Que
fazer diante do agravamento da pandemia?
Por Gilvander Moreira[1]
“Que fazer?” Pergunta imprescindível em momentos
de sufoco, de apuros; pergunta que as multidões, publicanos e soldados fizeram
ao profeta João Batista enquanto ele participava de um grande movimento popular
e religioso de luta pela superação das desigualdades sociais, econômicas e
políticas. “Que fazer?” Título de livro de Wladimir Lenin, de 1902. Que fazer
em nível pessoal, familiar, comunitário, social e político diante da escalada
em progressão geométrica da pandemia do novo coronavírus, que no mundo já
ceifou a vida de mais de 432 mil pessoas; no Brasil, mais de 44 mil mortos? A primeira
coisa é buscar as melhores informações e análises que estejam em sintonia com
as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Autoridades sanitárias
e epidemiologistas idôneos nos informam que o Brasil está tendo o mais ineficaz
e ineficiente combate à pandemia. Até mesmo o antipresidente dos Estados Unidos,
Trump, já disse que se os Estados Unidos estivessem seguindo a forma
irresponsável, criminosa e genocida que o desgoverno federal brasileiro tem
adotado, já teriam lá mais de 2 milhões de mortos. Nas entrelinhas, observando
a diferença de população, Trump alertou que no Brasil o número de mortos poderá
ultrapassar 1 milhão. Pesquisas mostram que aqui a letalidade está sendo uma
das maiores do mundo: de 5,3 a 10% de quem contrai o coronavírus está morrendo.
Isso mostra que o número de mortos no Brasil poderá, lamentavelmente, chegar a
1,5 milhão de mortos, conforme já alertado por pesquisas científicas. Criminosa
também é a política de grande subnotificação e a baixíssima política de
testagem via métodos sérios. Pesquisas indicam que o número de mortos e de
contaminados pode ser 5 ou 6 vezes maiores. “Multiplique por 5 ou 6 os números
oficiais”, alertam epidemiologistas.
Já está demonstrado em muitos países que
manter o distanciamento físico e o isolamento social são posturas necessárias e
vitais, porque sem vacina ou medicação que salve as pessoas contaminadas pelo
coronavírus, o “remédio” para evitar contrair a COVID-19 é interrompermos o
contágio comunitário. Não podemos aceitar a mentira posta pelos grandes
empresários e pelo antipresidente: salvar vidas ou salvar a economia. Esta é
uma falsa polarização. A melhor economia é aquela que salva vidas e essa deve
ser a prioridade política absoluta.
Atenção quem, movido por crenças
religiosas intimistas, mágicas e dualistas, diz assim: “Deus está no comando”,
“Jesus me protege” e similares! Quem acredita que “só Deus” e “só Jesus” nos
livrará da COVID-19 e, por esse tipo de fé, não leva a sério as medidas de
precaução, morrerá por ignorância religiosa e disseminará o vírus e levará à
morte de muita gente, sem perceber que o modelo econômico que violenta a vida
da classe trabalhadora é idolátrico e satânico. Enfim, o (neo)pentecostalismo
com suas mediocridades religiosas poderá aumentar em muito o número de mortes
durante a pandemia.
Pessoalmente, na família e nas relações
comunitárias e sociais, que fazer?[2]
Manter a quarentena com distanciamento físico de pelo menos 2 metros entre as
pessoas; não cumprimentar ninguém pegando na mão (não abraçar e nem beijar); lavar
as mãos com frequência e corretamente, com água e sabão, cuja eficiência é
maior, e, na impossibilidade de lavar com água e sabão várias vezes ao dia,
usar álcool em gel; na impossibilidade destas últimas medidas, pelo menos
higienizar as mãos com álcool comum; evitar levar as mãos ao rosto; manter-se
hidratado e alimentar-se bem para elevar a imunidade e a resistência corporal;
ficar em casa, só sair de casa em caso de extrema necessidade; ao chegar de
viagem de qualquer lugar, ficar isolado em casa durante sete dias; ao chegar de
viagem de lugar epidêmico, ficar isolado em casa durante 14 dias; cuidado
especial com as pessoas idosas que devem ficar em casa para não se exporem à
contaminação pelo coronavírus. Nada de visitas dos netos que estão sem aulas ou
de familiares. Idosos devem evitar cuidar de crianças. Nesse tempo, a
comunicação com os idosos deve ser feita por telefone, celular ou de forma
virtual. Os idosos devem manter a casa arejada; pessoas com câncer, HIV,
diabete, tuberculose, doenças cardíacas e outras doenças devem se proteger
ainda mais; não participar de reuniões, nem de encontros, nem de seminários, de
nenhuma aglomeração de pessoas; manter a suspensão da celebração de missas e
cultos, o que é correto e necessário.
