvander

 Ir às ruas para salvar 1,5 milhão de pessoas. Por Frei Gilvander Moreira[1]


O dia 19 de junho de 2021 provavelmente entrará para a história como um dia histórico, por dois motivos: a) o dia em que no Brasil ultrapassou 500 mil mortos[2] durante a pandemia da covid-19, mortos não apenas pelo coronavírus, mas, principalmente, pela política genocida, política de morte, planejada e coordenada pelo desgoverno federal do inominável antipresidente; b) o dia que cerca de um milhão de pessoas foram às ruas em 420 cidades no Brasil e em dezenas de cidades no exterior gritar por “Fora, Bolsonaro”, “Vacina, já!” e “Auxílio Emergencial justo e digno, de pelo menos R$600,00”. Duplicou-se o número de pessoas na luta nas ruas e também o número de cidades em relação às manifestações de 29 de maio último. Iniciou-se o dia 19 de junho com a notícia de que o Brasil tinha ultrapassado os 500 mil mortos, vítimas da política genocida em curso no país. Ao entardecer do mesmo dia, se vê a imagem de 500 mil pessoas na Avenida Paulista em São Paulo lutando em defesa da vida, da democracia e por todos os direitos.  



Todos com máscara, álcool em gel, distanciamento, muita criatividade, com muito amor, ao som dos tambores, com inúmeras mensagens estampadas em cartazes, faixas e banners, com uma energia revolucionária contagiante! O povo, de crianças a idosos, mas com destaque para a juventude e as mulheres, deu mais uma vez o recado em alto e bom som. Destaco algumas das centenas de gritos ecoados nas ruas no último sábado. Por exemplo, uma vovó, em João Pessoa, cantou: “Eu vou, eu vou rezar, vou rezar o meu rosário para que Nossa Senhora bote fora Bolsonaro.”; “Se o povo protesta em meio a uma pandemia, é porque o governo é mais perigoso que o vírus.”; “Eu te responsabilizo, Bolsonaro!”; “MAIS amor, vacina e ciência e MENOS ódio, negacionismo e Bolsonaros.”; “Queremos vacina no braço, comida no prato e Fora, Bolsonaro!”; “Não tem vacina, mas tem chacina. Em memória dos 29 do Jacarezinho.”; “Nem tiro, nem fome e nem covid. Fora, Bolsonaro!”; “Vacina salva vidas, Amazônia salva o Planeta”; “Com Bolsonaro no poder, as mortes só aumentam.”; “Não estão todos, faltam 500 mil vidas.”; “Nem tiro, nem vírus, nem fome: a CPI tem que acabar em impeachment.”; “Pela Vida! Pela Vacina! Fora, BolsonaroFora, Governo Genocida!”; “Vida, Pão, Vacina e Educação! Fora, Genocida!”; “A Ciência e a Educação salvam. Bozo mata!”; “Fora, Bolsonaro! Chega de mortes! Vacina, já!”; “Chega de genocídio, fome e desemprego!”; “Vacina para todos, já!” “Luto(a) pelas 500 mil vidas perdidas. Basta! Chega! Vacina e responsabilização, já, de Jair Bolsonaro, na CPI e no STF!”.



Marcante também foi a articulação dos Movimentos Sociais Populares e outras forças vivas da sociedade que, em mutirão estabeleceram redes e transmitiram ao vivo os Atos Públicos, as Marchas e as manifestações que ocorreram em 420 cidades. O “Jornal A Verdade” e a “TV Resistência Contemporânea”, por exemplo, fizeram cobertura ao vivo durante quase dez horas, com centenas de lideranças entrando ao vivo e mostrando os Atos por todo o Brasil, via celular configurado em Rotação Automática e usado na posição horizontal (deitado). Militantes do Mídia Ninja, Jornalistas Livres, TV 247 etc divulgaram ao vivo muitos flashes das manifestações ao longo do dia. Marcante também foi a participação de centenas de cidades do interior mostrando que é possível e necessário que aconteçam Atos Públicos em todas as 5.568 cidades brasileiras nos próximos “Fora, Bolsonaro!”. Canindé, no Ceará, e Ibirubá, no Rio Grande do Sul, por exemplo, deram o exemplo a ser seguido. Nestas duas cidades do interior, dezenas de pessoas em um ponto simbólico da cidade, com uma série de cartazes e várias faixas, entoaram vários gritos de luta por “Fora, Bolsonaro!” e por direitos. Gravaram vídeos e divulgaram. O exemplo de luta do povo de Canindé e Ibirubá precisa ser seguido pelas forças vivas de todas as cidades do país. As lutas precisam passar a ser quinzenais, semanais e diárias. Bolsonaro e seu desgoverno parecem invencíveis, mas são vencíveis, pois são opressores recheados de mentiras, violência e contradições. Por isso, “têm pés de barro”.



