CPT, em MG, 40
anos de luta por justiça agrária ao lado dos/as camponeses/sas.
Por frei Gilvander Moreira[1]
Foto: Arquivo da CPT |
No Brasil, a Comissão Pastoral da Terra
(CPT) nasceu em junho de 1975, em plena ditadura militar-civil-empresarial. Em
Minas Gerais, a CPT foi criada em 1979. Em 2019, a CPT-MG celebra 40 anos de
luta por justiça agrária ao lado dos camponeses e das camponesas. Segundo Ivo
Poletto, o primeiro secretário da CPT, "os verdadeiros pais e mães da CPT são os peões, os posseiros, os
índios, os migrantes, as mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e
dignidade em uma terra livre da dominação da propriedade capitalista"
(POLETTO, 2015)[2].
A CPT iniciou sua atuação na Amazônia acompanhando pastoralmente a luta dos
camponeses posseiros. O fato de estar vinculada à CNBB[3]
contribuiu para a CPT defender as/os camponesas/es da repressão imposta pela
ditadura militar. Já nos primeiros anos, a CPT se tornou ecumênica, porque dela
participavam camponesas/es de várias igrejas e também porque incorporou agentes
de outras igrejas cristãs. Ao longo de quatro décadas, a atuação da CPT ampliou
dos posseiros para muitas outras expressões do campesinato. A CPT mantém uma
Campanha Permanente contra o Trabalho Escravo lutando pela libertação dos
"peões", submetidos, muitas vezes, a condições análogas à da
escravidão.
O objetivo maior da existência da CPT é
ser um serviço pastoral à causa dos/as camponeses/as, sendo um suporte para a
sua organização. A CPT os acompanha, não cegamente, mas com espírito crítico e
com compromisso eclesial e político (CPT, 1990).[4] A
defesa dos direitos humanos dos camponeses permeia toda a atuação da CPT. Por
isso, a CPT é também uma entidade de defesa dos Direitos Humanos: uma Pastoral
dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da terra.[5] A
CPT está organizada em todo o Brasil em 21 regionais e contribuiu na criação de
muitos movimentos sociais camponeses. As lideranças históricas do MST são
unânimes em reconhecer a importância da CPT na criação do MST enquanto
movimento em nível nacional, conforme asseverou João Pedro Stédile em
reiteradas ocasiões. Bernardo Mançano Fernandes registrou uma dessas falas de Stédile
no livro Brava gente: A trajetória do MST
e a luta pela terra no Brasil: “O
surgimento da CPT, em 1975, em Goiânia (GO), foi muito importante para a
reorganização das lutas camponesas. Num primeiro momento ela reuniu os bispos
da região amazônica, que percebiam o altíssimo grau de violência cometida
contra os posseiros das regiões Norte e Centro-Oeste do país. [...] Outro
aspecto importante, com o surgimento da CPT, é o pastoral. [...] A CPT foi a
aplicação da Teologia da Libertação na prática, o que trouxe uma contribuição
importante para a luta dos camponeses pelo prisma ideológico. Os padres,
agentes pastorais, religiosos e pastores discutiam com os camponeses a
necessidade de eles se organizarem. A Igreja parou de fazer um trabalho
messiânico e de dizer para o camponês: “Espera que tu terás terra no céu”. Pelo
contrário, passou a dizer: “Tu precisas te organizar para lutar e resolver os
teus problemas aqui na Terra”. A CPT
fez um trabalho muito importante de conscientização dos camponeses. Há ainda
mais um aspecto que também julgo importante do trabalho da CPT na gênese do
MST. Ela teve uma vocação ecumênica ao aglutinar ao seu redor o setor luterano,
principalmente nos estados do Paraná e de Santa Catarina. Por que isso foi
importante para o surgimento do MST? Porque se ela não fosse ecumênica, e se
não tivesse essa visão maior, teriam surgido vários movimentos. A luta teria se
fracionado em várias organizações. [...] A CPT foi uma força que contribuiu
para a construção de um único movimento, de caráter nacional” (STEDILE;
FERNANDES, 2005, p. 19-21)[6].
