Pesquisa
e ciência neutras?
Por Gilvander Moreira[1]
Fez parte da dominação imperialista a afirmação de
uma ciência neutra, pura, apolítica, pretensamente objetiva, portadora de uma
verdade única e universal e não comprometida com a causa das classes (super)exploradas.
Afirmar a neutralidade da ciência é uma forma de tergiversar sobre o
compromisso conservador que as universidades via de regra têm. Assim, muitas
vezes, pesquisa-se para manter e reproduzir o sistema estabelecido opressor.
Entretanto, “com o marxismo, começou a batalha pelo desmascaramento do discurso
pretensamente neutro e objetivo presente no positivismo e no empirismo lógico,
e mesmo no historicismo” (OLIVEIRA, 2004, p. 33). E a partir da década de 1980,
“os cientistas sociais se veem na contingência de tomar partido, de colocarem
com urgência a que interesses sociais e políticos servem. Como nos tempos de
Hitler, os cientistas que guardam silêncio ou pretendem ser neutros estão, na
prática, tão comprometidos com as atrocidades do sistema vigente como aqueles
que o fazem conscientemente” (BONILLA et al., 1987, p. 135).
No contexto dos Anos de Chumbo, no Brasil, de 1964
a 1979, a partir dos militantes que resistem às investidas do capitalismo,
surgem os conceitos de “compromisso”, de “inserção”, junto às classes oprimidas
pesquisando e somando forças nas suas lutas emancipatórias. “A inserção, como
técnica, incorpora o investigador aos grupos populares, não mais de acordo com
a antiga relação exploradora de “sujeito e objeto”, mas valorizando a parcela
de contribuição dos grupos quanto à informação e interpretação, bem como seu
direito ao uso dos dados e de outros elementos adquiridos na investigação”
(BONILLA et al., 1987, p. 138).
Uma das raízes da pesquisa participativa está na
ideia de compromisso – uma questão ética - com as classes oprimidas na luta
coletiva para superar de forma justa seus problemas – injustiças perpetradas
pelo capitalismo ao (super)explorar a classe trabalhadora e também o
campesinato pela extração ampliada de mais-valia. Com opção de classe busca-se
compreender os problemas para resolvê-los de forma emancipatória. Esse
compromisso com a opção pelos pobres levou muitos intelectuais que pouco leram
Marx a desenvolver metodologias semelhantes às dele. Citamos como exemplo,
Paulo Freire, o biblista Carlos Mesters e o sociólogo Orlando Fals Borda.
Mesmo que seja analfabeto e não tenha conhecimento
formal erudito, ninguém é ignorante, pois nas relações humanas se ensina e se
aprende. Toda pessoa camponesa injustiçada, mas de pé na luta coletiva, “é dona
de uma rica experiência de luta, conhece inúmeros modos e maneiras de aprender,
sobreviver e se defender; participa amiúde de uma memória coletiva, que forma
uma base ideológica e cultural respeitável e, portanto, compreende que qualquer
passo adiante que se pretenda dar deve estar afiançado por este conhecimento já
existente” (BONILLA et al., 1987, p. 146).
A pesquisa participante não é um instrumental
pronto e acabado, precisa ser repensada permanentemente, sempre em busca de
emancipação humana, mas ela nunca reivindicará uma pretensa neutralidade
científica e política. “A pesquisa participante se situa entre as correntes das
ciências sociais que rejeitam a chamada neutralidade científica e partem do
princípio de que a investigação deve servir a determinados setores sociais,
buscando uma resposta coerente que permita, por um lado, socializar o
conhecimento e, por outro, democratizar os processos de investigação e educação”
(GIANOTTEN; WIT, 1987, p. 158).