Em todas as lutas por direitos o povo corre risco: repressão da PM, risco de ter que enfrentar fascistas, risco de algum incidente etc. Lutar tem risco, mas o maior risco hoje é não lutar pela superação dos desmandos na política brasileira. A política genocida está se reproduzindo cotidianamente. Estamos já no início da terceira onda da política genocida, nos alertam os infectologistas. Os números são assustadores. De 2 mil a 2.500 mortos por dia; quase 5 mil em dois dias; dez mil em 4 dias; 20 mil em uma semana; 80 mil por mês. 160 mil em dois meses. Se continuarmos assim, até as próximas eleições em 2022 poderemos ter cerca de 2 milhões de mortos. Portanto, ir às ruas e realizar lutas populares cada vez mais massivas em todas as periferias, cantos e recantos, se tornou o caminho necessário, justo e urgente a ser trilhado para impedirmos que mais 1,5 milhão de pessoas sejam mortas nos próximos 1,5 ano. Com Bolsonaro e seu desgoverno no poder, só aumenta o número de mortos e a devastação dos biomas: Amazônia, Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pampas etc. Ninguém tem o direito de se omitir, pois omissão significa cumplicidade com a política de morte e de violência que campeia no Brasil.

Evangélicos e católicos contra o fascismo, na luta pela democracia e por todos os direitos sociais, foram às ruas com a mensagem bíblica que diz: “Javé – Deus solidário e libertador – disse a Moisés: “Por que clamas a mim? Diga ao povo que marche!” (Êxodo 14,15). Esta passagem bíblica faz referência ao momento em que o povo, após uns 500 anos de superexploração pelo imperialismo dos faraós no Egito, está unido, organizado e irmanado para fugir da “casa da escravidão” – o Egito. O povo está encurralado: na frente o Mar Vermelho; atrás, a tropa de choque das forças repressivas e milicianas do faraó. Muita gente orando e pedindo a Deus para livrá-las da morte, como muita gente que ora hoje pedindo a Deus que acabe com a “pandemia”. Moisés, um dos líderes do movimento popular religioso de libertação, ao lado das mulheres parteiras – Séfora e Fua -, de Miriã e outras, transmite ao povo o que o Deus da vida pede: “Dê um passo à frente! Marche!” Irmanados/as, de cabeça erguida, superando o medo e o encurralamento, o povo, em luta libertária, deu um passo à frente e o mar Vermelho se abriu. Assim, o povo escravizado passou “a pé enxuto” e o exército de faraó afogou-se nas águas do mar Vermelho. No episódio da partilha dos pães, narrado seis vezes nos quatro evangelhos da Bíblia, diante dos que se esquivavam da responsabilidade em solucionar o problema da fome e das injustiças, Jesus Cristo também mostrou o caminho a ser seguido: “Vocês é que têm de lhes dar de comer” (Mateus 14,16). Enfim, “felizes os/as que constroem a paz” (Mateus 5,9), fruto da justiça social, agrária, urbana e ambiental, o que passa necessariamente pelo resgate da democracia, o que exige “Fora, Bolsonaro!”.

23/06/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Atos “Fora, Bolsonaro!” com mais de 1 milhão de pessoas em mais de 400 cidades no Brasil– 19/06/2021

2 - Ato “Fora, Bolsonaro!” Belo Horizonte, MG – 19/6/2021 - “POVO NA RUA: FORA, BOLSONARO!”

3 - COBERTURA ESPECIAL DO JORNAL A VERDADE DAS MANIFESTAÇÕES #19JFORABOLSONARO

4 - AO VIVO. Semana de protestos no Brasil começa com os Povos Indígenas em Brasília.

5 - Atos “Fora, Bolsonaro!”: BH, Recife, Juiz de Fora, Dublin/Irlanda e outras cidades – 19/6/2021



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Esse é o número oficial. Há pesquisas que indicam que o número de mortos por covid-19 no Brasil possa estar sendo 20% acima dos números divulgados, pois, segundo Pesquisa de uma Universidade dos Estados Unidos sobre mortos no Brasil em 2019 morreram 50 mil pessoas e em 2020 morreram 150 mil pessoas por Síndrome respiratória aguda, o que pode ser por covid-19 não diagnosticado. Logo, é possível que em 2020 tenha tido 100 mil mortos por covid-19 não caracterizados em atestado de óbito. E nos primeiros seis meses de 2021?

terça-feira, 15 de junho de 2021

Analfabeto político é cúmplice do genocídio. Por Frei Gilvander

 Analfabeto político é cúmplice do genocídio. Por Frei Gilvander Moreira[1]


Felizes os que constroem a paz, pois serão chamados filhos de Deus” (Mateus 5,9), bradou Jesus Cristo no Discurso da Montanha, na Palestina, colônia com povo escravizado e explorado pelo Imperialismo Romano. Vivemos em uma Casa Comum, onde tudo está interconectado com tudo. Sendo assim, não há espaço para neutralidade e omissão, pois toda “postura neutra e de omissão” se torna, na prática, cumplicidade. Todo analfabeto político, que elege os piores políticos, não é apenas omisso diante das injustiças que os podres políticos causam ao não governar para o bem comum, mas para privilegiar aliados da classe dominante. Vejamos alguns exemplos!

