DIA
TRISTE EM BELO HORIZONTE PELA APROVAÇÃO DA LEI QUE PROÍBE O TRABALHO DE 10.000
CARROCEIROS/AS. As
bandeiras da justiça, da verdade e da vida digna flamulam a meia altura.
No dia de ontem, 22 de janeiro de 2021,
o prefeito Alexandre Kalil (PSD) sancionou a lei que extingue o trabalho e o
sustento financeiro de 10 mil famílias carroceiras em Belo Horizonte e Região
Metropolitana. Foi sancionado “o coração, os pulmões, os rins e a coluna mestra
do PL 142” e vetado pontos secundários, que serão comentados aqui. De autoria
do então vereador e empresário Osvaldo Lopes (então PHS, hoje PSD), o projeto
de lei 142/2017 prevê que em prazo máximo de 10 anos a tração animal em Belo
Horizonte não mais exista e seja passível de punição a desobediência dos que
permanecerem em prática. O prefeito ainda anunciou que será enviado projeto do
executivo, tratando especificamente sobre medidas de apoio aos carroceiros
durante o processo de transição. Proíbe, encurrala colocando no corredor da
morte 10.000 carroceiros/as e suas famílias e diz que “vai encaminhar medidas
de apoio”. Isso é o mesmo que perguntar a quem foi dada uma sentença de morte:
que tipo de morte você escolhe? A inexistência concreta dessa proposta se soma à
violência da criminalização, uma vez que gera maior insegurança e incerteza
quanto ao futuro da comunidade carroceira.
A tentativa de criminalização dos
carroceiros é baseada em argumentos falaciosos depositados em cima da suposição
de que o modo de vida de milhares de famílias seria baseado nos maus-tratos aos
animais. Sob a capa do pretenso cuidado com os animais impera o manto do
RACISMO, do ÓDIO AOS POBRES, do HIGIENISMO, do AUTORITARISMO, da VIOLAÇÃO AOS
DIREITOS DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, entre os quais estão os
carroceiros, quilombolas, os ciganos, agricultores familiares e demais
comunidades tradicionais que utilizam a carroça no seu dia a dia para trabalhar
e como modo de fazer e viver.
Não existe nenhum estudo responsável
sobre o assunto. A prefeitura, na figura do prefeito Alexandre Kalil, em
conluio com os vereadores que aprovaram o projeto e os defensores advindos de
movimentos que dizem defender o direito dos animais, não tem sequer um estudo
ou pesquisa sobre a condição das carroceiras e dos carroceiros em Belo
Horizonte. Não são capazes de apresentar o número oficial de trabalhadores e
trabalhadoras, o número de animais envolvidos e nem o número de animais
apreendidos pelo poder público, vítimas de maus-tratos advindos do trabalho
carroceiro. Estima-se que haja mais de 10.000 carroceiros/as em BH e mais de 20
mil cavalos, mas foi aprovada uma lei racista sem sequer um censo.
O poder público jamais deve se afirmar
sobre achismos. A vida dos mais empobrecidos/as não pode ser destruída pelo
poder de achismos advindos de pessoas poderosas e influentes. De novo, reina o
anti-cientificismo típico de governos autoritários e fascistas. Tampouco pode o
poder público lavar as mãos ante a responsabilidade de decisões importantes. O
prefeito Kalil foi o Pilatos que, por covardia, condenou as famílias
carroceiras ao calvário da miséria. Um covarde não tem envergadura para exercer
a direção de cidade alguma, muito menos a de Belo Horizonte – tão grande, tão
complexa, tão diversa.
Uma cidade com a grandiosidade, a
complexidade e a diversidade de Belo Horizonte não pode excluir carroceiras e
carroceiros. Elas e eles são ciganos, são quilombolas, indígenas, agricultores
familiares - carroceiros por tradição de cultura e família, são Povos e
Comunidades Tradicionais, protegidos pelos artigos 215 e 216 da Constituição
Federal e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da
ONU.
O prefeito Kalil e os 28 vereadores,
entre os quais muitos pastores, levarão impresso às suas histórias a covardia
de tentar extinguir a profissão e o modo de vida das pessoas pobres que buscam
VIDA DIGNA para suas famílias – compostas de humanos e animais – por meio do
trabalho com carroças, uma cultura milenar.
Assim como não se constrói uma casa pelo
telhado, casas não devem ser desmontadas pelo alicerce. Na lei 11.285/2021,
racista, aprovada, dizem como senhores escravocratas: “Cavalo para sustentar
família pobre não pode. Cavalo e cachorro que são “domesticados” (violentados)
para estraçalhar pessoas pelos desígnios de forças militares pode”. Colocar
cachorros adestrados para farejar drogas letais e mergulhar em lama tóxica e
biocida, pode? Não há questionamentos sobre a indústria farmacêutica, a
cosmética e a militar na mesma proporção que a perseguição aos carroceiros. “Para
isso pode maltratar os animais”, dizem hipocritamente.
