Apóstolos Pedro e Paulo, colunas da Igreja.
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Segundo
Atos dos Apóstolos, foi Pedro quem fez o primeiro discurso após o primeiro
Pentecostes (At 2,1-13), um discurso profético e corajoso (Cf. At 2,14-36), no
qual Pedro denuncia de forma altaneira: “Vocês,
autoridades, mataram Jesus, mas Deus o ressuscitou!” (At 2,23-24). Pedro
teve a grandeza de sair de Jerusalém – a Igreja mãe – e ir conviver com
comunidades consideradas impuras, heréticas, no meio dos excluídos (Cf. At
9,32-43). A convivência com os pobres se tornou a base do processo de conversão
de Pedro, que o habilitou a experimentar o Espírito do Deus da vida atuando no
meio dos gentios, tal como acontecia entre os cristãos (Cf. At 10,1-11,18).
Memorável também foi a participação do apóstolo Pedro no Concílio de Jerusalém,
por volta dos anos 49/50 do primeiro século da era cristã, em que, ao lado de
Barnabé e Paulo, lutou pela abolição da lei da circuncisão, que tinha se
transformado em um insuportável fardo para os cristãos oriundos do meio dos
estrangeiros.
Em At
20,17-38 está um discurso do Apóstolo Paulo aos presbíteros, ou seja, aos “anciãos”
que eram os coordenadores das primeiras comunidades cristãs. "Presbíteros" eram
apóstolos? Profetas? Mestres? Ou ...? Essas
são questões que nos levam a discutir
a diversidade de dons nas primeiras comunidades cristãs. Em At 20,28 os
presbíteros da comunidade cristã de Éfeso são chamados de “epíscopos”, cuja função
pastoral é a de vigiar e conduzir a
comunidade. Epíscopo é um título
grego que significa “supervisor”; aquele que tem a responsabilidade de
acompanhar o desenvolvimento da comunidade para cuidar do seu vínculo com o
espírito original e da sua sintonia com os critérios de continuidade. Ainda não
há aqui a noção de sucessão apostólica, pois o apóstolo Paulo não os apresenta
como os seus sucessores, mas como pessoas encarregadas pelo Espírito Santo de
manter as comunidades no bom caminho.
No tempo
de Paulo não existia a diferença entre clero e leigos. Havia, sim, uma
variedade, não orgânica de carismas, como apóstolos, profetas e mestres (At
13,1), evangelistas (Filipe: At 21,8), profetisas (as filhas de Filipe: At
21,9) etc. Os presbíteros são simplesmente os animadores de comunidades; nunca
são chamados de "sacerdotes" no Segundo Testamento. Nas cartas
paulinas constatamos que no seio das comunidades há uma diversidade de dons que
deve ser articulada pelo cimento que é a solidariedade. Isso é ótimo, pois o
Espírito não se deixa encurralar e não aceita ser engaiolado; sopra aonde quer,
para onde quer, é livre, liberta e tem sede de liberdade. Paulo reitera
diversas vezes: "Não percam a
liberdade cristã!" (2 Cor 3,17). "Não
entristeçam o Espírito Santo!" (Efésios 4,30). O apóstolo Paulo
percebeu que existia nas comunidades uma dificuldade de conviver de modo sadio
com a diversidade de dons. Paulo pontua bem esta multiplicidade de dons
recordando que existe uma ordem de importância. A comunidade cristã não pode
cair no subjetivismo e nem no relativismo de "tudo é igual a tudo",
ou no "devemos respeitar tudo".
No
capítulo doze da I Carta aos Coríntios, Paulo trata da diversidade de dons. Ele
pontua que em primeiro lugar estão
os apóstolos, e o termo deve ser entendido
no seu sentido original e etimológico: apóstolo/a é aquele/a que é enviado/a por Deus, é um/a
missionário/a, um porta voz de uma mensagem do Deus solidário e libertador. Na
época descrita por Atos dos Apóstolos, época das primeiras igrejas, antes do
processo de institucionalização (hierarquização), o termo "apóstolo"
não significa um título que dá status, só
adquirindo esta conotação mais tarde, depois do processo de hierarquização das
igrejas, o que amordaçou a vitalidade do dinamismo profético inicial.
Em segundo lugar estão os profetas. A
palavra "profeta" vem do verbo pro-ferir, que significa falar por
antecipação. Etimologicamente a palavra "profeta" significa
"aquele que profere uma mensagem em nome de Deus". O profeta escuta o
Oráculo de Deus. A palavra "oráculo", em hebraico, significa
"sussurro, cochicho, de Deus no ouvido do profeta ou da profetisa".
Para entender um cochicho, um sussurro, é preciso fazer silêncio, prestar muita
atenção, estar em sintonia, ter proximidade, ser amigo etc. Portanto, Deus não
falava claramente aos profetas, como nós, muitas vezes pensamos que falava. Do
mesmo modo que falava aos profetas e profetisas Deus fala hoje a nós. Deus
cochicha (sussurra) em nossos ouvidos a partir da realidade dos empobrecidos e superexplorados.
Precisamos colocar nossos ouvidos e nosso coração pertinho do coração dos pisados
para que possamos escutar Deus. Mais do que fazer cursos de oratória,
precisamos de cursos de escutatória. Para ouvir os clamores mais profundos dos violentados
é necessário conviver com eles.
Em terceiro lugar vêm os mestres, aqueles que
devem ensinar a verdadeira mensagem de Jesus. Ensinar pelo testemunho e, de
preferência, por meio da pedagogia da maiêutica: conversando, dialogando e
assim ajudando os outros a parir ideias e práxis libertadoras. Lá no final da
escala vem o dom das línguas (cf. I Cor 12,28).
Em I Cor
13,1-13, Paulo faz um elogio do amor para nos mostrar que relações de amor é
que devem ser a coluna mestra da vida das comunidades e Igrejas. Paulo nos
alerta: "Desejem os dons do Espírito, principalmente a profecia, pois quem profetiza fala às pessoas, é
entendido, edifica, exorta e consola a comunidade. Aquele que profetiza é
maior do que aquele que fala em línguas. Quem fala em línguas edifica somente a
si mesmo, fala só a Deus” (cf. I Cor 14,1-6). Em I Cor 14,19 o apóstolo Paulo
afirma: “Numa assembléia, prefiro dizer cinco palavras com a minha inteligência
para instruir também os outros, a dizer dez mil palavras em línguas”.
Paulo e
seus companheiros fundam e desenvolvem comunidades proféticas a partir da ação
do Espírito. Quase todas as vezes que na Bíblia fala que "desceu o Espírito de Deus sobre..."
diz também que os atingidos pelo Espírito de Deus começam a profetizar (cf. Nm
11,29; At 19,4-6). A profecia é uma consequência direta da ação do Espírito.
Logo, um bom critério para saber se estamos vivendo uma verdadeira experiência
no Espírito de Deus é nos perguntar: “Estamos nos tornando mais profetas ou
profetizas?” Se a maioria das pessoas que diz falar em línguas fossem também profetas
e profetizas, teríamos um maior número de mártires e talvez o Brasil já estaria
transfigurado por causa de tanta profecia. Mas como há um exagero de “falar em
línguas” e de propostas religiosas intimistas, dualistas, moralistas e
fundamentalistas, a profecia cristã está em baixa e, por isso, os fascistas e
os exploradores nos mundos da política, da economia e da religião estão
reproduzindo uma necropolítica que mata de mil formas.
Enfim, Pedro
e Paulo foram apóstolos profetas, não apenas divulgaram o ensinamento de Jesus
Cristo, mas testemunharam até o martírio boas notícias aos empobrecidos, que
são péssimas notícias para os opressores[2].
30/6/2020.
Obs.: Os vídeos nos
links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Sr. Luiz Estevão, camponês benzedor. Assentamento Padre
Jésus, 46 anos de Festa São Pedro. Vídeo 7
2 - Na Missa de 7o dia de Alvimar da CPT, na igreja de São
Pedro/Montes Claros, 25/08/2016
3 - Mártires de Unaí/MG: relato emocionante por Pedro Paulo
Martins, SINAIT/RJ, 23/02/2016
4 - Frei Carlos Mesters/ Atos dos Apóstolos 15,22-31: O
Primeiro Concílio Ecumênico realizado/ 15/5/2020
5 - Padre Antônio Amorst, 85 anos, profeta de Deus no Vale do
Rio Doce, MG. Parte II - 11/9/2019
6 - Tributo ao Padre Ernesto: Um Profeta no meio do Povo -
27/7/2019
[1] Frei
e padre carmelita; doutor em Educação pela FAE/UFMG; mestre em Exegese Bíblica ;
assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e de Movimentos Populares Socioambientais;
e-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com
- www.twitter.com/gilvanderluis
- facebook: gilvander.moreira
[2] Gratidão à Carmem
Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão
deste texto.