Na Zona da Mata Mineira, na cidade de Tombos, MG, que tem oito mil habitantes, em tempos de pandemia da covid-19, já com 21 pessoas mortas, o prefeito Tiago Pedrosa Lazarone Dalpério (PP – Partido Progressista), assinou o Decreto Municipal N° 125/2021, de 20 de maio de 2021, desapropriando um terreno de propriedade da Associação dos Pequenos Agricultores e Trabalhadores Rurais de Tombos (APAT), terreno vendido para oito famílias que adquiriram lotes, onde algumas estão construindo, outras já estão residindo, além de ter ali uma plantação com diversas hortaliças, mandioca e abóbora que ajudam nas finanças de uma família que faz uso da terra desenvolvendo atividade de Agricultura Familiar. Agora todos foram pegos de surpresa pelo Decreto de desapropriação dos terrenos das oito famílias. O motivo aparente apresentado pelo prefeito, ao desapropriar, é que precisa do terreno de 4.600 metros quadrados (quase ½ hectare, ½ campo de futebol) para fazer um canil, “um centro de zoonose para cães”. Entretanto, é de conhecimento de todos/as que a Prefeitura de Tombos dispõe de vários terrenos, alguns em situação de abandono, onde pode ser construído um canil sem nenhum custo com indenização, para cuidar dos animais que não têm culpa por essa atitude injusta e perseguidora contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais. O terreno e as construções das oito famílias valem mais de um milhão de reais. No entanto, no decreto do prefeito foi avaliado em apenas 80 mil reais, ou seja, menos de 7% do valor real. Além do valor econômico das oito pequenas propriedades, há valor de memórias de anos de luta, dignidade e respeito ao povo Tombense, tudo isso sendo violado e pisado nesta decisão absurda do prefeito.

Em Sete Lagoas, MG, com 242 mil habitantes, já com mais de 540 mortos pelo genocídio coordenado pelo desgoverno federal, há um déficit habitacional acima de 15 mil moradias, uma tremenda desigualdade social na cidade. Em 17 maio de 2020, há mais de um ano, cerca de 200 famílias ocuparam um terreno da prefeitura de Sete Lagoas, terreno que estava abandonado há décadas, sem cumprir sua função social. O atual prefeito de Sete Lagoas, Duílio de Castro (do Partido Patriota), durante a campanha eleitoral, visitou a Ocupação Cidade de Deus e prometeu para as famílias que não iria requerer reintegração de posse, que iria regularizar fundiariamente a permanência das famílias na área ocupada. Fez isso para ganhar votos. Entretanto, na prática, o prefeito requereu judicialmente a reintegração de posse, alegando que “é área verde”, o que não é verdade. A juíza da Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Sete Lagoas, Wstânia Barbosa Gonçalves, determinou liminar de reintegração de posse, mandando a prefeitura arrumar abrigo provisório para as famílias. As famílias têm direito à moradia permanente e adequada e não apenas a “abrigo provisório”. A prefeitura de Sete Lagoas está fazendo vistas grossas com a invasão de áreas ambientais por famílias ricas. Para beneficiar famílias ricas, a prefeitura desafetou um terreno que era Área Ambiental para colocar como preferencialmente para habitação, ao lado do shopping, próximo da Serra Santa Helena. Esta gravíssima injustiça social acontece em Sete Lagoas, enquanto o prefeito já colocou à venda mais de 100 terrenos da prefeitura e já anunciou que pretende vender para uma construtora o terreno onde estão as 100 famílias da Ocupação Cidade de Deus. Poderíamos citar muitos outros exemplos de injustiças que estão sendo praticadas por prefeitos, governadores, antipresidente etc.

A CPI[2] da covid-19 no Senado Federal já concluiu que a política genocida do antipresidente e do desgoverno federal, com a cumplicidade de 70% dos deputados/as e senadores/as, parte do Supremo Tribunal Federal e parte da mídia, é responsável por mais de 400 mil mortes que poderiam ter sido evitadas, caso o (des)governo Federal tivesse comprado vacina para os 213 milhões de brasileiros/as, no final de 2020, e não tivesse implementado politica negacionista com falsos remédios e sempre desdenhando da ciência e das orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se de uma política para matar os mais enfraquecidos, uma eugenia não declarada. Pesquisas comprovam que o número de mortos pela covid-19 foi muito maior nos estados e municípios (des)governados por bolsonaristas (políticos do centrão, da direita e extrema direita). A todos esses dedicamos a profecia do profeta Isaías, que, com ira santa, exorta: “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos” (Isaías 10, 1-2).

