SOB RISCOS GRAVES, POVOS TRADICIONAIS NOS MOSTRAM O CAMINHO. Por frei Gilvander Moreira[1]
Izabel Sousa, Quilombola da comunidade Quilombo da Lapinha, município de Matias Cardoso, MG, dona de uma linda e encantadora história, mestra da cultura, do batuque e dos saberes. Durante a realização do VII Colóquio Internacional de PCT’s, nos dias 12 e 13 de setembro de 2024, em sua comunidade, na “Casa Grande”, um lugar simbólico de luta e retomada do território, ela fez uma * comovente apresentação, repleta de ancestralidade, essência e beleza, de uma mulher movida por amor ao território, ao povo quilombola e à Mãe Terra. Foto: Zilah de MattosDe 9 a 13 de setembro de 2024 participamos
do histórico VII Colóquio Internacional
Povos e Comunidades Tradicionais – Primavera dos Povos Rumo à COP-30[2]:
Ancestralidade, Justiça Climática e Direitos Territoriais! Com este Tema, o
VII Colóquio aconteceu nos três primeiros dias na Unimontes[3],
em Montes Claros, norte de MG, e nos dois últimos dias, na exuberante Comunidade
Quilombola da Lapinha, que, no município de Matias Cardoso, luta pela
demarcação do seu Território Tradicional, nas barrancas do rio São Francisco no
norte de Minas Gerais, já quase na divisa com a Bahia.
Viajando de Belo Horizonte para Montes
Claros, atravessamos parte da maior monocultura de eucalipto do mundo, que
começa em Sete Lagoas, passa pelo município de Curvelo com mais de 80% do seu
território tomado por eucalipto e se estende pelo Vale do Jequitinhonha por
mais de 500 Km. Lamentavelmente, em Minas Gerais, após a devastação do Cerrado
nas carvoarias para alimentar a fome das caldeiras das siderúrgicas, no
cerrado, mãe das águas, foi implantado, a partir das décadas de 1970/80, mais
de 50% da monocultura de eucalipto do Brasil. “Eucalipto, pau certo que entorta
a vida do povo”, título de uma das muitas Cartilhas produzida da Comissão
Pastoral da Terra em Minas Gerais (CPT/MG). Monocultura de Eucalipto, vampiros
das águas que desertifica os territórios, expropria os camponeses e os expulsa
para as periferias das cidades.
Na BR 135, Rodovia João Guimarães Rosa, da
BR 040 até Montes Claros, em cerca de 300 Km, tivemos que pagar seis pedágios,
cada um a R$9,60. Total: R$57,60.
Experimentamos amputação do direito de ir e vir, garantido na Constituição de
1988, pois com as rodovias privatizadas sob concessão, elas deixam de ser bens
comuns, condições objetivas para garantir o direito de ir e vir de todas as
pessoas, e passam a ser mercadorias para empresas angariarem lucro e acumulação
de capital, o que restringe muito o direito de ir e vir do povo empobrecido,
pois as passagens ficam mais caras... É injusto além das Rodovias federais, as
estradas estaduais estarem sendo privatizadas, repassadas para concessão. O
justo é estrada feita com dinheiro do povo pelo governo federal ou pelos
governos estaduais continuar sendo bem comum que garante o direito de ir e vir
de todo o povo. Para quem pertence à pequena burguesia pagar pedágio faz
pequena diferença (Os enricados viajam de avião!), mas para o povo pobre viajar
em estradas pedagiadas fica muito mais difícil. Não podemos achar normal e
muito menos justo privatizar as estradas e pagar pedágio. Injustamente, o
desgovernador Zema está empurrando goela abaixo do povo mineiro mais um projeto
truculento, que é o Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Será mais uma autoestrada privatizada que será infraestrutura para a mineradora
Vale S/A e outras mineradoras ampliarem mineração em BH e RMBH, o que é
insuportável e insustentável socioambientalmente. 14,5 milhões de metros
quadrados de terrenos já foi desapropriado por Zema e mais de 15 mil famílias
serão desapropriadas para se construir este famigerado e megalomaníaco
Rodominério na RMBH. Os Povos e Comunidades Tradicionais não foram Consultados,
como exige a Convenção 169 da OIT[4].
