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sábado, 1 de fevereiro de 2025
NOTA DE REPÚDIO - UFOP, A ESCOLA DE MINAS ESTÁ RENDIDA ÀS
MINERADORAS? ATÉ QUANDO?
Indignados/as estamos, cidadãos e
cidadãs de Minas Gerais que entendem que uma Universidade Pública como a Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP) é patrimônio indiscutível de todos nós e deveria
com acuidade e retidão manter as pesquisas, a formação e a educação de seus estudantes
e relacionamento com a sociedade de forma participativa, colaborativa, humanizada,
respeitosa e transparente, cujos projetos, eventos científicos e atividades
acadêmicas deveriam ter compromissos voltados única e exclusivamente para os
interesses públicos e a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Isso é o
que se espera de uma Universidade Pública que é mantida com orçamento público, fruto dos impostos que o povo paga.
Criada em 1876, a Escola de Minas
deveria continuar a ser importante balaústre destes preceitos, por sua
antiguidade e sua longa história na formação acadêmica, situada ainda em sítio
histórico magnífico, considerado Patrimônio Mundial pela UNESCO, chamando para
si um importante legado científico, devido a sua grande visibilidade em nível
internacional, que deveria ser severamente prezada. A Escola de Minas é, portanto, importante
herança cultural e científica e não podemos nos calar frente a atitudes
medíocres e oportunistas que possam estar orbitando na mesma.
Causou-nos revolta e muitas indagações
uma frase, transcrita abaixo, relacionada às “orientações gerais e regras de evento
acadêmico” divulgada pela comissão organizadora para seus participantes, a ser
realizado na primeira semana de fevereiro de 2025[1], cujo print foi amplamente
divulgado nas redes sociais:
“A
Organização da XXII SEMANA DE ESTUDOS DA ESCOLA DE MINAS cujo tema é: ‘Construindo
Pontes para a Inclusão, Diversidade, Desenvolvimento Sustentável e Inovação na
Era da Tecnologia’, que ocorrerá entre os dias 03 e 07 de fevereiro de 2025, e
seus Patrocinadores, pedem aos membros presentes na mesa redonda para evitar de
trazer e comentar assuntos pertinentes sobre os acidentes dos rompimentos
das barragens de mineradoras, questões judiciais, aspectos sociais,
sobre as vítimas, questões sobre o meio ambiente e demais assuntos voltados a esse
tema”. (O grifo e caixa alta foi deles.)
Fica notória a censura e a limitação no
âmbito da discussão do tema proposto. Como debater de forma minimamente
qualificada o temário da mesa, envolvendo inclusão, diversidade e
desenvolvimento sustentável, sem mencionar os “rompimentos das barragens de
mineradoras” e “as vítimas”, por exemplo?Isto pode ser interpretado como assédio por parte dos organizadores do
evento e patrocinadores, aliás, com a anuência e complacência de seus gestores.
Não podemos permitir que tentáculos de
eventuais colaboradores e patrocinadores possam incutir em limitação de
conteúdo e metodologias de pesquisa dentro de uma instituição pública, atendendo
aos interesses privados ou de grupos empresariais, e interferir ou cercear a
formação de estudantes que deveriam ser estimulados a análises críticas,
profundas, solidárias, humanitárias e muito bem contextualizadas no âmbito
socioambiental. Pedimos respeito a todas as vítimas dos crimes/tragédias causados
pelas mineradoras.
Exigimos que todas as autoridades que têm responsabilidade a
respeito, coloquem em prática as medidas cabíveis, sejam administrativas ou judiciais, para impedir que este descalabro e esta afronta aos direitos humanos
aconteçam na UFOP. Exigimos posição da Reitoria da UFOP anulando e cancelando evento
tão danoso ao espírito crítico, plural, democrático e coletivo de uma
Universidade Pública. Solicita-se ainda que o Ministério Público Federal-MPF
apure as eventuais violações aos direitos que estão ocorrendo neste lastimável evento,
verificando a sua “programação”, que parece visar a difusão da ideologia
dominante das mineradoras e de suas empresas dentro de uma instituição pública
para jovens estudantes e pesquisadores.
Aguardamos
explicações por parte da UFOP, esperando que, de uma vez por todas, não se
permitam mais interferências de eventuais organizadores e “patrocinadores” particulares
em conteúdo e programação acadêmica em instituições públicas.
Ouro Preto, 1º de fevereiro de 2025.
Assinam
esta nota:
1
- Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais - CPT/MG
2
- Associação de Proteção Ambiental de Ouro Preto - APAOP
3
- Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - CEDEFES
4
- Unidade Popular pelo Socialismo - UP em Minas Gerais
5 - Povo Indígena Borum-Kren
6
- Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
7
- Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos (Conterra)
8
- Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários – NEPRA UNIMONTES
9
- "Escola" de Direito Agrarioambiental e da Jusdiversidade
10 - Centro Acadêmico Livre
de Medicina Márcio Galvão (CALMED), da UFOP
11 - Lucimar Muniz - Atingida pelo rompimento
da barragem de Fundão, em Mariana
12 - Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais –
GESTA, da UFMG
13 - Movimento pela Soberania Popular na
Mineração - MAM
14 - Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas –
IHGC, de Congonhas, MG
15 – Conselho Indigenista Missionário – CIMI Leste 2
16 - Associação Nacional de Ação Indigenista - ANAI
17 - Coletivo
de Teatro Político da UFOP – MOTIM
18 - Grupo de Estudos
e Pesquisas Socioambientais - GEPSA/UFOP
19 - Instituto
Guaicuy
20 - COLETIVO OUTRO
PRETO
21 - Assessoria
Jurídica Comunitária- AJC/UFOP
22 - Núcleo de
Direitos Humanos - NDH/UFOP
23 - Projeto de
extensão Direitos da Pessoa com Deficiência - DPD/NDH
24 - Projeto de
Extensão Ouvidoria Feminina - NDH
25 - Grupo de
Pesquisa: Formação de Professores Relações Étnico -Raciais e Alteridade -
Forprera-UFOP/ Cnpq
26 – Prof. Dr. Daniel
de Faria Galvão, Doutor em Direito, Professor Efetivo da
Universidade Federal do Acre
27 - Núcleo Interdisciplinar de Investigação
Socioambiental – NIISA, da UNIMONTES
28 - Associação Quadrilátero das Águas - AQUA
29 - Articulação
Metropolitana de Agricultura Urbana - AMAU
30 - Caritas
Brasileira Regional MG
31 - Núcleo de
Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Universidade Federal de Ouro Preto
(NEABI-UFOP)
32 - Núcleo de
Pesquisa e Extensão em Desenvolvimento Econômico e Social da UFOP
33 - Marcha Mundial
das Mulheres - MMM
34 - Núcleo de
Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens - NACAB
35 - Comissão
Regional de Enfrentamento a Mineração na Serra do Brigadeiro/Serra dos Puri.
36 - Partido
Comunista Brasileiro (PCB), em
Mariana
37 - Movimento pela
Universidade Popular – MUP
38 - União da
Juventude Comunista (UJC), de Mariana-Ouro Preto
39 – Projeto Juntos para
Servir, Mandatos Coletivos do Dep. Padre João Carlos e Dep. Leleco Pimentel
40 - Movimento pelas
Águas do Serro e Santo Antônio do Itambé - MG
41 - Associação Brasileira de Antropologia - ABA
Obs.: Outros Movimentos Sociais e Entidades de luta por Direitos Humanos e Socioambientais que quiserem assinar esta Nota, favor enviar e-mail para frei Gilvander - gilvanderlm@gmail.com
PLATAFORMA DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS, FERRAMENTA PARA DEMARCAÇÃO! Por frei Gilvander Moreira[1]
Curso/Encontro em Brasília, na Escola Superior do Ministério Público da União. Foto: Reprodução do site do MPF
Enquanto uma gigantesca nuvem de fumaça tinha se formado e se mantinha na maior parte do Brasil[2], adoecendo milhões de pessoas e com incêndios que incineram vivos milhões de seres vivos, em uma realidade brutal que mostra o exaurimento do modelo de sociedade capitalista, máquina brutal de moer vidas, barbárie que nos empurra para o colapso final das condições de vida no planeta Terra, neste contexto, com mais de 300 participantes, presencialmente e on-line, entre membros e servidores do Ministério Público Federal (MPF), representantes do Poder Público Federal e da sociedade civil, Movimentos Sociais, organizações não-governamentais e professores/as de Universidades, dias 17, 18 e 19 de setembro de 2024, participamos em Brasília, na Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), de um Curso/Encontro de aperfeiçoamento com o tema “Territórios tradicionais não demarcados: o que fazer?”, promovido pelo MPF, ESMPU e pelo Projeto Territórios Vivos, do MPF, coordenado pelo combativo procurador Dr. Wilson Rocha Fernandes Assis. Foi muito bom e inspirador o Curso/encontro para qualificar as lutas justas e necessárias para garantir que os Territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais sejam demarcados, o que só acontecerá com autodemarcação. “Não dá mais para esperar que o Estado cumpra sua missão constitucional”, alertam muitas lideranças de Movimentos Sociais. Sem pressão, o Estado não atua a favor dos Povos Tradicionais e do povo injustiçado em geral.
Discutimos estratégias para consolidar e ampliar uso da Plataforma de Territórios Tradicionais[3], que é um portal na internet criado para acolher a autodeclaração de Povos e Comunidades Tradicionais apresentando seus Territórios Tradicionais, inclusive. Já que o Estado está sendo mais do que omisso e moroso, mas cúmplice de quem não quer a demarcação dos Territórios Tradicionais, as Comunidades Tradicionais podem e devem apresentar ao Estado, via autodeclaração seus Territórios Tradicionais.
A Plataforma de Territórios Tradicionais é fruto de parceria entre o MPF, a Agência de Cooperação Técnica Alemã (GIZ) e o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), criado pelo presidente Lula. Elaborada e alimentada pelos Povos e Comunidades Tradicionais, a Plataforma utiliza o georreferenciamento para que as Comunidades registrem seus modos de vida, histórias, demandas, ameaças territoriais e contribuições à conservação da sociobiodiversidade. Ela também fornece um panorama da situação fundiária desses Povos no Brasil, a fim de respaldar políticas e mecanismos efetivos para a proteção dos territórios tradicionais. Atualmente, a Plataforma conta com 357 territórios cadastrados, dos quais 208 já aprovados pelo Conselho Gestor.