Todos os/as eleitores/as têm responsabilidade sobre as ações políticas dos seus políticos eleitos. Óbvio que as lideranças, sejam elas religiosas ou não, a mídia e todos que influenciam o povo durante a campanha eleitoral são os primeiros e maiores (ir)responsáveis. Errar é humano, mas permanecer no erro é mais do que burrice, é se tornar cúmplice dos políticos opressores. E não basta arrepender por ter votado errado e chegar na próxima eleição votar em nomes diferentes, mas opressores como os anteriores. A história das eleições demonstra que os políticos do centrão, da direita e da extrema direita (PSL, NOVO, Democratas, Progressistas, PTB, PSD, PMDB, PL, PSDB, PSC, Podemos, PRTB, PMB etc) governam contra o povo, contra o meio ambiente e a favor dos grandes empresários e capitalistas. Os partidos e políticos de esquerda ou de centro-esquerda (UP, PCO, PSTU, PCB, PSOL, PT, PCdoB, PSB, REDE, PDT etc) não são perfeitos, mas implementam políticas sociais que são vitais para assegurar algum nível de respeito à dignidade humana e aos direitos sociais garantidos pela Constituição Federal. O fato é que voto não tem preço, tem consequências! “Somos seres políticos”, já dizia o filósofo Aristóteles. Ingenuidade dizer: “Sou apolítico. Não gosto de política. Sou neutro.” Errado dizer “todo político é corrupto”. Há, sim, uma minoria de políticos que são éticos e tentam governar para o bem comum. Todos nós fazemos Política o tempo todo. Política é como respiração. Sem respiração, morremos. Política refere-se ao exercício de alguma forma de poder, como nos ensina Bertold Brecht em “O Analfabeto Político”. A política, como vocação, é a mais nobre das atividades; como profissão, a mais vil.

A história da humanidade mostra muitos povos que foram seduzidos por “espinheiros” que, com mil artimanhas, acabaram sendo eleitos e exerceram o poder oprimindo, violentando e explorando o povo. Por exemplo, o imperador Nero se deleitava em jogos no Coliseu enquanto incendiava Roma, a capital do império; Benito Mussolini, eleito pelo povo, se tornou o criador do fascismo e um ditador; Adolf Hitler, também aclamado pelo povo diante do seu populismo, se tornou nazista contumaz e mandou matar em campos de concentração milhões de judeus, comunistas, ciganos, homossexuais etc. A história mostra também que todos os ‘espinheiros’ eleitos usam e abusam do nome de Deus e dizem defender os “valores da família”, mas na prática colocam “a morte acima de tudo” e arrasam com as famílias e todo o povo de mil formas. 



Atribuído a Bertolt Brecht, o texto “O Analfabeto Político” mostra as consequências que o analfabeto político causa: "O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio dos exploradores do povo.” Nascem também os políticos fascistas e genocidas. Por isso, os analfabetos políticos são cúmplices das políticas genocidas em curso no Brasil. Convertam-se antes que seja tarde demais!

15/06/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Live-denúncia: Prefeito de Tombos, MG, desapropria 8 famílias para fazer canil. Despejar famílias para abrigar cães? - 12/6/2021

2 - Visão panorâmica da área de 8 famílias da APAT desapropriadas pelo prefeito de Tombos, MG: injustiça que clama aos céus – 10/6/2021.

3 - Injustiça! Prefeito de Tombos, MG, Tiago Dalpério (PP), desapropriou 8 famílias p/ fazer um canil

4 - Povo da Ocupação Cidade de Deus, de Sete Lagoas, MG, marcha na luta contra despejo: Diocese e Câmara Federal pedem suspensão do despejo – 25/5/2021

5 - Três mulheres de luta dizem: “O justo é NÃO DESPEJAR a Ocupação Cidade de Deus, de Sete Lagoas, MG” – 24/5/2021.

6 - Padre, mãe com 6 filhos e avó com câncer clamam para não serem despejados em Sete Lagoas/MG -23/5/21

7 - Plantão das Lutas direto de Sete Lagoas, MG, na Ocupação Cidade de Deus: “DESPEJO, NÃO!” – 20/5/2021

8 - Atos "Fora, Bolsonaro!, Vacina Já! E Auxílio Emergencial de 600,00, já!" - SÍNTESE de dezenas de cidades - 29/5/2021



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Comissão Parlamentar de Inquérito.

terça-feira, 8 de junho de 2021

Sabedoria libertadora de Jesus: e nós? Por Frei Gilvander

 Sabedoria libertadora de Jesus: e nós? Por Frei Gilvander Moreira[1]


Em contexto de deturpação da imagem verdadeira de Jesus Cristo privatizado e domesticado por certos tipos de movimentos religiosos (neo)pentecostais na linha da “teologia” da prosperidade, melhor dizendo, ideologia da prosperidade, faz-se necessário e imprescindível resgatarmos o Jesus histórico com sua sabedoria libertadora, o que poderá inspirar nossa postura ética no rumo da superação das gravíssimas injustiças e violências que campeiam no nosso país.

O que é sabedoria libertadora? É o conhecimento e a práxis que libertam, com sabor de vida, não é intelectualismo e nem erudição, muito menos tecnicismo. A sabedoria popular é sábia, mas, muitas vezes, ambígua e, às vezes, contraditória e pode estar contaminada pela ideologia dominante, que são ideias da elite, ideias particulares a partir do lugar social de dominação que são trombeteadas aos quatro ventos como se fossem ideias universais. Entretanto, são meios que carregam preconceitos, discriminações e escamoteiam as verdadeiras causas das injustiças sociais colocando os violentados como responsáveis últimos das violências que sofrem.

Jesus não nasceu sábio e pronto, mas, ao longo da sua curta vida, se tornou um sábio libertador, aprendeu muito com todos/as e com tudo. No ventre de Maria grávida de Jesus, Deus assume o humano. Por ser “filho de mulher” (Gal 4,4), Jesus aprendeu que o divino transcende o humano, mas está tão unido ao humano como “carne e unha”. Na carpintaria de José operário, homem justo, Jesus tomou consciência de ser da classe trabalhadora. Com Maria, sua mãe, e as mulheres da Galileia, Jesus aprendeu a não ser machista e nem patriarcal. Por isso, mesmo em contexto patriarcal que proibia homem entrar em casa onde só tivesse mulheres, Jesus entrou na casa de Marta e Maria e acolheu Maria como discípula e ainda corrigiu com fraternidade Marta, convidando-a a se desvencilhar das amarras do mundo privado e a participar como Maria da vida pública (Cf. Lc 10,38-42).

Em uma Sinagoga da periferia, na Galileia, Jesus aprendeu a ser porta-voz dos exilados e escravizados. Por isso, ao anunciar seu projeto de missão pública, Jesus propôs libertação integral, o que está descrito em Lc 4,16-21, inspirando-se nos servos sofredores da história e nos discípulos do grande profeta Isaías (Is 61,1-2). Em uma pequena e simples sinagoga, o jovem galileu, “movido pelo Espírito”, como toda pessoa humana, proclamou seu projeto de libertação integral. Jesus aprendeu que na missão libertadora se deve propor “ótima notícia para os pobres”, que é libertação econômica; “libertar os presos”, que é libertação política; “resgatar a visão” (Lc 4,18), que é libertação ideológica; “implantar o Ano da Graça” (Lc 4,19), que é Jubileu Bíblico, que significa reorganização geral da sociedade com devolução das terras para os seus antigos donos – os “ancestrais” -, perdão geral de dívidas do povo, ou seja, conquista de uma Terra sem males, uma sociedade do bem viver e conviver, em linguagem afrolatíndia de hoje.

Com o profeta João Batista, Jesus aprendeu a necessidade de lutar pela superação das desigualdades socioeconômicas. Com os zelotas, Jesus aprendeu que precisava combinar solidariedade com luta para conquistar a emancipação política do povo. Com os idosos, Jesus aprendeu a ler os sinais dos tempos. Assumindo a causa dos empobrecidos, Jesus aprendeu a fazer análise da conjuntura de forma crítica e criativa, o que está, por exemplo, em Lc 13,1-9, onde Jesus alerta para não aceitar ingenuamente o que é noticiado pela mídia e nem pela ideologia dominante.