Exigimos que o poder judiciário acolha as Ações Civis Públicas da Federação
Quilombola e do Ministério Público Federal que demonstram uma série de
ilegalidades no projeto do “Rodoanel” na RMBH.
No VII Colóquio, foi maravilhoso ver a
sabedoria de pessoas dos Povos e Comunidades Tradicionais, a coragem na luta
por direitos a começar da luta pela demarcação de seus territórios. Que beleza
ouvir mestres da sabedoria das lutas populares como Sr. Braulino Caetano dos
Santos, a Cacica Anália do Povo Indígena Tuxá, o Oscarino Aguiar Cordeiro, de Serranópolis,
no norte de MG e tantos outros/as. Verbalizam os saberes mais profundos da
cultura dos povos originários e tradicionais e apontam o rumo da luta pelos
territórios e por todos os direitos. Beleza também ver professores/as
pesquisadores/as comprometidos/as com a causa dos Povos Tradicionais e
produzindo conhecimento que contribui na luta pela emancipação e libertação da
mãe terra e dos seus filhos e filhas.
Dias 12 e 13 de setembro de 2024, o VII
Colóquio Internacional continuou na Comunidade Quilombola da Lapinha, em Matias
Cardoso, nas barrancas do rio São Francisco, ao lado do Parque Estadual Lagoa do
Cajueiro. Inesquecível a acolhida, a mística ancestral e a história de luta há
mais de 20 anos do Quilombo da Lapinha. Foi inesquecível e energizante ver lá
no Quilombo da Lapinha centenas de representantes de Comunidades Tradicionais –
quilombolas, indígenas de vários povos, geraizeiros/as, catingueiros/as,
groteiros/as, vazanteiros/as, pescadores/as, estudantes e professores de umas
vinte universidades do Brasil e do mundo, professores da Inglaterra, da
Alemanha, da Colômbia e Marta, que veio de Moçambique e passou uma energia
ancestral ao encontrar muitos “parentes” que foram arrancados da mãe África e
jogados nos Navios Negreiros e aqui escravizados.
Foi revoltante saber dia 12 de setembro
que o desgovernador de Minas Gerais, Romeu Zema, tinha assinado o decreto Nº 48.893. Em meio à
seca histórica e às gigantescas nuvens de fumaça que cobrem os céus do Brasil e
se chover, como uma chuva no Rio Grande do Sul, que veio com as águas tóxicas
com cinzas das queimadas, em situação de calamidade pública não declarada pelos
governos ainda, com o povo inalando fuligem invisível que se aloja nos alvéolos
pulmonares e causa sérias doenças respiratórias, o governador de Minas Gerais,
em mais um ato perverso de ataque aos Direitos dos Povos e Comunidades
Tradicionais e da Natureza, publicou dia 11/09/2024 um DECRETO, que viola o
direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia, Informada,
Consentida e de Boa-fé, e favorece o avanço dos grandes projetos do capital que
causam morte e devastação nos territórios tradicionais e compromete as
condições de vida de toda a sociedade e da biodiversidade. O Decreto em si já é
uma aberração jurídica, uma vez que a Convenção 169 da OIT da ONU[5] não precisa de
regulamentação para ser plenamente aplicada. Um decreto semelhante a este
editado pelo Governador do Pará já foi anulado. Desde 2003, quando entrou em
vigor no Brasil a Convenção 169 da OIT, suas disposições são obrigatórias e
nenhum órgão governamental pode descumpri-la ou limitar os direitos nela
abarcados. Além disso, não houve nenhuma participação ou Consulta aos Povos e
às Comunidades Tradicionais, violando o artigo 6° da mencionada Convenção. O
teor deste decreto é o praticamente o mesmo da famigerada Resolução da
SEDESE/SEMAD que foi revogada, após muita pressão dos Movimentos Sociais, Povos
e Comunidades Tradicionais. Este Decreto eivado de ilegalidades e de
inconstitucionalidades busca amordaçar e aniquilar os Direitos dos Povos e Comunidades
Tradicionais protegidos pela Convenção 169 da OIT.
