Há racismo estrutural, SIM! Por Frei Gilvander Moreira[1]
Na
noite de 19 de novembro de 2020, véspera do Dia da Consciência Negra, nosso
irmão negro JOÃO ALBERTO SILVEIRA FREITAS foi barbaramente linchado e
assassinado, em Porto Alegre, RS, em um supermercado da Rede Carrefour. Primeiro,
nosso abraço solidário à família do João Alberto, ao pai João Batista Freitas,
aos filhos, à companheira Milena Borges Alves, aos amigos e amigas. João Alberto Silveira Freitas, um homem
negro de 40 anos, outro George Floyd brasileiro, barbaramente assassinado por
um segurança e um policial militar que trabalhava como segurança (na prática,
jagunços, que de humanos só têm a aparência). João Alberto Silveira Freitas, mais um irmão NEGRO assassinado e
martirizado no Brasil racista.
Repudiamos
com veemência mais esse assassinato e também repudiamos o vice-presidente
General Mourão e o fascista lá do Palácio do Planalto que deveriam ter vergonha
de afirmar que “no Brasil não há racismo”. É assim que um Governo racista,
fascista e genocida mata: de mil formas. O general Mourão e o que adora
torturadores não dizem apenas uma mentira deslavada, mas agem criminosamente
incitando a reprodução de outras barbáries. Se 50% da terra brasileira está
sequestrada nas mãos de apenas 2% de latifundiários, empresários e chefes do
agronegócio, é porque há racismo estrutural no Brasil. Se no Tribunal de (In)Justiça
de São Paulo só tem desembargadores brancos como nos demais tribunais do país, com
raras exceções, é porque vivenciamos, sim, o racismo estrutural. Se entre os
140 ou 150 novos médicos que se formam semestralmente na Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) só há um ou dois negros, é
porque há racismo estrutural. Se é reservado ao povo negro os trabalhos manuais
com apenas salário-mínimo e milhões de irmãos e irmãs de cor preta são
obrigados a sobreviver na informalidade, é porque há racismo estrutural. Se no
Bairro Mangabeiras, zona nobre de Belo Horizonte, em um quilômetro quadrado
vivem folgadamente e luxuosamente apenas 1.000 pessoas, enquanto no Aglomerado
da Serra, geograficamente ao lado, sobrevivem quase 50 mil pessoas em apenas 1 quilômetro
quadrado, é porque há racismo estrutural. Se há poucos os negros e negras
eleitas para ocupar posições nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é
porque há racismo estrutural. Se apenas um em cada 10 alunos de escolas
privadas da cidade de São Paulo é negro, é porque há racismo estrutural. Se nos
bairros luxuosos moram só brancos, salvo exceções, e nas favelas está o povo
preto, é porque há racismo estrutural. Se entre os 800 mil presos jogados nos
presídios brasileiros, que na verdade são novos navios negreiros, mais de 95% dos
internos são pretos, é porque há racismo estrutural. Se ... Se continuarmos
citando os exemplos de racismo estrutural, a lista será interminável.
Na
barbárie de uma sociedade capitalista, uma máquina de moer vidas, muitas vezes
temos que dizer o óbvio para desmascarar as mentiras (fake News) criminosas ditas e repetidas por integrantes da classe
dominante para pavimentar a reprodução da superexploração que campeia no nosso
querido país. Que fazer para superarmos o capitalismo, a desigualdade social e
o racismo estrutural? A superação deste status quo que violenta e mata
de mil formas passa pela classe camponesa realizar, “na lei ou na marra” uma
revolução agrária, que é a partilha, a democratização, a socialização da terra.
Enquanto continuar o Cativeiro da Terra (Leia o livro de José de Souza
Martins), com a estrutura latifundiária se reproduzindo e ampliando, teremos as
condições materiais objetivas que sustentam o racismo estrutural. Os Povos e
Comunidades Tradicionais precisam retomar todos os territórios que lhes
pertencem ancestralmente. Os Povos Originários, Povos Indígenas devem resgatar
todos seus territórios que foram invadidos por brancos capitalistas. Uma das
tarefas do povo da cidade é boicotar a Rede Carrefour em todo o Brasil. Não
entre em nenhum Carrefour! Não compre e não consuma nada desta transnacional
racista e criminosa. Paremos de comprar nas lojas e empresas que sustentam e
reproduzem o racismo estrutural existente na sociedade capitalista do Brasil,
país com umas maiores desigualdades sociais e raciais do mundo.
