domingo, 11 de dezembro de 2016

Povo indígena Aranã ressurgido: que beleza! Por frei Gilvander

Povo indígena Aranã ressurgido: que beleza!
Por frei Gilvander Luís Moreira

Li com alegria os manuscritos Educação, identidade e cidadania: uma leitura da ação política do povo ressurgido Aranã, de Vera Lúcia Soares de Araújo, freira, assessora do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – www.cebi.org.br ) e educadora. Texto fruto de dissertação de mestrado de Vera Lúcia em Educação na UNOESTE, em 2011. Texto que se tornou o livro ARAÚJO, Vera Lúcia Soares. A Sabedoria do Povo Aranã. Curitiba: Editora Appris, 2016.
Logo no início da leitura, recordei-me do livro O Renascer do Povo Tapirapé (1952-1954): diário das Irmãzinhas de Jesus, que trata do ressurgimento do povo Tapirapé, na Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Recordei-me também do padre João Bosco Burnier que, após o soldado Ezy, na porta de uma cadeia em Ribeirão Cascalheira, MT, dar um soco fortíssimo no rosto dele e descarregar também no seu rosto um golpe de revólver e, num segundo gesto fulminante, o tiro fatal, no crânio, agonizando em um automóvel pelas estradas esburacadas do Xingu, antes de morrer em Goiânia no dia 12 de outubro de 1976, padre João Bosco lamentou com saudade comovedora ao bispo Dom Pedro Casaldáliga: “Sinto não ter tomado nota do que os índios (Tapirapé) falaram...” Ainda bem que as Irmãzinhas de Jesus, que convivem com os povos Tapirapés, desde 1952, em seus diários registraram muita coisa da vida do povo Tapirapé, parte publicado no livro O Renascer do Povo Tapirapé. E que beleza humanizadora que Vera Lúcia Soares de Araújo pesquisou e escreveu sobre o ressurgimento/emergência do Povo Indígena Aranã, em Minas Gerais.
No Brasil, ao longo de 516 anos, sob o signo do capital, os detentores dos poderes político e econômico têm feito uma das maiores sextas-feiras da Paixão ao massacrarem e dizimarem milhões de parentes nossos: os povos indígenas autóctones, os primeiros e legítimos herdeiros da terra Brasil, mas domingos de ressurreição estão sendo gestados com o ressurgimento/emergência de muitos povos indígenas. Em 1980 foram catalogados 18 povos indígenas ressurgidos. Os mais de cem povos indígenas que habitavam o estado de Minas Gerais hoje estão resumidos a apenas onze povos - Xacriabá, Aranã, Maxacali, Xucuru-cariri, Pataxó Hahahae, Pury, Pancararu, Krenak, Mokurin, Araxá e Kaxixó – na luta pelas suas terras para que sejam resgatadas e demarcadas de forma integral.
Escrevendo a partir do Povo Indígena Aranã, com resgate histórico e pedagógico do caminho trilhado pelo Povo indígena Aranã na sua luta por reconhecimento e resgate de seus direitos, Vera Lúcia apresenta, em linguagem simples e clara, o processo de luta por cidadania do Povo Aranã. Vera se ancora em vários documentos que sustentam a gradativa conquista de cidadania do Povo Aranã, tal como uma carta enviada a um representante do Estado, na qual o Povo Aranã revela cabeça erguida na defesa de seus direitos: “Como é do vosso conhecimento, o Povo Aranã, originário dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, está reivindicando do Estado o seu reconhecimento étnico.”
Em 2002, por ter sido extorquido de suas terras e ser sem-terra o Povo Aranã, o Conselho Indígena Aranã exigiu do Instituto de Terras do Governo de Minas Gerais a vistoria da fazenda Estacado por ser essa presumivelmente terra devoluta, e, assim, exigiu a liberação daquela fazenda para o Povo Aranã restabelecer sua aldeia. O resgate da terra do Povo Aranã continua um desafio a ser conquistado.
Enche-nos de esperança ao lermos no texto passagens que revelam a sabedoria, a coragem e a altivez do Povo Aranã, tal como: “O Povo Aranã luta para provar que está vivo e reaver suas terras que eram suas no passado. Luta bravamente para resgatar sua história, sua cultura, seus valores e resgatar a terra que lhe foi extorquida pelos colonizadores.”
O texto apresenta a educação política desenvolvida pelo Povo Aranã e, ao fazer esse resgate, pode ser fonte de inspiração para o ressurgimento de outros povos e culturas renegadas. Manoel Índio de Souza e seu filho Pedro Sangê, guardiães da memória dos antepassados, cultivadores da mística e da cultura aos atuais descendentes. Eis um exemplo eloquente da importância vital de se cultivar a memória.
Vera Lúcia nos indica o caminho das pedras - o segredo da mina – ao mostrar o caminho trilhado para o ressurgimento do Povo Aranã, caminho que passou pela convivência com o Movimento Indígena estadual e nacional, pesquisas históricas e antropológicas, muitos encontros de formação, reuniões semanais, assembleias periódicas, semanas indígenas anuais, visitas a outros parentes indígenas para troca de experiência e (re)conhecimento mútuo, participação em audiências, reivindicações a representantes do Estado etc. Que beleza revolucionária constatar no texto que o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e o CEDEFES (Centro de Defesa Eloy Ferreira) foram imprescindíveis no ressurgimento do Povo Aranã, ao atiçar e acompanhar o processo de luta em busca de cidadania! A leitura dos manuscritos renovou em mim a esperança na luta em prol da construção de uma sociedade justa e solidária, que passa necessariamente pelo resgate de todas as culturas indígenas e demarcação de suas terras. O texto nos ajuda a respeitar e admirar a beleza que são as místicas e as culturas indígenas. Boa leitura do livro A Sabedoria do Povo Aranã.

Belo Horizonte, MG, 05/12/2015.

Gilvander Luís Moreira, frei carmelita.


Face: Gilvander Moreira III

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