Exigimos a imediata revogação e
anulação do Decreto Nº 48.893/2024, garantindo de forma plena o Direito das
Comunidades e Povos Tradicionais à sua autodeterminação. Neste momento, em que
a “terra geme em dores de parto” (Romanos 8,22), é urgente avançarmos nas lutas
concretas nos Territórios, em defesa dos Povos e das Comunidades Tradicionais e
de todos os seres vivos que formam a comunidade que nutre nossa mãe Terra. É
absurdo dos absurdos um Decreto como este em tempos de Emergência Climática. As
sirenes dos eventos extremos estão gritando de forma estridente. Revogação e
Anulação do Decreto 48.893/24, JÁ! Apelamos a todas as autoridades compromisso
com a derrubada deste brutal Decreto.
Senti e observei que as gigantescas
nuvens de fumaça causadas pelos incêndios criminosos que assolam o Brasil e
vários outros países estão mais densas em Belo Horizonte do que nas pequenas
cidades e na zona rural, no Quilombo Lapinha, por exemplo, onde se tem preservação
ambiental, o ar está menos poluído. A capital de São Paulo teve na última
semana o pior ar do mundo, a cidade mais poluída. Ou seja, os povos das grandes
cidades serão os primeiros a adoecer e a morrer na brutal “pandemia dos
incêndios”, ainda não declarada oficialmente, mas já identificada pelo Supremo
Tribunal Federal, sob a liderança do ministro Flávio Dino, que está exigindo
dos governos federal e estaduais medidas urgentes para enfrentar e superar a
“pandemia dos incêndios”.
Recordo-me da anedota do sapo que foi
colocado na panela dentro de água fria. Atiçaram fogo debaixo da panela e aos
poucos a água foi esquentando e o sapo, inicialmente curtindo a água morna, foi
se esquentando devagar, mas quando pensou em tentar se salvar já era tarde
demais. Morreu cozido pela água fervendo. Recordo também de três jovens que
foram postos para dormir em um quarto onde tinha vários botijões de gás. À
noite, após eles dormirem, iniciou-se um vazamento de gás e, eles dormindo, foram
sufocados e amanheceram o dia mortos. Enfim, irmãos e irmãs, a humanidade vive hora
gravíssima. Se não interrompermos os grandes projetos do capital – mineração
depredatória, agronegócio com monoculturas com uso indiscriminado de
agrotóxicos, trabalho escravo e tecnologia de ponta, devastação dos biomas Cerrado,
Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica, Pampas e Caatinga – seremos mortos aos
poucos, mas em velocidade que cresce em progressão geométrica.
Os Povos e Comunidades Tradicionais e
os Povos Originários (Indígenas) estão nos mostrando o caminho a seguir para
impedirmos a extinção da humanidade: preservação socioambiental, o que passa
necessariamente pela demarcação de todos os Territórios dos Povos Indígenas,
Quilombolas e outras centenas de Povos e Comunidades Tradicionais existentes no
Brasil. A idolatria do mercado em uma sociedade capitalista, máquina brutal de
moer vidas, está nos levando ao abismo. Feliz quem se converter ecologicamente
e se tornar um/a aguerrido/a militante da preservação socioambiental e do resgate
das florestas.
17/09/2024
Obs.: As
videorreportagens no link, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Viva
o Povo Palestino! Ai de Israel genocida, sionista! Grande GRITO! 30º Grito dos
Excluídos, BH/MG
2 - Quilombo
Sanhudo SEM água em Brumadinho/MG por causa de mineração. Até quando Vale S/A
vai devastar?
3 - Luta contra Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH, grande GRITO no 30º
Grito dos Excluídos, BH/MG, 07/09/24
4 - "Comunidade
Cigana Calon, São Pedro, Ibirité/MG, 15 anos no território, não aceita
despejo." Vídeo 2
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela
FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Exegese e Hermenêutica Bíblica pelo Pontifício
Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Lutas Populares.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2]
A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), será realizada
em Belém, no Pará, na Amazônia, em novembro de 2025.
[3] Universidade Estadual de Montes
Claros, MG.
[4] Organização Internacional do
Trabalho da ONU.
[5] Organização das Nações Unidas.
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