Ao ver e sentir a exploração que o imperialismo romano causava, Jesus denunciou o governador Herodes (“uma raposa”, Lc 13,31-33), a tributação injusta (Lc 20,25), o aprisionamento em massa e por esta sabedoria, Jesus foi condenado à pena de morte pelo Estado em conluio com o sinédrio, poder religioso dominado por saduceus, que eram os grandes proprietários de terra da época. Com a mulher cananeia (Mt 15,21-28, sirofenícia, segundo Mc 7,24-30), Jesus se libertou do patriotismo e do “verde amarelismo” que excluíam. Com os que eram considerados impuros e hereges, Jesus aprendeu a ser subversivo. Por isso, apontou um samaritano como exemplo a ser seguido e “chutou o pau da barraca” ao expulsar os vendilhões do templo, os que lucravam usando e abusando do nome do Deus da vida. Com parte dos fariseus, Jesus aprendeu a contar parábolas, linguagem que o povo entendia e ficava com os olhos brilhando diante das descobertas desconcertantes e provocantes que Jesus suscitava com suas metáforas exemplares. Convivendo com o povo superexplorado, Jesus aprendeu que tinha que ser “pé no chão”, estar junto do povo, misturado, partilhando suas dores e alegrias. Jesus aprendeu que não podia tolerar a privatização do sistema de saúde nas mãos dos sacerdotes que cobravam para fazer ritos de purificação, após expulsar a maioria do povo para fora da cidade, taxando-os de impuros. Por isso, Jesus fazia os milagres gratuitamente em processos de solidariedade libertadora. Convivendo com o povo simples e oprimido, Jesus aprendeu a pedagogia da partilha dos pães (Cf. Jo 6,1-15; Mt 14,13-21; Mc 6,32-44; Lc 9,10-17) que desagua na abundância e envolve uma série de passos articulados e interdependentes: 1) Jesus está no meio do povo faminto convivendo; 2) Vê a realidade nua e crua a partir dos empobrecidos; 3) Comove-se com a dor do povo sofrido; 4) Provoca a todos/as para buscar solução para o grave problema social, fruto de injustiça social: a fome; 5) Discerne qual projeto pode ser o caminho da superação da fome; 6) Exclui a postura de quem queria se esquivar da responsabilidade diante do problema - “despede as multidões para elas irem ...” - e o projeto de mercado apresentado por Filipe: “comprar pão para ...”; 7) Acolhe o projeto socialista, de partilha – humano - apresentado pelo discípulo André: “Eis uma criança com cinco pães e dois peixes”; 8) Propõe organizar o povo em grupos de 5, de 10, de 50, de 100 etc; 9) Abençoa os pães e os peixes, ou seja, cultiva a espiritualidade e a mística que envolve nossa vida e toda a realidade; 10) Conta com lideranças no meio do povo para “repartir o pão!”; 11) Propõe que seja recolhido o que está sobrando: “recolham o que sobrar”. Eis a pedagogia libertadora e emancipatória de Jesus.

Jesus aprendeu que não pode viver conciliando com podres instituições. Descobriu que só solidariedade não transforma relações sociais opressoras. Jesus aprendeu que é preciso lutar por justiça profunda. Jesus aprendeu a “sabedoria da luz, do sal e do fermento”. Mesmo pouca e pequena, a luz escorraça as trevas, pois incomoda muito os “filhos das trevas”. Em quantidade ínfima, o sal, aparentemente frágil, incomoda “o arroz, o feijão, a carne e é imprescindível ao cozinhar”. O fermento, mesmo sendo pouco, incomoda a massa e, por isso, a faz crescer.

Jesus aprendeu a acreditar no humano, pois via nas pessoas sofredoras não um poço de miséria, mas uma infinita força e luz interior, o que é manifestado pela exclamação de Jesus, repetida sempre: “Tua fé te salvou”, ou seja, postura existencial de cabeça erguida, amor no coração e utopia no olhar: o paralisado que “dá um salto”, o cegado que “quer ver” e não se contentar em ficar recebendo migalhas etc.

Ao perguntarmos aos quatro evangelhos da Bíblia qual é a característica primordial de Jesus Cristo enfatizada em cada evangelho, o Evangelho de Marcos revela Jesus priorizando a luta pela superação da opressão política; o Evangelho de Lucas revela um Jesus indignado diante da opressão econômica; o Evangelho de Mateus mostra Jesus lendo a história na ótica dos oprimidos sob o crivo da misericórdia e não do sacrifício; o Evangelho de João mostra Jesus apontando o poder religioso como opressor. Jesus é como o “vinho novo” que torna a vida uma festa sem fim. Por outro lado, o 4º evangelista mostra a institucionalidade religiosa enrijecida e opressora. Enfim, Jesus aprendeu uma sabedoria libertadora. Nós também podemos assimilar o que liberta e nos desvencilhar de tudo o que nos desumaniza. Com a sabedoria libertadora de Jesus, que está em sintonia com a sabedoria dos povos indígenas e dos povos tradicionais, podemos e precisamos ser “luz no mundo”, “sal da terra” e “fermento na massa”. 

08/06/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Sabedoria libertadora de Jesus: e nós? - CEBI do Vale do Aço, MG. Por Frei Gilvander - 06/6/2021

2 - Frei Carlos Mesters: Explicando a Bíblia a partir da vida do povo | Quadro: Fé na periferia do mundo

3 - Em Jesus, Deus vem até nós - Frei Carlos Mesters - 09/5/2020

4 - A mensagem de Jesus é feita para os pobres - Palavras de Fé, com frei Gilvander - 18/3/2021

5 - Dimensão social do Evangelho de Jesus e o lugar social do CEBI: LUTA POR JUSTIÇA. Por Frei Gilvander





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Do luto à luta, nas ruas! Por Frei Gilvander

  Do luto à luta, nas ruas! Por Frei Gilvander Moreira[1]

Fotos das Manifestações Populares de 29/5/2021 no Brasil. Divulgação / Rede virtual

O dia 29 de maio de 2021 provavelmente entrará para a história como o dia do início de uma nova onda de lutas populares massivas no Brasil por vários direitos, entre os quais, “Fora, Bolsonaro!”, “Vacina, já!” e “Auxílio Emergencial de R$600,00”. Houve atos públicos, marchas e manifestações em 213 cidades no Brasil e em 14 cidades no exterior. Grande parte da mídia, Jornais O Globo e Estadão, por exemplo, não mostraram a força e o tamanho das manifestações. Postura irresponsável e cúmplice do fascismo e do genocídio no nosso país, que ignora a realidade e tenta negar os fatos, mas a imprensa internacional e os veículos da microcomunicação noticiaram a grandeza e a força das manifestações.



Com precauções sanitárias, usando máscaras e tentando manter o distanciamento social e corporal, centenas de milhares de brasileiras e brasileiros – mais de 400 mil - foram às ruas protestar contra o desgoverno federal genocida e cúmplice da morte de mais de 470 mil pessoas, não apenas vítimas da pandemia da covid-19, mas principalmente da política genocida em curso no país. Com muita criatividade, ao som dos tambores, com inúmeras mensagens estampadas em cartazes, faixas e banners, com uma energia contagiante, o povo deu um recado em alto e bom som: “Basta de genocídio! Basta da falta de vacina! Basta de miséria e fome! Basta de violência social e de cortes de direitos!”. São eloquentes e emblemáticas as mensagens empunhadas por pessoas lutadoras em faixas, cartazes, banners etc. Eis uma série delas: Crianças levantaram cartazes com a inscrição: “Minha professora já devia estar vacinada”; Uma vovó, em João Pessoa, cantou: “Eu vou, eu vou rezar, vou rezar o meu rosário para que Nossa Senhora bote fora Bolsonaro.”; Outras crianças, com cartazes: “Balbúrdia é querer me dar armas e tirar livros.”; Outra vovó segurava uma bandeira do Brasil e o cartaz: “Essa bandeira é nossa! Fora, milicianos!”; Um jovem marchou empurrando uma cadeira de rodas com um boneco dentro de um saco preto, com a inscrição: “Eu trouxe meu pai. Ele havia votado em você, Bolsonaro.”; “Cemitérios cheios, geladeiras vazias. Governo ruim não salva vidas nem a economia.”; “Se o povo protesta em meio a uma pandemia, é porque o governo é mais perigoso que o vírus.”; “Eu te responsabilizo, Bolsonaro!”; “Se estamos nas ruas, é porque o Governo se tornou mais perigoso do que o vírus.”; “Bolsonaro, genocida e inimigo da educação!”; “MAIS amor, vacina e ciência e MENOS ódio, negacionismo e Bolsonaros.”; “Fora, Bolsonaro! Basta de genocídio negro!”; “Em defesa da educação e do meio ambiente, Fora, Bolsonaro!”; o) “Nas terra de Zumbi, genocida não se cria. Fora, Bolsonaro!”; “Queremos vacina no braço, comida no prato e Fora, Bolsonaro!”; “Não tem vacina, mas tem chacina. Em memória dos 29 do Jacarezinho.”; “Nem tiro, nem fome e nem covid. Fora, Bolsonaro!”; “Vacina salva vidas, Amazônia salva o Planeta”; “Com Bolsonaro no poder, as mortes só aumentam.”; “Não estão todos, faltam 459 mil vidas.”; “Nem tiro, nem vírus, nem fome: a CPI tem que acabar em impeachment.”; “Pela Vida! Pela Vacina! Fora, BolsonaroFora, Governo Genocida!”; “Vida, Pão, Vacina e Educação! Fora, Genocida!”; “A Ciência e a Educação salvam. Bozo mata!”; “Onze ofertas ignoradas para salvar vidas!”; “Nem tiro, nem cadeia, nem covid, nem fome. Fora, genocida!”; “Fora, Bolsonaro! Chega de mortes! Vacina, já!”; “Pela Educação, Fora, Bolsonaro e Mourão!”; “Em defesa da vida, do emprego e da terra!”; “Auxílio emergencial de R$600, já!”; “Chega de genocídio, fome e desemprego!”; “Vacina para todos, já!”; Não é mole não, tem dinheiro pra milícia, mas não tem vacinação!”. O bispo Dom Vicente Ferreira divulgou no twitter: “#ForaBolsonaro sendo gritado em mais de 180 cidades. Nas ruas do Brasil e do mundo. Vacina já! Auxílio emergencial justo e digno! Não dá mais para tolerarmos esse genocida. Se o povo corre risco de contrair COVID nas manifestações, é porque o vírus do desgoverno é mais perigoso.”; Não dá para citar todas as frases emblemáticas carregadas e ecoadas por mais de 400 mil pessoas nas ruas do Brasil dia 29 de maio último.