As vitórias serão festejadas pelas patadas
impressas no peito do povo preto e pobre - e pobre não por origem, mas por
consequência histórica da escravidão e das relações sociais escravocratas que
insistem em se reproduzir cotidianamente. Podem, realmente ser chamadas de
vitórias? Há quem ganha perdendo. Perde-se humanidade, ética, caráter,
sensibilidade, respeito... E se isso não os incomoda, mais gravemente afetados
estão por esse sistema de destruição e morte, que coloca o capital acima de
tudo e de todos.
O Brasil, tendo adotado a ilegalidade da
escravidão há pouco mais de um século, se recusa a abolir a escravidão como
prática social sobre os corpos negros. Sob a hipócrita capa da proteção aos
animais, há o regozijo sobre o sofrimento negro - “que puxem eles as carroças!”
- reverberam!
Por isso, a lei 11.285/2021 aprovada é
RACISTA, porque é COVARDE! São aguerridos contra os pobres – quase sempre
pretos - e são submissos aos poderosos das indústrias e das armas militares – quase
sempre brancos. São COVARDES, são RACISTAS e têm ÓDIO AOS POBRES! O ÓDIO AOS
POBRES é tal que se maquia se como projeto educativo!
Pretensamente, a prefeitura deverá
oferecer cursos de formação àqueles que se tornarão desempregados e serão
empurrados para a miséria, a fome e a morte lenta, um pouco a cada dia. Entretanto,
a questão fundamental não repousa sobre a formação, mas sobre a GARANTIA DE
TRABALHO! As pessoas e suas famílias não se sustentam por possibilidades, e sim
por efetividades! A conquista do pão, o pagamento das contas, os gastos com
saúde e lazer não são advindos de ilusões, mas de trabalho concreto, renda e
suor. A prefeitura da capital mineira, os vereadores e as agremiações
supostamente dedicadas à pretensa proteção animal garantirão a vida digna das
mais de 10 mil famílias carroceiras, com trabalho e renda!? – NÃO!!! São
hipócritas! Então, o projeto, transformado em lei, simplesmente não prevê e nem
garante isso. Por isso, além de RACISTA e COVARDE, é um projeto de ÓDIO AOS
POBRES! NÃO BASTA A POBREZA, DEVEM SER JOGADOS NA MISÉRIA!
A prefeitura de BH sabe que em Porto
Alegre, RS, sob administração de direita e antipopular, após a proibição do
trabalho dos/as carroceiras, apenas uma ínfima minoria conseguiu algum tipo de
outro trabalho, e pesquisa da própria prefeitura demonstrou que milhares de
famílias foram empurradas para a miséria e a fome.
Pisar, violentar e cuspir na Comunidade
Tradicional Carroceira em Belo Horizonte entristece o horizonte e violenta a
história de BH, cidade construída pelo povo carroceiro desde o Curral del Rey.
Por várias décadas, antes da tração motora, os carroceiros foram imprescindíveis
para a construção de BH. Centenas e centenas de carroças pegavam as mercadorias
na Praça da Estação trazida pelos trens e distribuíam para toda a cidade. No
Museu de Arte e Ofícios, situada na mesma Praça da Estação, estão expostas nas
vitrines carroças antigas e utensílios dos carroceiros e tropeiros. Considerado o primeiro projeto museológico dedicado
integralmente ao tema do trabalho, das artes e dos ofícios de todo o país, entende-se
que há um reconhecimento desta categoria sociocultural, em nível nacional, mas
parece que a atual gestão da capital mineira prefere ouvir os “negacionistas”.
Há ainda vários artigos, publicações, livros e teses de mestrado e de doutorado
sobre a memória, a história, os direitos e a tradição carroceira. Os racistas,
na prática, dizem: “No museu e nos livros podem estar, mas nas ruas como
cultura viva não pode”. Matar a diversidade cultural é exterminar o futuro de
uma cidade que queremos justa, fraterna, solidária, o que passa necessariamente
pela valorização e reconhecimento da imensa diversidade biocultural presente na
cidade. Tudo isso apunhalado agora por esta lei racista.
O que fazer com os milhares de animais
(cavalos, éguas, burros e mulas) que foram proibidos de integrar a comunidade
carroceira? A solução apresentada pelos que tentam criminalizar os carroceiros
tem sido a “adoção solidária”. Como proposta, os animais serão adotados por
pessoas que possuam e apresentem capacidades técnicas e econômicas suficientes
para tratar os animais. Essas “capacidades” indicam um determinado modo de
tratamento e certa visão – todas elas estritamente ligadas a uma concepção
burguesa que quer limitar o cuidado com os animais à concepção reduzida de se
ter os animais como seres enclausurados em apartamentos e castrados em nome da
docilidade e submissão. Adestramento e controle social preconizados por grupos higienistas
e racistas, aos quais as carroceiras e os carroceiros jamais se submeterão!