A vinculação do MST com a CPT é
histórica. O trabalho de base feito pela CPT de 1975 a 1984 foi imprescindível
para a criação do MST. Em Minas Gerais, a CPT fez o trabalho de base que
viabilizou a 1ª Ocupação do MST em MG, em fevereiro de 1988: Aruega em Novo
Cruzeiro. Para Stédile, “A CPT, lá nos
primórdios de 1975 a 1984, ia para o interior fazer o trabalho de base e dizia
assim: Deus só ajuda a quem se organiza, não pensem que Deus vai ajudar vocês
se ficarem só rezando” (STÉDILE, 1997, p. 87-88)[7].
Ao longo de sua história, a CPT realizou
quatro congressos nacionais. O I aconteceu em Bom Jesus da Lapa, BA, em
2001 com o tema: “Terra, água, direitos: eis o tempo jubilar”.
Foi definida a terra como espaço de vida, não simplesmente como área de
produção; a água como direito natural e inalienável que não pode ser reduzida a
mercadoria; e a pessoa humana como sujeito de direitos e como necessárias e
legitimas as várias formas de luta para garantir estes direitos.[8]
Em 1977, cerca de 120 camponeses da Bahia foram até o Santuário de Bom Jesus da
Lapa, na Bahia, pedir forças espirituais ao Bom Jesus e denunciar sua luta
desesperada contra a grilagem de suas terras. Assim se deu a origem das
Romarias da Terra no Brasil. Em julho de 2018, em Bom Jesus da Lapa, BA,
aconteceu a 41ª Romaria da Terra e das Águas do Estado da Bahia. Em Minas
Gerais, em 2018, realizamos a 21ª Romaria das Águas e da Terra do Estado de
Minas Gerais, na cidade de Lagoa da Prata, no centro-oeste de Minas, na Diocese
de Luz.
Nos 30 anos da CPT, o II Congresso
Nacional da CPT foi realizado em 2005, na Cidade de Goiás, GO, com o lema “Fidelidade ao Deus dos Pobres, a serviço dos povos da terra”. “Podemos afirmar, com todas as letras, que, em
muitos casos, as terras do agronegócio intensivo e extensivo, não cumprem a
necessária e obrigatória função social, exigida pelo art. 186 da Constituição
Federal” (CARTA FINAL do II CONGRESSO DA CPT, 2006, p. 15). Na Plenária do
II Congresso da CPT, o Sr. Sebastião, camponês cearense, 67 anos, gritou com
entusiasmo: “Novos céus e nova terra a
gente é quem faz, com a nossa prática!” (CARTA FINAL, 2006, p. 17). Foi
acordado no II Congresso da CPT que “a
reforma agrária que ainda faz sentido, e pela qual não abrimos mão de continuar
lutando, é a que, além de democratizar a propriedade da terra, reestruture
ecologicamente o território, para potencializar os benefícios civilizatórios do
campesinato atual” (II CONGRESSO DA CPT, 2006, p. 26). O agronegócio, enquanto
braço da fase atual do capitalismo no campo, “afeta duplamente os assalariados rurais. Primeiro, tira-lhes a terra,
ao tomar-lhes a que têm ou ao dificultar-lhes o acesso à terra que eles nunca
tiveram. Segundo, superexplora (destaque nosso) o seu trabalho “livre”, em
condições de crescente precarização, até a escravidão” (II CONGRESSO DA
CPT, 2006, p. 28).
O III Congresso Nacional da CPT
aconteceu em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, em 2010, com o tema: “Biomas, Territórios e Diversidade Camponesa” e o lema: “No Clamor dos Povos da terra, a Memória e a Resistência em Defesa da
Vida.” No III Congresso da CPT enfatizou-se uma cosmovisão ecológica
integral sobre a Terra, que afirma: “O
planeta no qual vivemos se comporta como ser vivo, tem sua alteridade em
relação ao ser humano, precisa de sua própria cobertura vegetal para respirar,
de uma determinada média de temperatura para abrigar a atual comunidade da
vida, de seu ciclo de águas, enfim, tem seu próprio metabolismo, e que o ser
humano é parte deste metabolismo, como tudo que existe. Pensar que temos o
controle sobre a Terra é uma ilusão da arrogância humana. Nós dependemos da
Terra e das condições que ela nos oferece para viver. Somos parte integrante
desta imensa vida e temos que aprender que nosso existir é fruto do gigantesco
milagre da evolução e da interação de todos os elementos que vêm acontecendo há
bilhões de anos” (III CONGRESSO DA CPT, 2010, p. 20).