A Polícia Militar do Pernambuco deixou de agir segundo a Constituição federal e, com postura fascista, reprimiu violentamente a manifestação pacífica em Recife, atirando indiscriminadamente balas de borracha nos manifestantes e jogando bombas de gás lacrimogênio. Duas pessoas levaram tiro nos olhos e provavelmente ficarão cegadas. A vereadora Liane Cirne (PT), com mais de 25 anos como professora no curso de Direito, inclusive para centenas de policiais, mesmo mostrando a carteira de vereadora, recebeu gás lacrimogênio no rosto em uma ação truculenta e ilegal dos policiais. A vereadora só pedia para eles pararem de atirar bombas no povo.

Esse ato corajoso e sensato de milhares de pessoas ocuparem as ruas em plena pandemia é demonstração clara do limite a que chegou o povo brasileiro. Não dá mais para suportar as injustiças e o sofrimento impostos. Para quem defende a vida, para quem luta pelo respeito à dignidade da pessoa humana e de toda a criação, lutar contra o genocídio é também um serviço essencial e necessário. Bolsonaro minimizou o impacto da pandemia. Recusou várias ofertas de vacina (ofertas comprovadas pela CPI) que teriam poupado milhares de vidas. Colocou um general despreparado no Ministério da Saúde. Defendeu o uso da cloroquina e do tratamento precoce. Debochou do uso de máscara e foi à Justiça contra o isolamento social.

Lutar tem risco, mas o maior risco hoje é não lutar pela superação dos desmandos na política brasileira. A política genocida está se reproduzindo cotidianamente. De 2 mil a 2.500 mortos por dia; quase 5 mil em dois dias; dez mil em 4 dias; 20 mil em uma semana; 80 mil por mês. Se continuarmos assim, até as próximas eleições em 2022 poderemos ter cerca de 2 milhões de mortos. Como nos resguardar dizendo que não quereremos novos mártires se o martírio está sendo o cotidiano do povo negro, do povo indígena, de mulheres e de toda classe superexplorada deste país? Como honrar os milhares de mártires da pandemia da Covid-19, resultado do descaso com a saúde pública que o desgoverno Bolsonaro e a necropolítica agravam cotidianamente? E quem mais está morrendo?

Em uma sociedade desigual, os omissos não são apenas omissos, são cúmplices e coniventes com os sistemas opressivos. Quem fica na inação “esperando o momento propício, sem riscos”, pela omissão, faz a pior “ação”: torna-se cúmplice da reprodução da violência. É grande ilusão pensar que é possível lutar por direitos sem correr riscos. Impossível conquistar a superação do sistema de morte sem lutas arriscadas. Sem lutas massivas e arrojadas não acontecerá a superação do autoritarismo e de todas as violências estruturais. Só posturas institucionais serão sempre tímidas e paliativas. O fascismo e o nazismo cresceram na Europa graças também a posturas conciliadoras de partidos e movimentos sociais que ficavam com excesso de cautela. Manter todas as precauções para não se contaminar com o novo coronavírus, sim, é necessário, mas jamais deixar de lutar por todos os direitos com organização e afinco. Enfim, sem lutas massivas e arrojadas nas ruas e em todos os cantos e recantos, nas periferias e na floresta, quem continuará sendo martirizado é o povão, a mãe Terra, os biomas e toda a biodiversidade.

Margarida Alves, martirizada a mando de latifundiários da monocultura da cana de açúcar, dizia sempre: “É melhor morrer na luta do que morrer de fome”. O sangue de George Floyd, de João Pedro, do menino Miguel, dos milhares de brasileiros/as que estão sendo mortos de mil formas pela necropolítica reinante precisa continuar circulando nas nossas artérias, suas vozes devem se expressar agora e sempre por meio daquelas e daqueles que se comprometem com as lutas pela superação do sistema do capital. Observando todas as medidas de segurança para evitar o contágio do novo coronavírus, o povo deve, sim, seguir se manifestando com coragem e compromisso até depois de conseguir a derrubada deste desgoverno genocida e a implementação de outro governo justo economicamente, democrático politicamente, solidário socialmente, responsável ambientalmente e respeitador da diversidade cultural presente no nosso país. Inibir lutas necessárias é um grave erro político. Enquanto houver opressão e repressão haverá luta!

04/06/2021

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Atos "Fora, Bolsonaro!, Vacina Já! Auxílio Emergencial de 600,00, já!"-SÍNTESE de n cidades-29/5/21

2 - Ato por "FORA, Bolsonaro!", em Belo Horizonte, MG, 29/5/21: BASTA DE GENOCÍDIO E DESTRUÍÇÃO, BSA, GO

3 - MULTIDÃO NAS RUAS DE SÃO PAULO EXIGE VACINAS E IMPEACHMENT | #ForaBolsonaro

4 - "Mídia repete Diretas Já sem noticiar atos Fora Bolsonaro"

5 - Goiânia - 29M Fora Bolsonaro



 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III