terça-feira, 17 de maio de 2022

Na luta pela terra se aprende muito e o melhor. Por Frei Gilvander

Na luta pela terra se aprende muito e o melhor. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Crianças estão presentes no MST desde o primeiro acampamento, em 1985.
Foto: Juliana Adriano

Enquanto pesquisávamos sobre a luta pela terra como pedagogia de emancipação humana, no Acampamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, Baixo Jequitinhonha, MG, em roda de conversa, dia 22 de setembro de 2014, levantamos uma pergunta relativa à aprendizagem: Desde a preparação para Ocupação e nos quase nove anos de Acampamento Dom Luciano, o que vocês aprenderam em quase nove anos de luta pela terra? O Sem Terra Getúlio Lopes do Nascimento disse: “Aqui na comunidade, eu aprendi a conviver. Antes lutei muito, mas sozinho só para beneficiar o patrão, mas aqui no Acampamento Dom Luciano aprendi o conhecimento com outros companheiros”. Aldemir Silva Pinto, outro camponês Sem Terra acampado pediu a palavra e relatou: “Aprendi muitas coisas. Aprendi a conversar. Eu não sabia nem conversar com as pessoas. Esse acampamento Dom Luciano é uma escola pra gente. Aprendi quais são nossos direitos. Antes, a gente não sabia de nada, só o patrão sabia. Com a nossa luta pela terra, eu posso sair daqui e ir lá em Belo Horizonte reivindicar nossos direitos. Hoje, eu falo em uma reunião sem tremer. Aprendemos muito com a luta do MST[2]. E muita gente aqui do Salto da Divisa, os ribeirinhos e os posseiros aprenderam os direitos deles com a nossa luta. Eles não sabiam que eles tinham direitos de resistir nas terras onde eram posseiros.”

A luta pela terra e/ou pela moradia irradia conhecimento em várias áreas, desperta o protagonismo que estava abafado em muitas pessoas e afeta positivamente quem está por perto. O Sem Terra Adriano Barbosa dos Santos narra com alegria que aprendeu muitas coisas: “Aprendi muitas coisas. Aprendi a ler e a escrever. Aprendi a trabalhar na enxada. Antes eu só mexia com cavalo e gado. Aprendi a conhecer os companheiros e a respeitar os direitos dos companheiros. Aprendi a lutar junto com os companheiros. Aprendi a bater pandeiro e a fazer farra. Aprendi a dançar. Aprendi a fazer cesto. Aprendi a conhecer uma cidade: Belo Horizonte, Brasília. Aprendi a chegar perto da Presidenta Dilma. Se eu não fosse Sem Terra, eu nunca iria chegar perto dela. Durante dez anos, eu trabalhei na cidade de Salto da Divisa como segurança da praça dia e noite. Ganhava pouco. Adoeci. Peguei depressão. Após eu adoecer, eles cortaram meu salário e me demitiram. Recuperei minha saúde e a alegria de viver aqui no acampamento na luta pela terra. Aprendi que na luta pela terra a gente melhora a saúde.”

Na luta pela terra, os camponeses e as camponesas Sem Terra aprendem juntos. A luta pela terra se torna uma escola de aprendizados emancipatórios. O Sem Terra Francelino Lopes do Nascimento, hoje, assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes os outros mencionados acima, com alegria, diz: “Eu aprendi muita coisa. Antes eu só trabalhava para os outros. Quem inventou que a gente tem que trabalhar para os outros e ser sempre explorado? Vim pra cá e junto com os companheiros, fiquei assuntando, observando os companheiros e fui aprendendo”. Na luta pela terra, os camponeses descobrem o senso de que todos são uma só família, superando a ideia de família nuclear. O Sem Terra Raimundo dos Santos complementa: “A primeira vez que plantei aqui perdi. Depois plantei mandioca e comprei um fogão. Aqui, em qualquer barraco que a gente entrar a gente come. Aprendi que nós somos uma só família”. Fazer memória da sua trajetória de libertação e emancipação também emancipa de alguma forma e desperta outros sem-terra para se engajarem na luta pela terra: “Agradeço a Deus toda hora. Agradeço ao primeiro acampamento que fiquei lá em Belmonte, na Bahia, mas esse aqui – o Acampamento Dom Luciano – é o melhor. Se eu não estivesse aqui, eu não teria conhecido Belo Horizonte, Brasília. Antes, eu vivia empregado. Quando saía de uma fazenda ia para outra. Na luta pela terra, aprendi a conviver com os companheiros. Aprendi a conversar mais um pouco. Coisa difícil é a gente ser mandado pelos outros. Aqui nenhum companheiro manda, mas o grupo manda após decidir em conjunto. Depois que o acampamento de Belmonte acabou, eu ouvi no rádio que aqui estava tendo um acampamento. Decidi vir pra cá. O rádio também ajudou”, me disse o Sem Terra Aulerino Lopes do Nascimento.