O IV Congresso Nacional da CPT foi
realizado, em Porto Velho, RO, em 2015 com o tema/lema: “Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança dos
pobres do campo.” Celebramos os 40 anos de atuação da CPT no Brasil e assim
nos expressamos na Carta Final: “Com as
mãos cheias de esperança, convocamos os povos originários e o campesinato em
suas mais diversas expressões: quilombolas, pescadores e pescadoras artesanais,
ribeirinhos, retireiros, geraizeiros, vazanteiros, camponeses de fecho e fundo
de pasto, extrativistas, seringueiros, castanheiros, barranqueiros,
faxinalenses, pantaneiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, assentados,
acampados, peões e assalariados, sem-terra, junto com favelados e sem-teto,
para fortalecer estratégias de aliança e de mobilizações unitárias. Convocamos
também igrejas, instituições e organizações para reassumirmos um processo
urgente de MOBILIZAÇÃO REBELDE E UNITÁRIA pela vida, que inclua a defesa do
planeta TERRA, nossa casa comum, suas águas e sua biodiversidade. Com o Papa
Francisco reafirmamos que queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos
bairros, na nossa realidade mais próxima, uma mudança estrutural que toque
também o mundo inteiro. Se no passado a escuridão não nos calou, mas acendeu em
nós a esperançosa rebeldia profética, hoje também ela nos impulsiona a
continuar a luta ao lado dos povos e comunidades do campo, das águas e das
florestas, em busca de uma terra sem males e do bem viver” (CARTA FINAL do
IV Congresso da CPT).
Em Minas Gerais, ao longo de 40 anos, a
CPT contribuiu para a conquista de 412 assentamentos de reforma agrária para
cerca de 20 mil famílias em cerca de 900 mil hectares; animou a criação de
Sindicatos de Trabalhadores Rurais autênticos; estimulou oposição sindical
quando necessário; combateu trabalho escravo; animou a criação e o
fortalecimento de grupos de base, de associações e de cooperativas de pequenos
produtores na linha da agroecologia e nos últimos 15 anos está também atuando
na resistência diante dos grandes projetos do capital e priorizando a
organização e a luta dos Povos e Comunidades Tradicionais. Porém, celebrar 40
anos da CPT-MG, em 2019, em plena ascensão do fascismo, dos militares e de
falsos pastores ao poder deve ser tempo de resgatar todas as lutas de 1979 a
2019 para lutarmos de modo emancipatório nos próximos 40 anos, de forma
profética e revolucionária.
Belo
Horizonte, MG, 14 de maio de 2019.
Obs. 1: Esse foi publicado primeiro pelo Jornal A VERDADE,
imprenso e também no link
http://averdade.org.br/2019/02/cpt-40-anos-de-luta-por-justica-agraria/
http://averdade.org.br/2019/02/cpt-40-anos-de-luta-por-justica-agraria/
Obs. 2: Os vídeos, abaixo, ilustram
o texto, acima.
1 - Vem aí os 40 anos da CPT-MG (1979 a 2019):
Tributo a Alvimar e Tiãozinho, da CPT/MG. 21/11/2018.
2 - CPT/MG: 40 ANOS, 1979 a 2019 -
Joaquim Nicolau: Luta que mudou vidas. 1ª Parte – 07/3/2018.
3 - CPT/MG: 40 ANOS, 1979 a 2019 -
Joaquim Nicolau: Uma vida de luta por direitos/2ª Parte/ 07/3/2018.
4 - CPT/MG: 40 anos, 1979 a 2019. Celso:
Uma vida de luta e resistência. 1ª Parte. 10/3/2018.
5 - CPT/MG: 40 anos de luta - 1979 a
2019 – Celso fez história na CPT - 2ª Parte – 10/3/2018.
[1]
Padre, doutor em Educação, bacharel em Filosofia e Teologia, mestre em Ciências
Bíblicas; agente da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. “CPT
- 40 anos caminhando com o povo da terra” no link http://cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/cpt-40-anos/2645-cpt-40-anos-caminhando-com-o-povo-da-terra .
[3]
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
[4]
Cf. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Compromisso
Eclesial e Político da Comissão Pastoral da Terra. 4ª Ed. São Paulo:
Loyola, 1990.
[6] STÉDILE, João
Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava
gente. A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 3ª edição.
Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
[7]
Entrevista com João Pedro Stédile. In: ESTUDOS
AVANÇADOS. O MST e a questão agrária. São Paulo: IEA, v. 11, n. 31: 69-97,
1997.
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