Faz
bem inspirar-nos em alguns relatos bíblicos. Os evangelhos da Bíblia (Mt
21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-46 e Jo 2,13-17) relatam que Jesus Cristo, jovem
galileu rebelde, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, impulsionado
por uma ira santa, furioso, ocupou o Templo de Jerusalém - lugar considerado o
mais sagrado -, fez um chicote de cordas, “chutou o pau da barraca” e expulsou
todos os vendilhões do Templo, bem como as ovelhas e bois, destinados aos
sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou suas mesas. Aos
que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com os mais pobres
porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), ordenou: “Tirem
estas coisas daqui e não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio”. O
Planeta Terra é “templo sagrado” que está sendo invadido e saqueado pela
idolatria do mercado e do capital. Fazer boicote às grandes empresas racistas,
que violentam a dignidade da pessoa humana e a dignidade de toda a
biodiversidade se tornou uma necessidade para a sobrevivência da humanidade
sobre nossa única casa comum.
Segundo
a Bíblia, as mulheres parteiras do Egito, em Êxodo 1,8-22, diante de um “Decreto
Lei/Medida Provisória” que, para controlar a natalidade, mandava matar as
crianças do sexo masculino, se organizaram e fizeram greve e desobediência
civil. “Não vamos respeitar uma lei autoritária do império dos faraós. O Deus
da vida quer respeito à pessoa e não concorda com a matança de crianças e com
nenhuma opressão e violência”, diziam, em seus corações, as Mulheres do
“Movimento de saúde pública” do Egito. Diz a Bíblia: “Deus estava com as
parteiras”. O povo se tornou numeroso e muito poderoso (Êxodo 1,20), isto é,
crescia em quantidade e em qualidade.
Os
pobres organizados que seguiram Mahatma Gandhi e Martin Luther King Jr.,
mártires dos violentados, fizeram desobediência civil: desafio às leis injustas
sem agredir pessoas. Como gestos extremos, acordaram consciências anestesiadas,
cúmplices de sistemas opressivos. A não-violência de Gandhi e Luther King não
diz respeito às coisas, mas, sim, às pessoas humanas. O boicote do sal e do
tecido inglês, na Índia, o dos ônibus segregacionistas, nos Estados Unidos, e
tantos outros movimentos de desobediência civil em todo o mundo causaram
grandes prejuízos materiais aos capitalistas, mas trouxeram para a humanidade
exemplos de enfrentamento a um sistema de relações sociais preconceituosas e
racistas assentadas em um passado escravocrata.
Oxalá
o povo brasileiro se revolte como aconteceu nos Estados Unidos com o
assassinato de George Floyd que animou e inspirou um massivo movimento antirracista
que foi decisivo para derrubada do fascista Trump nas urnas. Basta de racismo!
Malditos sejam todos os racistas! Que João Alberto Silveira Freitas,
martirizado, continue animando e inspirando o movimento antirracista! Oxalá a
morte deste nosso irmão não caia no esquecimento e que este movimento continue crescendo
e nos ajude a derrubar do poder todos os fascistas, genocidas e racistas![2]
24/11/2020
Obs.: Os vídeos nos
links e o áudio, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.
1 - Morte de
João Alberto provoca onda de protestos contra o racismo pelo Brasil
2 - No Recife,
manifestantes pedem fechamento do Carrefour
3 - Luta contra
Racismo/Violência contra as Mulheres/Opressão do Capital. "Uni-vos!"
(Frei Gilvander)
4 - Três
Comissões da OAB/MG em defesa do Quilombo dos Luízes, Belo Horizonte/MG.
Racismo, não! 04/8/17
5 - Comunidade
Quilombola dos Luízes, em Belo Horizonte, vítima de invasão/violência/racismo.
01/8/2017
6 - CPT-MG 40
anos - Madalena: "Nossa luta é contra o latifúndio, arma mortífera" -
Vídeo 5 - 07/3/2018
7 - Ameaçado por
lutar contra o latifúndio, DIM CABRAL, da Cooerco.SD, Uberlândia/MG. Justiça!
24/5/18
8 - Violência do
latifúndio cresce no norte de MG/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST.
25/4/2018
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo
ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma,
Itália; agente da CPT, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH e de Teologia bíblica
no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Gratidão
à Carmem Imaculada de Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez
a revisão deste texto.
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