Qualquer atividade humana, até uma pesquisa
caracterizada como estritamente acadêmica, por ser intervenção na realidade,
transforma a realidade de alguma forma, seja para emancipar ou para reproduzir
relações materiais objetivas de desigualdade. A questão não é em si buscar transformar
a realidade, mas com que objetivo, com
qual utopia e como. Não podemos recair em cientificismo, nem em dualismos,
nem em dicotomias, nem em academicismo, nem em sacralização do senso comum, que
é ambíguo, muitas vezes contraditório, e diferente de bom-senso. Não recair
também nem em romantismo ou basismo, que é o “que sustenta que o povo tem todas
as respostas porque dispõe do verdadeiro conhecimento, sacralizando assim o
poder popular” (GIANOTTEN; WIT, 1987, p. 164). Nas entranhas de um contexto de
crise teórica e de avanço das forças do capital, a pesquisa participante nasceu
fora da universidade, melhor dizendo, “quase sempre à margem das universidades
e de seu universo científico” (BRANDÃO; STRECK, 2006, p. 29). Na pesquisa participante
exige-se relação de confiança entre sujeito pesquisador e o sujeito pesquisado.
Da pesquisa participante faz parte a copesquisa, segundo a qual “teoria e
prática se distinguem, mas não se separam. Não há teoria que não esteja nutrida
de práticas, nem prática que não seja animada por teorias. É caso de perceber
os atravessamentos. A prática eficaz pode ajudar a mobilizar teorias até então
infecundas, tanto quanto uma boa teoria pode desbloquear práticas ineficazes.
Uma prática pura é tão impossível quanto uma teoria pura. Erros simétricos:
voluntarismo e intelectualismo. Teoria e prática que não se percebem entre si
significam teoria ruim e prática ineficaz” (CAVA, no artigo Copesquisa, 2012,
na internet).[2]
A copesquisa se faz “entre sujeitos abertos à
mudança de perspectiva. Nesse sentido, ela é perspectivista. O portador do
método dispara uma perspectiva de emancipação. À tendência descritiva ou
sociológica, tem-se uma tendência política voltada à ruptura” (CAVA, 2012, na
internet).[3]
Queremos, sim, ruptura com o latifúndio – território acima de 15 módulos
fiscais -, essa arma mortífera nas mãos dos quem detêm a propriedade
capitalista da terra e, por isso, pela renda da terra violenta o campesinato e
também a classe trabalhadora na cidade. Copesquisa é pesquisa das lutas na
luta, pesquisa militante onde os saberes são vivos, porque sustentam processos
emancipatórios que se dão na constituição de subjetividades revolucionárias. O
que interessa é a materialidade da luta pela terra. Por exemplo, a contradição
latifundiário versus camponês,
acontece não por má intenção, mas por controlar a propriedade capitalista da
terra - um dos meios de produção, - o latifundiário explora expropriando o
camponês, por causa de condições históricas materiais que são forjadas a partir
do momento que uns são proprietários e a maioria das pessoas, não.
Referências.
BONILLA,
Victor Daniel. CASTILLO, Gonzalo; BORDA, Orlando Fals; LIBREROS, Augusto. Causa
popular, ciência popular: uma metodologia do conhecimento científico através da
ação. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.).
Repensando a pesquisa participante. 3ª edição. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
BRANDÃO,
Carlos Rodrigues; STRECK, Danilo R. (Org.). Pesquisa participante: o saber da partilha. 2ª edição.
Aparecida/SP: Ideias & Letras, 2006.
GIANOTTEN,
Vera; WIT, Ton de. Pesquisa participante em um contexto de economia camponesa.
In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando
a pesquisa participante. 3ª edição. São
Paulo: Brasiliense, 1987.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de.
Geografia Agrária: perspectivas no início do século XXI. In: OLIVEIRA,
Ariovaldo Umbelino de; MARQUES, Marta Inez Medeiros (Orgs. ). O Campo no século XXI: território de vida,
de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Casa Amarela e Paz e
Terra, p. 29-70, 2004.
Belo
Horizonte, MG, 11/9/2018.
Obs.: Os vídeos, abaixo,
ilustram o texto, acima.
1
-
24º Grito dos Excluídos em Belo Horizonte/MG - 1ª Parte - 07/9/2018.
2
-
Vida em primeiro lugar/24º Grito dos Excluídos/BH/MG - 2ª Parte - 07/9/2018.
3 -
Incêndio/Museu Nacional/RJ: Descaso com a história/Dra. Alenice/Merong e
Marinalva, Kamakã/03/9/2018.
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
[3] Ibidem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário