Povo indígena Aranã
ressurgido: que beleza!
Por frei Gilvander Luís Moreira
Li com alegria os manuscritos Educação, identidade e cidadania: uma leitura da ação política do povo
ressurgido Aranã, de Vera Lúcia Soares de Araújo, freira, assessora do
CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – www.cebi.org.br
) e educadora. Texto fruto
de dissertação de mestrado de Vera Lúcia em Educação na UNOESTE, em 2011. Texto
que se tornou o livro ARAÚJO, Vera Lúcia Soares. A Sabedoria do Povo Aranã.
Curitiba: Editora Appris, 2016.
Logo no início da leitura, recordei-me do livro O Renascer do Povo Tapirapé (1952-1954): diário
das Irmãzinhas de Jesus, que trata do ressurgimento do povo Tapirapé, na
Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. Recordei-me também do padre
João Bosco Burnier que, após
o soldado Ezy, na porta de uma cadeia em Ribeirão Cascalheira, MT, dar um soco
fortíssimo no rosto dele e descarregar também no seu rosto um golpe de revólver
e, num segundo gesto fulminante, o tiro fatal, no crânio, agonizando
em um automóvel pelas estradas esburacadas do Xingu, antes de morrer em Goiânia
no dia 12 de outubro de 1976, padre João Bosco lamentou com saudade comovedora
ao bispo Dom Pedro Casaldáliga: “Sinto não
ter tomado nota do que os índios (Tapirapé) falaram...” Ainda bem que as
Irmãzinhas de Jesus, que convivem com os povos Tapirapés, desde 1952, em seus
diários registraram muita coisa da vida do povo Tapirapé, parte publicado no
livro O Renascer do Povo Tapirapé. E que beleza humanizadora que Vera Lúcia
Soares de Araújo pesquisou e escreveu sobre o ressurgimento/emergência do Povo
Indígena Aranã, em Minas Gerais.
No Brasil, ao longo
de 516 anos, sob o signo do capital, os detentores dos poderes político e
econômico têm feito uma das maiores sextas-feiras da Paixão ao massacrarem e
dizimarem milhões de parentes nossos: os povos indígenas autóctones, os
primeiros e legítimos herdeiros da terra Brasil, mas domingos de ressurreição
estão sendo gestados com o ressurgimento/emergência de muitos povos indígenas. Em
1980 foram catalogados 18 povos indígenas ressurgidos. Os mais de cem povos
indígenas que habitavam o estado de Minas Gerais hoje estão resumidos a apenas onze
povos - Xacriabá, Aranã, Maxacali, Xucuru-cariri, Pataxó Hahahae, Pury, Pancararu,
Krenak, Mokurin, Araxá e Kaxixó – na luta pelas suas terras para que sejam resgatadas
e demarcadas de forma integral.
Escrevendo a partir
do Povo Indígena Aranã, com resgate histórico e pedagógico do caminho trilhado
pelo Povo indígena Aranã na sua luta por reconhecimento e resgate de seus
direitos, Vera Lúcia apresenta, em linguagem simples e clara, o processo de
luta por cidadania do Povo Aranã. Vera se ancora em vários documentos que
sustentam a gradativa conquista de cidadania do Povo Aranã, tal como uma carta
enviada a um representante do Estado, na qual o Povo Aranã revela cabeça
erguida na defesa de seus direitos: “Como é do vosso conhecimento, o Povo
Aranã, originário dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, está reivindicando do
Estado o seu reconhecimento étnico.”
Em 2002, por ter sido
extorquido de suas terras e ser sem-terra o Povo Aranã, o Conselho Indígena
Aranã exigiu do Instituto de Terras do Governo de Minas Gerais a vistoria da
fazenda Estacado por ser essa presumivelmente terra devoluta, e, assim, exigiu
a liberação daquela fazenda para o Povo Aranã restabelecer sua aldeia. O
resgate da terra do Povo Aranã continua um desafio a ser conquistado.
Enche-nos de
esperança ao lermos no texto passagens que revelam a sabedoria, a coragem e a
altivez do Povo Aranã, tal como: “O Povo Aranã luta para provar que está vivo e
reaver suas terras que eram suas no passado. Luta bravamente para resgatar sua
história, sua cultura, seus valores e resgatar a terra que lhe foi extorquida
pelos colonizadores.”
O texto apresenta a
educação política desenvolvida pelo Povo Aranã e, ao fazer esse resgate, pode
ser fonte de inspiração para o ressurgimento de outros povos e culturas
renegadas. Manoel Índio de Souza e seu filho Pedro Sangê, guardiães da memória
dos antepassados, cultivadores da mística e da cultura aos atuais descendentes.
Eis um exemplo eloquente da importância vital de se cultivar a memória.
Vera Lúcia nos indica
o caminho das pedras - o segredo da mina – ao mostrar o caminho trilhado para o
ressurgimento do Povo Aranã, caminho que passou pela convivência com o
Movimento Indígena estadual e nacional, pesquisas históricas e antropológicas, muitos
encontros de formação, reuniões semanais, assembleias periódicas, semanas
indígenas anuais, visitas a outros parentes indígenas para troca de experiência
e (re)conhecimento mútuo, participação em audiências, reivindicações a
representantes do Estado etc. Que beleza revolucionária constatar no texto que
o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e o CEDEFES (Centro de Defesa Eloy
Ferreira) foram imprescindíveis no ressurgimento do Povo Aranã, ao atiçar e
acompanhar o processo de luta em busca de cidadania! A leitura dos manuscritos
renovou em mim a esperança na luta em prol da construção de uma sociedade justa
e solidária, que passa necessariamente pelo resgate de todas as culturas
indígenas e demarcação de suas terras. O texto nos ajuda a respeitar e admirar
a beleza que são as místicas e as culturas indígenas. Boa leitura do livro A Sabedoria do Povo Aranã.
Belo Horizonte, MG,
05/12/2015.
Gilvander Luís
Moreira, frei carmelita.
Face: Gilvander
Moreira III
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