A agente de pastoral da Comissão Pastoral da Terra, (CPT) Irmã Geraldinha (Geralda Magela da Fonseca), feliz da vida, relata sua experiência de fé no meio da luta pela terra ao lado do povo camponês expropriado da terra e superexplorado: “Eu não tinha antes a certeza da graça de Deus no meio do povo. Aprendi que Deus e o evangelho estão aqui nos irmãos camponeses que lutam juntos pela terra, partilhando e convivendo fraternalmente. Aprendi que a luta nos ensina muito no dia a dia, cada um com seu jeito de ser e de agir. Se a gente não estivesse tendo esse movimento de união, não estaríamos conquistando nossos direitos. Tudo aqui é decidido em reunião. Muitas vezes, no início da reunião ninguém sabe o que fazer e nem como fazer, mas um fala uma coisa, outro dá outra ideia e devagarinho vão surgindo umas ideias boas. Cada dia estou aprendendo que vivendo sozinho e isolado ninguém é capaz, mas juntos nós somos capazes de vencer todos os obstáculos da nossa vida. Aqui   aprendemos a transformar as pedras, que são as perseguições, em pães, pois essa terra aqui, mesmo estando em cima de um grande lajedo, hoje está alimentando 43 famílias. Aprendemos a transformar os espinhos, que são as ameaças, em graça de Deus, em ressurreição, em indignação e combustível para a luta. Isso está muito forte dentro de mim.”

Entrevê-se no discurso da irmã Geraldinha a importância de um humanismo libertador. Acreditar no ser humano, cultivar amizade, discutir todos os problemas e, coletivamente, buscar as soluções para cada problema e cada injustiça. Isso reforça a marcha emancipatória. Curiosamente o protagonismo da luta pela terra em Salto da Divisa não tem sido dos jovens, que tiveram que migrar para cidades maiores por falta de terra, pela cumplicidade do Governo Federal com o latifúndio e com os latifundiários não libera a terra para o povo e pela falta de oportunidades. De fato, em Salto da Divisa, pais e mães, que nasceram e cresceram no campo, é que estão sendo protagonistas da luta pela terra. Uma jovem camponesa Sem Terra, Adenilza Soares Rodrigues, uma dos poucas jovens do Acampamento Dom Luciano, explica: “Aqui no Acampamento Dom Luciano Mendes, a liderança da luta não está sendo dos jovens. No início da ocupação havia muitos jovens, mas com a demora da conquista da terra tiveram que ir embora para cidades maiores por falta de oportunidades. Muitos jovens não querem ficar na roça por causa da falta de energia, de internet e por causa da vida com poucas oportunidades. Mas, além de querer resgatar o que tomaram de mim quando eu era criança, eu luto por um pedacinho de terra para meus filhos. Aqui no acampamento eu aprendi o que é ser revolucionária. A experiência que eu aprendi aqui aprendi com os mais idosos.”

Enfim, a luta pela terra e/ou pela moradia, em um Acampamento ou Ocupação se torna uma Escola que ensina muito e o melhor, de mil jeitos e de forma emancipatória.

17/5/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - “Nossa Mãe, nós e nossos filhos e netos viverão aqui no nosso Quilombo Araújo, Betim, MG”. Vídeo 4

2 - Basta de sexta-feira da Paixão em Betim, MG! Construamos Domingos de Ressurreição. Araújo! Vídeo 3

3 - Ato Público e Culto na Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG. Início/Vídeo 1

4 - Culto de Resistência n Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG. Luta! Vídeo 2

5 - "Se Medioli não respeita pobres e derruba suas casas, não pode mais ser prefeito de Betim/MG": Zélia

6 - “Em Betim/MG, prefeito Medioli faz guerra contra os pobres e destrói casas” (Adv. Dr. Ailton Matias)

7 - Na ALMG: “Da nossa Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG, só saímos mortos”

8 - Frei Gilvander, na ALMG: “Despejo Zero não só até 30/6/22, mas para sempre! Cadê a função social?”



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – www.mst.org.br  

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