Se há o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é feito por autodeclaração pelos proprietários de terra, por que não há um autocadastro de Povos e Comunidades Tradicionais? Lançada em 2020, a Plataforma de Territórios Tradicionais busca preencher esta lacuna no Estado brasileiro. Além de usarem o Protocolo de Consulta, as Comunidades Tradicionais agora podem e devem se autocadastrar na Plataforma de Territórios Tradicionais para dizerem que existem e dar um passo importante na luta pela autodemarcação de seus Territórios.
Dr. Wilson Rocha, do MPF, enfatizou: “O objetivo de nosso trabalho é que o Poder Público se aproprie da Plataforma para conhecer e levar em conta os Territórios não demarcados na condução de suas políticas públicas. Precisamos observar o Enunciado 47, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que reconhece a autodeclaração territorial, e trabalhar para aprimorar a governança fundiária em nosso país no sentido de reconhecer a posse tradicional como um direito fundamental.”
No MPF, 6ª Câmara tem a missão de defender os Povos Tradicionais. E 4ª Câmara do MPF tem a tarefa de cuidar e defender as Unidades de Conservação. Os Povos e as Comunidades Tradicionais não podem ser expulsos das Unidades de Conservação, primeiro porque estavam lá muito antes da criação das Unidades de Conservação, segundo, porque não podemos aceitar um ambientalismo que exclua o direito ancestral de posse que famílias tradicionais exercem. Terceiro, a experiência demonstra que os Povos Tradicionais são guardiões das florestas, do cerrado... e não podem ser arrancados de seus espaços de vida históricos.
A Constituição Federal de 1988 prescreve a demarcação de terras indígenas e o reconhecimento de terras quilombolas.[4] Na velocidade atual, em passo de tartaruga, o Estado precisará de mais de 2.000 anos para demarcar (se demarcar!) os Territórios dos Povos e Comunidades Tradicionais. Lideranças de Povos e Comunidades Tradicionais denunciam: “Não temos direito a Escola Indígena, Quilombola, e a muitas outras políticas públicas, porque nossos Territórios não foram ainda demarcados. Demarcar os Territórios é a reivindicação mãe que viabiliza a conquista de muitos outros direitos.” Com um ano e nove meses de governo Lula, somente dez Territórios Tradicionais foram demarcados.
O MPF abrigou o Projeto Territórios Vivos que levou à construção da Plataforma para reforçar a luta dos Povos Tradicionais com Territórios não demarcados. O Enunciado 47 da 6ª Câmara do MPF estimula os procuradores do MPF a defender os direitos dos Povos Tradicionais. A ex-Procuradora Geral da República Dra. Raquel Dodge, presente na abertura do Curso/Encontro, diagnosticou: "Usando instrumentos tradicionais não temos conseguido o Reconhecimento e a Demarcação de Territórios dos Povos Tradicionais. Temos que arrumar novos instrumentos. A criação da Plataforma de Territórios não demarcados inova nesta luta justa."
Os Povos estão cansados e perigosamente correndo o risco de perderem seus Territórios não demarcados. Enquanto não emanciparmos todas as pessoas e os Povos e Comunidades Tradicionais, que passa necessariamente pela superação do aprisionamento da terra, pelo fim do cativeiro da terra[5], ou seja, acesso à terra a começar pelo campesinato e Povos e Comunidades Tradicionais, a abolição de relações sociais escravocratas estará inconclusa.
A FUNAI nos últimos anos tem devolvido dinheiro do seu orçamento, porque não consegue implementar várias políticas públicas indígenas. Em 2016, os golpistas fizeram reformas estruturantes, entre as quais a aprovação da Emenda Constitucional 95, que reduziu drasticamente o orçamento para políticas públicas, acabou com a possibilidade de o Estado realizar políticas públicas que beneficiem o povo. De 2019 a 2022, com a extrema direita no Poder Executivo Federal, houve assédio institucional que desmontou a estrutura do Estado. Há um imenso passivo a ser superado. Ledo engano esperar que o governo federal vai conseguir reconstruir o que foi desmontado, pois está manietado por um Congresso Nacional com ampla maioria de direita e de extrema direita, ou seja, inimigos dos Povos.
A história da luta dos Povos Tradicionais mostra o Estado violando os Territórios dos Povos com a implantação de Parques nacionais e estaduais e outras grandes obras de interesse do capital. A Constituição Federal (CF/88) determinou a criação de Unidades de Conservação ambiental. A ideia de espaços vazios é um mito, viabiliza colonização do cerrado e da Amazônia. A CF/88 precisa ser lida integralmente. Desde Luzia encontrada por arqueólogos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com idade estimada de 11 mil anos, o bioma Cerrado tem sido ocupado por muitos Povos Tradicionais: Sertanejos, Geraizeiros, Veredeiros, Groteiros, Pescadores, Vazanteiros, Apanhadores de flores sempre-viva etc. A Amazônia sempre foi ocupada por Povos Amazônidas Tradicionais. Nos Pampas, entre os Pampeiros estão há muitos séculos pescadores artesanais, Povos Indígenas como os Guarani, Kaingang e Charrua etc. NoPantanal vivem há séculos os Pantaneiros em uma grande diversidade cultural. Na Caatinga estão os catingueiros. Enfim, todos os Territórios sempre foram muito ocupados por muitos povos Tradicionais.