Além das cautelas de evitar o contágio a
partir do externo a nós, precisamos fortalecer nossas forças e energias
internas. É hora de ouvirmos profissionais da nutrição, da medicina naturista e
místicos, que dizem: alimentar-se bem evitando produtos transgênicos,
envenenados por agrotóxicos ou enlatados; alimentar-se com alimentos saudáveis
vindos da agricultura familiar com agroecologia; orar pelo menos 30 minutos por
dia; meditar todos os dias, ler ou ouvir poesias e músicas inspiradoras; fazer
exercícios físicos e trabalhos manuais; evitar o sedentarismo; exercer
cotidianamente a solidariedade. Isso e muito mais para elevar a própria
imunidade, reforçando nossas forças e energias vitais.
Politicamente, todo o povo precisa lutar
de mil formas para que o Estado, nos seus vários níveis e passando pelos três
poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), governe implementando políticas
públicas que garantam o bem estar de toda a população. As Frentes Brasil
Popular e Povo Sem Medo e os Movimentos Sociais Populares[3]
já apresentaram aos governos centenas de propostas justas e sensatas para
enfrentarmos a noite escura da pandemia do novo coronavírus, aí se incluindo a
medida imprescindível: Fora, Bolsonaro e todo o desgoverno federal, que tem
sido genocida e fomentador da escalada de mortes no meio do povo. A
estarrecedora reunião ministerial de 22 de abril de 2020 demonstrou a podridão
do desgoverno federal. Não bastam migalhas, como 600 reais de auxílio
emergencial. É preciso renda mínima justa para todas as pessoas e famílias. É
preciso revogar a Emenda Constitucional 95 (PEC 95) que congelou por 20 anos os
investimentos em saúde e educação. Não podemos mais tolerar a não realização de
Auditória Cidadã da Dívida pública – prescrita pela Constituição de 1988. É fundamental que o Governo pare de pagar 1
trilhão de reais por ano (quase 50% do orçamento) para banqueiros em juros e
amortização dessa famigerada dívida pública. Quantos hospitais poderiam ser
construídos com esse dinheiro? Quantos profissionais de saúde poderiam ser
contratados? Como seria a expansão do coronavírus se esses recursos fossem
investidos em prevenção? Continuar a sangria de recursos públicos para os
banqueiros significa continuar matando de muitas formas o povo por meio de uma
política genocida.
A Argentina está dando de 10 a 0 no
Brasil no enfrentamento à pandemia. Vivendo há mais de três meses na Argentina,
Julieta Amaral nos informa: “Na Argentina, desde o início da pandemia do novo
coronavírus, houve um esforço conjunto, independente de posições políticas,
para enfrentar a pandemia. A defesa da vida em primeiro lugar foi o caminho
escolhido, mesmo com a preocupação com a economia que aqui é mais precária que
a do Brasil, sobretudo por causa da monumental dívida com o Fundo Monetário
Internacional (FMI) contraída pelo desgoverno Macri. Antes da chegada da
pandemia, o povo argentino estava divido politicamente, mas se uniu para salvar
as vidas e a economia. O presidente Alberto Fernández, em coletiva de imprensa,
sempre informa a situação, comunica decisões e anima o povo a continuar a luta
contra o coronavírus a partir do esforço de todos. Na televisão, o presidente
aparece sempre acompanhado de diferentes lideranças, do governo e da oposição, na
busca de melhores caminhos de salvação da vida do povo argentino, especialmente
dos mais vulneráveis. Em sua maioria, as posições, são consensuais e contam sempre
com o assessoramento técnico nas várias áreas: saúde, educação, economia,
desenvolvimento social etc. O Presidente é excelente mediador, equilibrado,
sensato, humano e preocupado também com o futuro econômico do país.
