quarta-feira, 31 de outubro de 2018

CARTA DE JEQUITIBÁ: Povos Tradicionais de um Rio




CARTA DE JEQUITIBÁ: Povos Tradicionais de um Rio
No dia 08 de setembro de 2018 durante o FestiVelhas: Festival de Arte e Cultura do Rio das Velhas, ocorrido na cidade de Jequitibá na ocasião do 30º Festival de Folclore,  aconteceu uma roda de conversa organizada pelo Projeto Manuelzão/UFMG, que tratou sobre os “Povos Tradicionais de um Rio”. Além de inúmeros participantes, destaca-se a presença de representantes indígenas, quilombolas, povos de terreiro, carroceiros, tropeiros, agricultores familiares e benzedeiros.
O encontro foi muito rico valorizando os povos tradicionais e a sua relação harmoniosa com o ambiente. Essas tradições muitas vezes são invisibilizadas, assim como a maioria dos cursos d’água da cidade, como se fossem um entrave ao progresso. Mas, no entanto, os relatos e as práticas demonstram grandes preocupações com as questões ambientais, dos animais e das águas também no ambiente urbano. Nos dias atuais ainda existem números expressivos dessas populações nas periferias dos grandes centros e cidades, e acreditamos na importância do seu reconhecimento.
Esta carta vem reiterar o reconhecimento e o apoio do Projeto Manuelzão à luta das comunidades tradicionais e o direito à dignidade e às diferenças compreendendo que estes povos são os verdadeiros guardiões e protetores da biodiversidade do vale e de suas sagradas águas – munida de um rico patrimônio imaterial, saber-fazer, memórias vividas e compartilhadas.
Sabe-se que foi a partir da luta dos povos tribais e comunidades tradicionais de todo o planeta, que foi construído um arcabouço jurídico internacional que deu sustentação à elaboração de políticas públicas e de gestão voltadas para os direitos humanos e para a alteridade cultural em vários países da América Latina.  O Brasil, em 2004, ratifica, a emblemática Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT de 1989, que reconhece como critério fundamental os elementos de autoidentificação dos povos e das comunidades tradicionais, bem como, o conceito de terras tradicionalmente ocupadas aliado à noção de territorialidades específicas e etnicamente construídas.
A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial adotada em Paris em evento promovido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-UNESCO, reitera, por sua vez, o respeito ao patrimônio cultural imaterial das comunidades tradicionais, grupos e indivíduos envolvidos, tendo sido em 2006, adotada pelo Brasil por meio do Decreto n o 5.753 de 12 de abril de 2006.
Cita-se ainda a importante Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, assinada em Paris em 20 de outubro de 2005, que reconhece a natureza específica de atividades tradicionais, bens e serviços culturais enquanto portadores de identidades, valores e significados.
Merece também destaque o Decreto n. 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,  que  estabelece como objetivo geral o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia de seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, seus conhecimentos tradicionais, suas relações de manejo e interação com a  natureza, suas formas de organização socioambiental e suas instituições.
Nutrindo-se do arcabouço legal, ético e normativo acima mencionado, enumera-se abaixo, as principais proposições e orientações do evento:
Lamentou-se profundamente o gravíssimo incêndio ocorrido no dia 02 de setembro de 2018, na edificação histórica tombada, sede do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro-RJ, que destruiu um acervo magnífico e inigualável, estimado em aproximadamente vinte milhões de itens das áreas da mineralogia, petrologia, paleontologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia, provenientes de várias partes do país e do mundo. Destacamos a perda imensurável de vestígios parciais  arqueológicos de Luzia (e total de muitos de seus parentes)- considerado o fóssil humano mais antigo das Américas, com cerca de 12 mil anos, descoberto na década de 1970, na Gruta da Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, vale do rio das Velhas, Minas Gerais;
Reconhece-se que os povos tradicionais trouxeram, construíram e deixaram hábitos, técnicas, saberes, sabores e culturas para a história social e econômica do vale do rio das Velhas;
Reconhece-se que no vale do rio das Velhas, incluindo a Região Metropolitana de Belo Horizonte, há inúmeros povos e comunidades tradicionais, dentre eles, indígenas, quilombolas, ciganos, tropeiros, carroceiros, quitandeiras, faiscadores, apanhadores de flores de sempre- vivas, povos de terreiro, vazanteiros, geraizeiros, pescadores artesanais, agricultores familiares, dentre outros, que precisam ter seus direitos integrais respeitados e a sua visibilidade social garantida;
Reitera-se que os povos tradicionais são os principais protetores das águas, de suas memórias e da sua biodiversidade – proteger e recuperar o rio passa obrigatoriamente em respeitar e cuidar dos nossos povos tradicionais.

Assina a Carta de Jequitibá:
Projeto Manuelzão - UFMG.
Instituto Guaicuy - SOS Rio das Velhas.

Jequitibá, MG, 07 de setembro de 2018.

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