Esse distanciamento das múltiplas
práticas desenvolvidas pelos povos é uma concepção burguesa e absolutamente
redutora e estúpida ante a história e cultura desenvolvida na relação entre
seres humanos e animais. Serão entre 15 e 20 mil animais que não terão mais
garantias de cuidado, porque trabalhadoras e trabalhadores ainda mais
empobrecidos que agora não serão capazes de sustentar os animais. Obviamente
não se trata de uma adoção, mas de um confisco dos cavalos, parceiros
integrantes das famílias carroceiras, imprescindíveis para o trabalho diário
para garantir o pão de cada dia! Na prática, roubo dos pobres pelos ricos! A
“adoção solidária” em verdade significa o confisco dos animais cuidados pelos
empobrecidos e entregues aos economicamente ricos. Belas palavras para encobrir
um pérfido objetivo!
Carroceiras e carroceiros construíram a
história do mundo e também de Belo Horizonte. Contribuem com a limpeza urbana
e, por causa disso, devem ser reconhecidos como agentes de saúde pública e
precisam ser respeitados como Comunidade Tradicional composta por homens e
mulheres, letrados e analfabetos, carrega história e cultura e luta contra os
maus-tratos para com animais. Más atitudes de maus trabalhadores existem em
todas as profissões. Em nenhuma delas a extinção da profissão é apontada como
solução. Há maus professores, médicos, juristas, garis, padres, pastores, veterinários,
vereadores, deputados, carroceiros etc. Maus trabalhadores devem ser
monitorados, indicados para a transformação de práticas nocivas e mesmo
retirados e/ou proibidos de exercerem a profissão.
Deste modo, o Movimento das Carroceiras
e Carroceiros não nega a existência de maus-tratos, que não são a regra, e
tampouco compactua com práticas nocivas. A solução para isso está na
auto-organização daqueles que trabalham e também na constituição de políticas
públicas voltadas para boas práticas trabalhistas e em CUIDADO COM SERES
HUMANOS E ANIMAIS. Estão tentando crucificar 10.000 famílias carroceiras, mas
estas soerguerão assim como Jesus Cristo ressuscitou após ser crucificado pelos
podres poderes da religião opressora, da política imperial e do poderio
econômico dos saduceus, latifundiários da época.
Por fim, seremos enfáticos, A LUTA CARROCEIRA SE ERGUERÁ, TRANSFORMARÁ
ASFALTO EM POEIRA E OCUPARÁ AS RUAS E AVENIDAS DE TODA A BELO HORIZONTE E
REGIÃO METROPOLITANA!
A defesa do meio ambiente é justa e
necessária! Tão justa e necessária quanto a análise real das condições e
necessidades daqueles que vivem – animais humanos e não humanos – estes e todas
as outras formas de vida.
O RACISMO, o NEGACIONISMO, O ÓDIO AOS
POBRES E A COVARDIA devem ser denunciados todos os dias! Não se constrói um
futuro promissor à custa de mentiras e preconceitos. O povo pobre e trabalhador
que constrói a vida na carroça lutará sempre pelos seus direitos, que são
sagrados e necessários!
A comunidade carroceira gritará em cada
rincão dessa cidade: “A CIDADE É NOSSA
ROÇA! NOSSA LUTA É NA CARROÇA!”
Assina esta Nota:
ACCBM – Associação dos Carroceiros e Carroceiras
Unidos/as de BH e Região Metropolitana
Apoiam
a luta da Comunidade Carroceira:
- Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – CEPCT-MG
- Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONEPIR/MG
- Associação dos Carroceiros de Contagem
- Comitiva de Muladeiros de Nova Lima
- Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais – UEMG
- Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG
- CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
- Movimento de Organização de Base (MOB)
- Associação Estadual Cultural de Direitos e Defesa dos Povos Ciganos
- Cáritas Brasileira - Regional Minas Gerais
- FONSANPOTMA – Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos
Povos Tradicionais de Matriz Africana
- RENAP - Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
- Movimento Nacional de Catadores de Material Reciclável (MNCMR)
- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST/MG
- Comitê Chico Mendes
- Centro Franciscano de Defesa de Direitos
- MTD - Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos
- Fórum Político Interreligioso – Belo Horizonte – MG
- Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental –
Arquidiocese de Belo Horizonte
- Articulação Embaúba – Parteiras, Raizeiras e Benzedeiras da RMBH
- AMAU - Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana
- Coletivo de Agroecologia do Aglomerado Cabana
- Brigadas Populares
- MLB - Movimento de Luta de nos Bairros, Vilas e Favelas
- Movimento de Libertação Popular (MLP)
- INSEA (Instituto Nenuca de
Desenvolvimento Sustentável)
- Coalização Pelo Clima - BH
- Projeto Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais
– UFMG
- AUÊ – Grupo de Estudos em Agricultura Urbana – UFMG
- GESTA – Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – UFMG
- GEPTT – Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Tecnologias - CEFET
– MG
- MUTIRÓ – Núcleo de Estudos em Agroecologia – CEFET-MG/UEMG
- LEAEH – Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana -
UNIMONTES
- NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental -
UNIMONTES
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