Dia 7 de fevereiro de 2007, o presidente Lula, pelo Decreto 6.040, instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais que incorpora a Convenção 169 da OIT[6]. A Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais surge para viabilizar o que prescreve o Decreto 6.040 e a Convenção 169. No Livro Comunidades imaginadas, de 1983, o pensador Benedict Richard O'Gorman Anderson discute as diferenças entre Comunidades imaginadas, idealizadas, e comunidades reais, onde as pessoas se conhecem mutuamente.
Os Povos e Comunidades Tradicionais continuam padecendo de grande invisibilidade. Só os Quilombolas entraram no censo do IBGE de 2022. A Plataforma de Territórios Tradicionais busca ampliar a visibilidade e potencializar as lutas concretas pela demarcação de seus territórios e os outros direitos. No Censo do IBGE, de 2022, em Belo Horizonte e Região Metropolitana, 6.476 pessoas se autodeclararam INDÍGENAS, em contexto urbano, desterritorializados.[7]
No Brasil, há um passado colonial capitalista que insiste em se reproduzir. Grande problema do Brasil é que somos um país sem memória. Deixar as pessoas invisíveis é ótimo para matá-las aos poucos. Faz bem assistir ao filme História de amor e fúria, do diretor Luiz Bolognesi, de 2013, com enredo que, mesclando ficção e realidade, conta a história de um homem que está vivo há 600 anos no Brasil. O protagonista passa por momentos marcantes da história do país, desde os conflitos indígenas na época da invasão dos portugueses, passando pela Balaiada, no Maranhão, pela ditadura militar de 1964 a 1985 e a guerra pela água em um futuro não tão distante em 2096, podendo ser bem antes com o avanço da Emergência Climática e dos Eventos Extremos.
Em uma sociedade capitalista com lógica colonialista, a terra e o Território deixam de ser importantes. A idolatria da vida em cidades mercantilizadas desenraiza as pessoas e as arranca do campo. Passa a valer estudar e ser mão de obra para o mercado. Meu pai José Moreira de Souza, sempre dizia diante de convites para deixar o campo e ir morar na cidade: “Nasci na roça e na roça vou morrer.” Com esta determinação, terminou seus dias aqui na Terra, na beira do rio Claro, em Arinos, MG.
Plataforma de Territórios Tradicionais: que beleza! A terra é matriz do poder. No sistema capitalista quem manda são as grandes empresas transnacionais, tais como Nestlé, Bayer, Bradesco, Vale S A, entre outras. A comida envenenada servida ao povo brasileiro com exagero de agrotóxico e os enlatados estão gerando pessoas com ansiedade. Falta-nos a alimentação de verdade dos Territórios Tradicionais. Comida de verdade era a feita pela vovó a partir das hortas agroecológicas.
Precisamos de um novo mote de mobilização de lutas concretas por direitos. A educação no Brasil tem que ser diversa, com vários Ministérios da Educação e Cultura (MECs). A Corte Interamericana de Direitos humanos fala em muitos julgados de Direitos Territoriais e não de direito de propriedade. O poeta Olavo Bilac advertia: "Não se curve nem diante de seus pais". Não se curve diante de quem ameaça seus direitos.
Sem Territórios, os Povos e Comunidades Tradicionais não serão solução para frear as brutais mudanças climáticas. Os custos socioambientais e os prejuízos dos grandes projetos do capital foram sempre jogados sobre os Povos e a Natureza. Emitir título de propriedade coletiva não é garantia jurídica. É preciso autodemarcação e soberania sobre o Território.
A Procuradoria Geral da República afirma no enunciado 47: "A autodeclaração é legítima e gera direitos que devem ser respeitados". A posse tradicional é imprescindível, é direito que precisa ter primazia sobre o direito de propriedade.
Existem 45 milhões de terras públicas na Amazônia que ainda não foram destinadas. Serão destinadas para quem? Para Povos e Comunidades Tradicionais? O Governo Lula quer destinar 30 milhões de hectares de terras públicas para Comunidades Tradicionais, seguindo a Lei de Florestas Públicas, de 2006. Há terras públicas da União, estadual e privadas em Territórios Tradicionais. Que se abra a matrícula para as Comunidades Tradicionais!
Identificar sítios arqueológicos ajuda a proteger os Territórios Tradicionais. O IPHAN[8] precisa se dedicar a identificar os sítios históricos e arqueológicos.
A ausência de demarcação é uma brutal violência. A falta de reconhecimento e demarcação das terras dos Povos tradicionais têm provocado o aumento de violência contra os legítimos donos dos territórios. Existem de 500 lideranças populares em Programas de Proteção só no programa nacional.
O jurista e advogado Carlos Marés aponta: "A primeira consequência do direito de existir é o direito à territorialidade." Os Povos Tradicionais lutam pelos territórios para garantir o direito à territorialidade. A autodefinição, autodeclaração é direito exclusivo dos Povos. Nenhum outro tem poder para dizer se o povo existe ou não. Ninguém pode exigir critérios para definir Povos. A autodeclaração dos Povos com seus Territórios é uma ótima forma de fortalecer a conservação e a preservação dos territórios. A autodeclaração é uma injunção e não uma alternativa. O Estado e a sociedade devem reconhecer e pronto. Uma idosa quilombola: "Eu vou morrer sem vocês reconhecerem nosso Território? Nós já o autorreconhecemos."
Dra. Edelamare Melo, subprocuradora do Ministério Público do Trabalho, presente no Curso/Encontro: "Temos que repensar a noção de trabalho, pois trabalho escravo contemporâneo acontece não apenas em relação formal de contrato, mas a negação do direito aos Territórios gera uma escravização dos Povos e Comunidades Tradicionais."
De Povos extintos há também Territórios Tradicionais não habitados que são sagrados, que devem ser preservados.
A cúpula do MPF precisa ser mais comprometida e dedicar um número maior de procuradores para defender os Povos e Comunidades Tradicionais. Não podem ser só 45 no Brasil, menos de dois por estado. Não pode continuar priorizando o criminal.
24/09/2024
Obs.: As videorreportagens no link, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Dr. Wilson Rocha, do MPF, no Quilombo Lapinha: "Plataforma de Territórios Tradicionais, ferramenta"
2 - Dr. Wilson Rocha/MPF Plataforma de Territórios Tradicionais no Quilombo Lapinha, VII Colóquio. v.11
3 - “PLATAFORMA DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS, LUTAS NO PA E MG”, Quilombo Lapinha no VII Colóquio. Vídeo8
4 - Marta, de Moçambique; Universidades e Crianças no Quilombo Lapinha, no VII Colóquio Inter. Vídeo 18
5 - Na Ilha da Ressaca indo p rio São Francisco, Zilah: luta do Quilombo Lapinha, VII Colóquio. Vídeo 17
6 - Isabel, quilombola da Lapinha: “Sou mulher da roça, desta terra não saio...” VII Colóquio. Vídeo 16
7 - História emocionante do Quilombo Lapinha, por Manoel, Leninha: VII Colóquio Internacional. Vídeo 15
[1]Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese e Hermenêutica Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Lutas Populares. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Imagens da NASA via satélites mostrou a maior parte do Brasil coberto por nuvem de fumaça, dia 16/09/24.
SOB RISCOS
GRAVES, POVOS TRADICIONAIS NOS MOSTRAM O CAMINHO. Por frei Gilvander Moreira[1]
Izabel Sousa, Quilombola da comunidade Quilombo da Lapinha, município de Matias Cardoso, MG, dona de uma linda e encantadora história, mestra da cultura, do batuque e dos saberes. Durante a realização do VII Colóquio Internacional de PCT’s, nos dias 12 e 13 de setembro de 2024, em sua comunidade, na “Casa Grande”, um lugar simbólico de luta e retomada do território, ela fez uma * comovente apresentação, repleta de ancestralidade, essência e beleza, de uma mulher movida por amor ao território, ao povo quilombola e à Mãe Terra. Foto: Zilah de Mattos
De 9 a 13 de setembro de 2024 participamos
do histórico VII Colóquio Internacional
Povos e Comunidades Tradicionais – Primavera dos Povos Rumo à COP-30[2]:
Ancestralidade, Justiça Climática e Direitos Territoriais! Com este Tema, o
VII Colóquio aconteceu nos três primeiros dias na Unimontes[3],
em Montes Claros, norte de MG, e nos dois últimos dias, na exuberante Comunidade
Quilombola da Lapinha, que, no município de Matias Cardoso, luta pela
demarcação do seu Território Tradicional, nas barrancas do rio São Francisco no
norte de Minas Gerais, já quase na divisa com a Bahia.
Viajando de Belo Horizonte para Montes
Claros, atravessamos parte da maior monocultura de eucalipto do mundo, que
começa em Sete Lagoas, passa pelo município de Curvelo com mais de 80% do seu
território tomado por eucalipto e se estende pelo Vale do Jequitinhonha por
mais de 500 Km. Lamentavelmente, em Minas Gerais, após a devastação do Cerrado
nas carvoarias para alimentar a fome das caldeiras das siderúrgicas, no
cerrado, mãe das águas, foi implantado, a partir das décadas de 1970/80, mais
de 50% da monocultura de eucalipto do Brasil. “Eucalipto, pau certo que entorta
a vida do povo”, título de uma das muitas Cartilhas produzida da Comissão
Pastoral da Terra em Minas Gerais (CPT/MG). Monocultura de Eucalipto, vampiros
das águas que desertifica os territórios, expropria os camponeses e os expulsa
para as periferias das cidades.
Na BR 135, Rodovia João Guimarães Rosa, da
BR 040 até Montes Claros, em cerca de 300 Km, tivemos que pagar seis pedágios,
cada um a R$9,60.Total: R$57,60.
Experimentamos amputação do direito de ir e vir, garantido na Constituição de
1988, pois com as rodovias privatizadas sob concessão, elas deixam de ser bens
comuns, condições objetivas para garantir o direito de ir e vir de todas as
pessoas, e passam a ser mercadorias para empresas angariarem lucro e acumulação
de capital, o que restringe muito o direito de ir e vir do povo empobrecido,
pois as passagens ficam mais caras... É injusto além das Rodovias federais, as
estradas estaduais estarem sendo privatizadas, repassadas para concessão. O
justo é estrada feita com dinheiro do povo pelo governo federal ou pelos
governos estaduais continuar sendo bem comum que garante o direito de ir e vir
de todo o povo. Para quem pertence à pequena burguesia pagar pedágio faz
pequena diferença (Os enricados viajam de avião!), mas para o povo pobre viajar
em estradas pedagiadas fica muito mais difícil. Não podemos achar normal e
muito menos justo privatizar as estradas e pagar pedágio. Injustamente, o
desgovernador Zema está empurrando goela abaixo do povo mineiro mais um projeto
truculento, que é o Rodoanel na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Será mais uma autoestrada privatizada que será infraestrutura para a mineradora
Vale S/A e outras mineradoras ampliarem mineração em BH e RMBH, o que é
insuportável e insustentável socioambientalmente. 14,5 milhões de metros
quadrados de terrenos já foi desapropriado por Zema e mais de 15 mil famílias
serão desapropriadas para se construir este famigerado e megalomaníaco
Rodominério na RMBH. Os Povos e Comunidades Tradicionais não foram Consultados,
como exige a Convenção 169 da OIT[4].
Exigimos que o poder judiciário acolha as Ações Civis Públicas da Federação
Quilombola e do Ministério Público Federal que demonstram uma série de
ilegalidades no projeto do “Rodoanel” na RMBH.
No VII Colóquio, foi maravilhoso ver a
sabedoria de pessoas dos Povos e Comunidades Tradicionais, a coragem na luta
por direitos a começar da luta pela demarcação de seus territórios. Que beleza
ouvir mestres da sabedoria das lutas populares como Sr. Braulino Caetano dos
Santos, a Cacica Anália do Povo Indígena Tuxá, o Oscarino Aguiar Cordeiro, de Serranópolis,
no norte de MG e tantos outros/as. Verbalizam os saberes mais profundos da
cultura dos povos originários e tradicionais e apontam o rumo da luta pelos
territórios e por todos os direitos. Beleza também ver professores/as
pesquisadores/as comprometidos/as com a causa dos Povos Tradicionais e
produzindo conhecimento que contribui na luta pela emancipação e libertação da
mãe terra e dos seus filhos e filhas.
Dias 12 e 13 de setembro de 2024, o VII
Colóquio Internacional continuou na Comunidade Quilombola da Lapinha, em Matias
Cardoso, nas barrancas do rio São Francisco, ao lado do Parque Estadual Lagoa do
Cajueiro. Inesquecível a acolhida, a mística ancestral e a história de luta há
mais de 20 anos do Quilombo da Lapinha. Foi inesquecível e energizante ver lá
no Quilombo da Lapinha centenas de representantes de Comunidades Tradicionais –
quilombolas, indígenas de vários povos, geraizeiros/as, catingueiros/as,
groteiros/as, vazanteiros/as, pescadores/as, estudantes e professores de umas
vinte universidades do Brasil e do mundo, professores da Inglaterra, da
Alemanha, da Colômbia e Marta, que veio de Moçambique e passou uma energia
ancestral ao encontrar muitos “parentes” que foram arrancados da mãe África e
jogados nos Navios Negreiros e aqui escravizados.
Foi revoltante saber dia 12 de setembro
que o desgovernador de Minas Gerais, Romeu Zema, tinha assinado o decreto Nº 48.893. Em meio à
seca histórica e às gigantescas nuvens de fumaça que cobrem os céus do Brasil e
se chover, como uma chuva no Rio Grande do Sul, que veio com as águas tóxicas
com cinzas das queimadas, em situação de calamidade pública não declarada pelos
governos ainda, com o povo inalando fuligem invisível que se aloja nos alvéolos
pulmonares e causa sérias doenças respiratórias, o governador de Minas Gerais,
em mais um ato perverso de ataque aos Direitos dos Povos e Comunidades
Tradicionais e da Natureza, publicou dia 11/09/2024 um DECRETO, que viola o
direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia, Informada,
Consentida e de Boa-fé, e favorece o avanço dos grandes projetos do capital que
causam morte e devastação nos territórios tradicionais e compromete as
condições de vida de toda a sociedade e da biodiversidade. O Decreto em si já é
uma aberração jurídica, uma vez que a Convenção 169 da OIT da ONU[5] não precisa de
regulamentação para ser plenamente aplicada. Um decreto semelhante a este
editado pelo Governador do Pará já foi anulado. Desde 2003, quando entrou em
vigor no Brasil a Convenção 169 da OIT, suas disposições são obrigatórias e
nenhum órgão governamental pode descumpri-la ou limitar os direitos nela
abarcados. Além disso, não houve nenhuma participação ou Consulta aos Povos e
às Comunidades Tradicionais, violando o artigo 6° da mencionada Convenção. O
teor deste decreto é o praticamente o mesmo da famigerada Resolução da
SEDESE/SEMAD que foi revogada, após muita pressão dos Movimentos Sociais, Povos
e Comunidades Tradicionais. Este Decreto eivado de ilegalidades e de
inconstitucionalidades busca amordaçar e aniquilar os Direitos dos Povos e Comunidades
Tradicionais protegidos pela Convenção 169 da OIT.
Exigimos a imediata revogação e
anulação do Decreto Nº 48.893/2024, garantindo de forma plena o Direito das
Comunidades e Povos Tradicionais à sua autodeterminação. Neste momento, em que
a “terra geme em dores de parto” (Romanos 8,22), é urgente avançarmos nas lutas
concretas nos Territórios, em defesa dos Povos e das Comunidades Tradicionais e
de todos os seres vivos que formam a comunidade que nutre nossa mãe Terra. É
absurdo dos absurdos um Decreto como este em tempos de Emergência Climática. As
sirenes dos eventos extremos estão gritando de forma estridente. Revogação e
Anulação do Decreto 48.893/24, JÁ! Apelamos a todas as autoridades compromisso
com a derrubada deste brutal Decreto.
Senti e observei que as gigantescas
nuvens de fumaça causadas pelos incêndios criminosos que assolam o Brasil e
vários outros países estão mais densas em Belo Horizonte do que nas pequenas
cidades e na zona rural, no Quilombo Lapinha, por exemplo, onde se tem preservação
ambiental, o ar está menos poluído. A capital de São Paulo teve na última
semana o pior ar do mundo, a cidade mais poluída. Ou seja, os povos das grandes
cidades serão os primeiros a adoecer e a morrer na brutal “pandemia dos
incêndios”, ainda não declarada oficialmente, mas já identificada pelo Supremo
Tribunal Federal, sob a liderança do ministro Flávio Dino, que está exigindo
dos governos federal e estaduais medidas urgentes para enfrentar e superar a
“pandemia dos incêndios”.
Recordo-me da anedota do sapo que foi
colocado na panela dentro de água fria. Atiçaram fogo debaixo da panela e aos
poucos a água foi esquentando e o sapo, inicialmente curtindo a água morna, foi
se esquentando devagar, mas quando pensou em tentar se salvar já era tarde
demais. Morreu cozido pela água fervendo. Recordo também de três jovens que
foram postos para dormir em um quarto onde tinha vários botijões de gás. À
noite, após eles dormirem, iniciou-se um vazamento de gás e, eles dormindo, foram
sufocados e amanheceram o dia mortos. Enfim, irmãos e irmãs, a humanidade vive hora
gravíssima. Se não interrompermos os grandes projetos do capital – mineração
depredatória, agronegócio com monoculturas com uso indiscriminado de
agrotóxicos, trabalho escravo e tecnologia de ponta, devastação dos biomas Cerrado,
Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica, Pampas e Caatinga – seremos mortos aos
poucos, mas em velocidade que cresce em progressão geométrica.
Os Povos e Comunidades Tradicionais e
os Povos Originários (Indígenas) estão nos mostrando o caminho a seguir para
impedirmos a extinção da humanidade: preservação socioambiental, o que passa
necessariamente pela demarcação de todos os Territórios dos Povos Indígenas,
Quilombolas e outras centenas de Povos e Comunidades Tradicionais existentes no
Brasil. A idolatria do mercado em uma sociedade capitalista, máquina brutal de
moer vidas, está nos levando ao abismo. Feliz quem se converter ecologicamente
e se tornar um/a aguerrido/a militante da preservação socioambiental e do resgate
das florestas.
17/09/2024
Obs.: As
videorreportagens no link, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Viva
o Povo Palestino! Ai de Israel genocida, sionista! Grande GRITO! 30º Grito dos
Excluídos, BH/MG
2 - Quilombo
Sanhudo SEM água em Brumadinho/MG por causa de mineração. Até quando Vale S/A
vai devastar?
3 - Luta contra Rodoanel/RODOMINÉRIO na RMBH, grande GRITO no 30º
Grito dos Excluídos, BH/MG, 07/09/24
4 - "Comunidade
Cigana Calon, São Pedro, Ibirité/MG, 15 anos no território, não aceita
despejo." Vídeo 2
[1]Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela
FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Exegese e Hermenêutica Bíblica pelo Pontifício
Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI e Lutas Populares.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2]
A 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), será realizada
em Belém, no Pará, na Amazônia, em novembro de 2025.
Comunidade Quilombola da Lapinha, em Matias Cardoso, no norte de MG, recebendo o VII Colóquio Internacional Povos e Comunidades Tradicionais. Foto reprodução CAA.NM
Em meio à seca histórica e às fumaças
que cobrem os céus do Brasil, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, em mais
um ato perverso de ataque aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e
da Natureza, publicou, no dia 11 de setembro de 2024, o Decreto nº 48.893/2024,
que viola o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre,
Prévia, Informada e de Boa-fé, e, favorece o avanço dos grandes projetos do
capital que causam morte e devastação nos territórios tradicionais e compromete
as condições de vida de toda a sociedade e da biodiversidade. O Decreto em si já é uma aberração jurídica,
uma vez que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) não
precisa de regulamentação para ser plenamente aplicada. Um Decreto semelhante a
este editado pelo Governador do Pará já foi anulado. Desde 2003, quando entrou
em vigor no Brasil o Tratado Internacional da Convenção 169 da OIT, suas
disposições são obrigatórias e nenhum órgão governamental pode descumpri-la ou
limitar os direitos nela abarcados. Além disso, não houve nenhuma participação
ou consulta às Comunidades, violando o artigo 6° da mencionada Convenção. O
teor deste decreto é praticamente o mesmo da Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD Nº
1, de 4 de abril de 2022, que foi revogada, após muita pressão dos Movimentos
Sociais, Povos e Comunidades Tradicionais. Este Decreto eivado de ilegalidades
e de inconstitucionalidades busca amordaçar e aniquilar os direitos dos Povos e
Comunidades Tradicionais protegidos pela Convenção 169 da OIT.
Destacamos outros pontos críticos e
inaceitáveis do Decreto:
1.Limita
o direito à Consulta Prévia somente aos Povos Indígenas, Comunidades
Quilombolas e Comunidades e Povos Tradicionais certificadas, pela Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Fundação Cultural Palmares ou pela
Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais de MG. De forma similar, cria nova definição de territórios
tradicionais condicionada à sua efetiva titulação e reconhecimento pelo Estado,
violando mais uma vez o direito à autodeterminação dos Povos e Comunidades
Tradicionais.
2.Nega
o direito de Consulta às Comunidades e Povos Tradicionais, cujos Territórios
estejam localizados em áreas urbanas consolidadas. Isso afeta diretamente
centenas de comunidades localizadas em zonas urbanas, como Povos de Terreiro,
Indígenas em situação urbana, Acampamentos Ciganos e Comunidades Carroceiras.
Particularmente, esse aspecto do Decreto favorece o avanço do licenciamento do
Rodoanel (o famigerado Rodominério!) na Região Metropolitana de Belo Horizonte,
afetando imediatamente o direito e os territórios de centenas de comunidades.
3.Transfere
às empresas a responsabilidade de realização da Consulta, no caso de projetos
da iniciativa privada. Além de ser uma grave violação ao que determina a
Convenção 169, isto poderá aumentar ainda mais a violência e assédio das
empresas sobre os territórios.
4.O
Decreto também condiciona a exigência da realização de Consulta às situações em
que os territórios estejam no máximo a 3 Km de distância dos empreendimentos,
ignorando os impactos sistêmicos e difusos dos empreendimentos, seja pela
circulação e fluxos do ar, das águas e das espécies nos territórios.
Não se pode ignorar a relação do Decreto
com o contexto atual da política do Governo Zema, no qual o Governo apoia o
avanço da mineração predatória, que tem por alvo, em grande medida, explorar
áreas de Territórios Tradicionais, em diversas regiões do estado. Este Decreto
é para “passar a boiada”.
Diante de tantas violações, reafirmamos
nosso compromisso em garantir que os Povos e Comunidades Tradicionais tenham
acesso à informação e possam participar ativamente dos processos que impactam
seus modos de vida e exigimos a imediata
revogação do Decreto Nº 48.893/2024, garantindo de forma plena o Direito
das Comunidades e Povos Tradicionais à sua autodeterminação. Neste momento, em
que a “terra geme em dores de parto” (Cf. Rm 8,22), é urgente avançarmos nas
lutas concretas nos territórios, em defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais
e de todos os seres vivos que formam a comunidade que nutre nossa mãe Terra.
Portanto, é absurdo um Decreto como este em tempos de Emergência Climática. As
sirenes dos eventos extremos estão gritando de forma estridente. Revogação e Anulação do Decreto
48.893/2024, JÁ! Apelamos a todas as autoridades compromisso com a
derrubada deste brutal Decreto.
Assinam esta carta:
1.Comissão Pastoral da Terra - Minas Gerais
(CPT/MG)
2.Conselho Pastoral dos Pescadores - Minas
Gerais (CPP/MG)
3.Pastoral da Juventude Rural - Minas
Gerais (PJR)
4.Conselho Indigenista Missionário - Regional
Leste (CIMI)
5.Cáritas Brasileira –Regional Minas
Gerais
6.Rede Igrejas e Mineração - Minas
Gerais
7.Centro de Documentação Eloy Ferreira
da Silva (CEDEFES)
8.Irmãs Franciscanas Missionárias
Diocesanas da Encarnação
9.Ação Franciscana de Ecologia e
Solidariedade (AFES)
10.Serviço Interfranciscano de Justiça,
Paz e Ecologia (SINFRAJUPE)
11.Sociedade Brasileira de Etnobiologia
eEtnoecologia
12.Grupo de Pesquisa de Educação Popular
PluriEtnoDecolonial-UNIMONTES
13.Núcleo de Estudos e Pesquisas
Regionais e Agrários - UNIMONTES
14.Observatório dos Vales e do Semiárido
Mineiro - UFVJM
15.Observatório Fundiário do Vale do
Jequitinhonha - UEMG Diamantina
16.Kaipora-Laboratório de Estudos Bioculturais
- UEMG Ibirité
17.Movimento dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Campo (MTC)
18.Movimento pela Soberania Popular na
Mineração (MAM)
19.Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST/MG)
20.Movimento de Ressurgência Purí-MRP
Serra dos Purí
21.Povos e Comunidades Tradicionais de
Religião Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA)
22.Associação Nacional de Ação
Indigenista (ANAI)
23.Terra de Direitos
24.“Escola” de Direito Agrariambientale
da Jusdiversidade–Montes Claros
25.Legião de Assistência Recuperadora
-LAR
26.Setor Ambiental do vicariato
Episcopal para ação social, política e ambiental da Arquidiocese de Belo
Horizonte – VEASPAM
27.Saberes do Território, organização da sociedade civil para salvaguarda da sociobiodiversidade na região dos Inconfidentes .
28. FONSANPOTMA
29. Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e
Espírito Santo - APOINME
30. Coletivo de Implantação do Campus Quilombo Minas Novas do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais - IFNMG
31. Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular
Obs.: Outras “organizações, entidades e Movimentos
Sociais que quiserem assinar esta Carta Aberta de Repúdio, favor enviar nome e e-mail
para frei Gilvander – gilvanderlm@gmail.com