Concentrar
terra para crescer o capital e a violência
Por frei Gilvander
Moreira[1]
Segundo o Sistema
Nacional de Cadastro Rural (SNCR), do INCRA, de 2012, as propriedades rurais,
com áreas com menos de 10 hectares, são 34,1% do total e ocupam somente 1,5% da
área total do Brasil, com média de 4,7 hectares, enquanto os imóveis com mais
100.000 hectares (apenas 225 propriedades, menos de 1%) ocupam 13,4% da área
total, com média de 361.426,60 hectares. Trata-se de uma das maiores injustiças
agrárias do mundo essa estrutura fundiária pautada no latifúndio. A Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e a Via Campesina têm feito campanhas para inserir na
legislação fundiária brasileira um limite para o tamanho da propriedade
fundiária, mas “o céu continua sendo o limite” para isso no Brasil enquanto que
em muitos países algo já foi estabelecido limites no arcabouço legal, como por
exemplo, em países do Oriente Médio. “Há no Oriente Médio países que
estabeleceram limites ao tamanho mínimo e máximo da propriedade individual da
terra, como por exemplo, o Iraque, onde a área mínima é de 0,9 hectare, nas
áreas irrigáveis, e de 23,4 hectares nas áreas de sequeiro, sendo que a área
máxima é de 250 hectares nas áreas irrigadas e 500 hectares nas de sequeiro; a
Jordânia, que regulou a área mínima em 3 hectares, e a máxima em 30 hectares.
Na Síria, a área mínima possui 8 hectares, nas terras irrigadas, e 30 hectares
nas terras secas, e a área máxima é de 80 hectares nas terras irrigadas, e 300
hectares nas terras secas. No Egito, foi estabelecido como área mínima 2
hectares, e como área máxima 40 hectares. A Tunísia, por sua vez, definiu como
área mínima 4 hectares” (OLIVEIRA, 2007, p. 88).
Ainda, segundo o
SNCR, os proprietários com imóveis com menos de 100 hectares (84,6%) ocupam 16,2%
da área total de propriedades, enquanto, os com mais de 1.000 hectares (2%)
detêm 52,3% da área total. Os imóveis com posse com menos de 100 hectares
(90,0%) ocupam 21,6% da área total de posse, enquanto os com mais de 1.000
hectares (1,1%) têm em poder 53,4% da área total. O censo agropecuário de 2006
apontou que dos 5,17 milhões de propriedades rurais existentes, 84,4% (4,36
milhões) eram da agricultura camponesa. Este contingente de produtores ocupava
uma área de 80,25 milhões de hectares, que representava 24,3% da área ocupada
pelas propriedades agropecuárias. Por conseguinte, as grandes propriedades –
latifúndios -, apesar de representarem somente 15,6% das propriedades, ocupavam,
em 2006, 75,7% da área. A agricultura camponesa ocupava, em 2006, somente 25%,
enquanto a patronal, 75% da área total das propriedades rurais, confirmando que
o predomínio fundiário da economia patronal contrasta com o predomínio
demográfico da camponesa. Apesar da defasagem temporal dos dados do Censo
Agropecuário de 2006, esse quadro fundiário rural é atual e está se
concentrando. Provavelmente o Censo agropecuário de 2016 apontará maior
concentração de propriedades, o que acentuará a necessidade de reforço na luta
pela terra.
De acordo com o IBGE,
a concentração da propriedade privada fundiária no Brasil vem aumentando década
após década. As propriedades rurais de menos de 10 hectares ocupam menos de
2,7% da área total ocupada por elas, enquanto a área ocupada pelas propriedades
acima de 1000 hectares concentra mais de 43% da área total (Dados do Censo
Agropecuário 2006). Isso coloca o Brasil como um dos países com maior
concentração fundiária do mundo. De 2010 a 2014, no governo da presidenta Dilma
Rousseff, houve um aumento da ordem de 2,5% na concentração de terras das grandes
propriedades, “totalizando 66,7%, ou, mais 97,9 milhões de hectares para as
grandes propriedades” (OLIVEIRA, 2015, p. 33). A “banda podre dos funcionários
do cadastro do INCRA” foi cúmplice de parte dessa concentração fundiária, o que
foi confirmado pela Operação Terra Prometida da Polícia Federal realizada no
final de 2014 (Cf. OLIVEIRA, 2015, p. 32-32). Assim, mais seis milhões de
hectares passaram para as mãos de grandes proprietários, quase três vezes o
território do estado de Sergipe. O estoque das terras públicas aumentou muito
no Cadastro do INCRA de 2014, pois “somavam 68 milhões de hectares em 2003, e,
em 2010 chegaram a 80 milhões de hectares. Porém, em 2014, totalizaram 159,2
milhões de hectares, ou seja, praticamente o dobro de 2010” (OLIVEIRA, 2015, p.
33). Segundo o SNCR, as grandes propriedades privadas saltaram de 238 milhões
para 244 milhões de hectares (Dados do Cadastro do INCRA). Há 130 mil grandes
imóveis rurais que concentram 47,23% de toda a área cadastrada no INCRA. Para
se ter uma ideia do que esse número representa, os 3,75 milhões de minifúndios
(propriedades mínimas de terra) equivalem, somados, a quase um quinto disso:
10,2% da área total registrada. O Atlas da Terra Brasil 2015, feito pelo
CNPq/USP, mostra que 175,9 milhões de hectares são improdutivos no
Brasil. Segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, um dos principais
pesquisadores da questão agrária no Brasil, em 2010, das grandes propriedades
privadas e públicas (130,5 mil), 66 mil imóveis foram considerados improdutivos,
não atendendo aos critérios de função social da propriedade da terra. Eles
somam 175,9 milhões dos 318 milhões de hectares. Os minifúndios caíram de 8,2%
para 7,8% da área total de imóveis; as pequenas propriedades, de 15,6% para
14,7%; e as médias, de 20% para 17,9%. As grandes propriedades privadas e
públicas foram de 56,1% para 59,6% da área total.[2] O
estado de Minas Gerais segue a regra nacional, com alta concentração fundiária.
Os dados acima demonstram que “a propriedade latifundista da terra se propõe
como sólida base de uma orientação social e política que freia, firmemente, as
possibilidades de transformação social profunda e de democratização do País”
(MARTINS, 1999, p. 12).
Segundo dados do
INCRA, baseados em declarações dos proprietários, existem no Brasil 54.761
imóveis rurais classificados como grandes propriedades improdutivas, portanto
desapropriáveis, que somam nada menos que 120 milhões de hectares - uma Europa
em espaços vazios! Segundo Estatísticas Cadastrais do INCRA, dados de 2014, o estado
de Minas Gerais possui área de terras potencialmente públicas
devolutas 13.398.101 hectares (22,8%), quase todas elas griladas por
fazendeiros, grandes empresas ‘reflorestadoras’ - na verdade, eucaliptadoras. “Entre
1967/1978, os latifúndios no Brasil ampliaram sua área em 69,9 milhões de
hectares. Foi o período da denominada modernização da agricultura da ditadura
militar de 1964, que trouxe consigo o crescimento da concentração fundiária nas
grandes propriedades latifundistas (OLIVEIRA, 2015, p. 30).
A ditadura
militar-civil-empresarial de 1964 fomentou também a repressão e o assassinato
de lideranças camponesas, conforme um integrante da Comissão Nacional da
Verdade (CNV). “A ditadura “terceirizou” mortes e desaparecimentos forçados de
pelo menos 1.196 camponeses e apoiadores com financiamento do latifúndio. O
Estado se omitiu, acobertou e terceirizou a repressão política e social no
campo, executada por jagunços, pistoleiros, capangas e capatazes a serviço de
alguns fazendeiros, madeireiros, empresas rurais, grileiros e senhores de
engenhos, castanhais e seringais” (GILNEY VIANA, ex-coordenador do Projeto
Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da
República).[3]
“Com governos
petistas – dois mandatos de Lula e um de Dilma – se esperava avanço na reforma
agrária, mas as Estatísticas de 2010 [...] mostravam que entre 2003/2010, o
número dos imóveis rurais chegava a 5,1 milhões, enquanto que a área total a
568,2 milhões de hectares. Já as grandes propriedades de particulares haviam
aumentado absurdamente sua área em 92,1 milhões de hectares, ou seja, passaram
de 146,8 milhões de hectares em 2003 para 238,9 milhões de hectares em 2010”
(OLIVEIRA, 2015, p. 32). Assim, “no Brasil a concentração da propriedade
privada da terra atua como processo de concentração da riqueza e, portanto, do
capital” (OLIVEIRA, 2010, p. 287) e gera males paradoxais[4]:
violências agrária, urbana, ambiental, geracional etc.
Referências.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de Sociologia da História Lenta. 2ª
edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Camponeses,
indígenas e quilombolas em luta no campo: a barbárie aumenta. In: Conflitos no Campo Brasil 2015.
Goiânia: CPT Nacional, p. 28-42, 2015.
______. A questão agrária no Brasil: não
reforma e contrarreforma agrária no governo Lula. In: Vv.Aa. Os anos Lula: contribuições para um balanço
crítico 2003-2010. Rio de janeiro: Garamond, p. 287-328, 2010.
_____. Modo
de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma Agrária. São Paulo: Labur
Edições, 2007. Disponível em http://www.geografia.fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/Pdf/Livro_ari.pdf
.
Belo Horizonte, MG, 21 de novembro de 2017.
Obs.: Vídeo no link,
abaixo, ilustra o texto acima:
[1] Padre da Ordem dos carmelitas; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências
Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; doutor em Educação
pela FAE/UFMG; assessor da CPT, CEBI, CEBs, SAB e Ocupações Urbanas; professor
de “Direitos Humanos e Movimentos Populares” em curso de pós-graduação do IDH,
em Belo Horizonte, MG. e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.freigilvander.blogspot.com.br
- www.gilvander.org.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[3] Jornal A Verdade,
dez./jan./2017, n. 190, ano 17, p. 5.
[4] Cf. PROUDHON, Pierre Joseph. O que é a propriedade? Lisboa: Editorial Estampa, 1975. E ROUSSEAU,
Jean Jacques. Discurso sobre a origem e
os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural,
1999.
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