Os seguintes itens foram consensuados e
estão sendo implementados na Argentina: 1) Quarentena obrigatória, vigiada e
com punição educativa dos irresponsáveis que não a cumprem (O isolamento
imposto tem sido extenso e rigoroso; há mais ou menos um mês que começaram os protocolos provinciais e locais
para afrouxamento do isolamento ‘social’, particularmente onde há poucos ou
nenhum caso de contágio. Na região de Buenos Aires e de algumas outras províncias/estados,
continuam as regras rígidas do início; 2) Cuidado especial com as pessoas idosas;
3) Manutenção dos serviços
essenciais com todos os cuidados
necessários para evitar contágio (a população
se envolve para denunciar abusos e supervisionar as entradas das cidades);
4) O governo proibiu demissões, liberou um salário mínimo para as famílias
comprovadamente em situação precária,
facilitou empréstimos para empresas
pagarem salários e não demitirem os
trabalhadores, possibilitou atraso nas
contas de serviços básicos como
água, energia e gás para famílias
de baixa renda, proibiu aumento dos alugueis e supervisiona os preços nos supermercados e
comércio em geral.
Até o dia 15 de junho de 2020, na
Argentina foram contabilizadas 842 vítimas fatais pela COVID-19 e 31.577 casos
positivos em todo o país, sendo que 88% estão na capital e região metropolitana.
O resultado tem sido a relativa tranquilidade da população, a manutenção da
curva de contágio pelo coronavírus sem ascensão brusca, o não
colapso do sistema de saúde e o reconhecimento da posição sábia do
governo, apesar dos conflitos que não deixam de existir e da preocupação com
empregos e com a retomada das atividades econômicas em geral.”
Que aprendamos com o governo argentino e
com seu povo antes que tenhamos que chorar a morte de 1,5 milhão de pessoas no
nosso querido Brasil. E quem sobreviver a esta noite escura de pandemias sanitária,
política, econômica, ambiental, racista, homofóbica... que se prepare para não
voltar à “normalidade de antes” que foi exatamente a que nos impôs a dura
realidade que hoje vivemos. A humanidade só terá futuro se conseguir se
libertar de todas as seduções do sistema de morte que é o capitalismo e
aprender a viver de forma simples e austera em harmonia com todos os seres
vivos e com a natureza, como vivem os nossos parentes indígenas, quilombolas e
o campesinato[4].
16/6/2020.
Obs.: Os vídeos nos
links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1- 1º de Maio e as Pandemias do Coronavírus e Política: Luta
pela Vida, por frei Gilvander - 30/4/2020
2 - Frei Gilvander:
"O que a quarentena nos ensina?" - Na luta por direitos - 2a Parte -
24/4/2020
3 - Frei Gilvander: Sem
Quarentena, quem vai morrer? - 1ª Parte/Na luta por direitos - 23/4/2020
4 - Homem invade ato
pacífico no RJ por mortes pela Covid-19 e derruba
cruzes/Fantástico/Globo/14/6/2020
5 - Argentina dá de 10 a
0 no Brasil no enfrentamento à pandemia: Julieta Amaral e Frei Gilvander
6 - Em 2 meses, Carmem
fez e doou 1.320 máscaras para evitar o novo coronavírus. Mãos à obra pela vida
7 - OMS atualiza
orientações sobre o uso de máscaras - Jornal Nacional - 05/6/2020
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos
Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Confira
também texto de frei Gilvander no link http://gilvander.org.br/site/%EF%BB%BFnota-de-frei-gilvander-como-se-comportar-e-o-que-fazer-em-tempos-de-coronavirus/
[4]
Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora
em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário