Sínodo
da Amazônia, bênção espiritual, ética e profética.
Por Gilvander Moreira[1]
Foto: Divulgação / Rede dos Cristãos |
Bendito dia 15 de outubro de 2017, dia que
o papa Francisco, acolhendo os clamores dos povos amazônidas, da mãe terra
amazônica, da irmã água, da fauna, da flora e de toda a biodiversidade, teve a
intuição e a coragem de convocar o Sínodo da Amazônia. Quase do tamanho do
Brasil, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, 60% da Amazônia está em
território brasileiro e os outros 40% estão em outros oito países: Suriname,
Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia e Guiana Francesa. Na
região Pan-Amazônica vivem mais de 34 milhões de pessoas, em quase 400 povos
diferentes, centenas deles povos ainda isolados no meio da floresta.
Dos dias 6 a 27 de outubro agora (2019),
no Vaticano, em Roma, na Itália, está acontecendo o Sínodo da Amazônia. A
palavra ‘Sínodo’, na língua grega, é composta de ‘syn’ = com, juntos, e hodos
= caminho. Portanto, sínodo significa ‘caminhar juntos’. Ou seja, caminhar com
os povos amazônidas, não sem eles e jamais contra eles. Em 519 anos de presença
branca na Amazônia houve muita violência socioambiental em um projeto de
colonização que trouxe juntas a cruz e a espada. O papa Francisco e a Igreja
Povo não toleram mais nenhum tipo de neocolonização. A política de integração
dos povos indígenas à cultura branca também é processo de violência que não
pode mais ser tolerada. “Muitos irmãos e
irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam pela consolação
libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja. Por eles, com eles,
caminhemos juntos”, diz em alto e bom som o papa Francisco.
Mais de 300 personalidades, entre as
quais 110 bispos latino-americanos, participam do Sínodo da Amazônia, guiados pelo
tema: Novos caminhos para a Igreja e
para uma Ecologia Integral. Do Brasil estão participando do Sínodo da
Amazônia mais de 40 bispos e muitos representantes de povos originários e
mulheres, inclusive. Em um exercício de participação popular e democrática,
mais de 800 mil pessoas participaram das reuniões e assembleias de preparação
para o Sínodo da Amazônia. Muitas propostas foram colocadas e estão sendo discutidas
no Sínodo. Por exemplo, Povos Indígenas do Equador enviaram mensagem ao papa
Francisco pedindo que a Amazônia seja elevada à categoria de Patrimônio e santuário
mundial intangível da Casa Comum e que sua preservação seja vista como uma
necessidade de responsabilidade socioambiental e geracional diante do alarme
ecológico disparado.
Com o Sínodo da Amazônia, o papa
Francisco aponta que o caminho para evitarmos o Apocalipse final passa por
ouvirmos os/as mártires da Amazônia e com a causa deles/delas nos
comprometermos. Citamos, por exemplo, milhares de indígenas assassinados ao
longo de 519 anos de violência imposta aos povos indígenas pela colonização
europeia, Chico Mendes, padre Ezequiel Ramin, Irmã Dorothy, entre tantos
outros/as. Ouvir os/as mártires da Amazônia implica estancar a devastação da
Amazônia e frear o avanço do agronegócio sobre a região. Não às monoculturas! Não à mineração
devastadora! Sim à demarcação de todos os territórios indígenas e dos Povos
Tradicionais. Sim a uma Economia a partir dos povos originários e que garanta a
sustentabilidade ecológica. O Sínodo indica que seguir o jeito que o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) trilha há quase 50 anos, desde 1971, no meio dos
Povos Indígenas é caminho ético e emancipatório. Nada de cristianização, nem
integração, mas respeito e admiração pela alteridade imensamente plural dos
Povos Indígenas e Tradicionais, tais como: pescadores tradicionais,
ribeirinhos, seringueiros, quilombolas, quebradeiras de coco de babaçu etc.
Em 2015, o papa Francisco publicou a
Encíclica Louvado Sejas (Laudato Si, em latim), sobre o Cuidado
com a Casa Comum e sobre a Ecologia integral. A Encíclica Laudato Si incomodou opressores do centro da idolatria do mercado
no mundo. A Laudato Si é um dos
melhores documentos já escritos sobre a injustiça socioambiental reinante no
mundo, porque não apenas aponta a imensa devastação socioambiental em curso,
mas porque aponta as causas e os causadores da injustiça socioambiental. Na
Encíclica, o papa Francisco, ‘pondo o dedo na ferida’, diz claramente que o
causador principal da imensa devastação socioambiental que cresce de forma
geométrica no mundo é o modelo econômico capitalista, a idolatria do mercado e
do capital, uma economia que violenta e mata. Francisco aponta também caminhos
a seguir para a superação da injustiça socioambiental: conviver de forma
harmônica com a mãe terra, preservando as fontes d’água e praticando modelos
econômicos sustentáveis ecologicamente.
Na esteira da Encíclica Laudato Si, o Sínodo da Amazônia será
uma bênção espiritual, ética e profética para a Igreja, para a humanidade e
para todos os seres vivos, pois ecoará que a Amazônia é bem comum de toda a
humanidade e de todos os seres vivos, é o grande pulmão e um grande rim/filtro
do Planeta Terra. A Amazônia é pulmão do mundo, porque, por meio do processo da
fotossíntese, os milhões de árvores centenárias a partir das suas folhas
aquecidas pela luz do irmão sol produzem o irmão oxigênio que garante a vida
para grande parte da humanidade. Toda árvore é uma grande usina de oxigênio.
Cortar uma árvore significa matar uma grande fonte de produção de oxigênio e de
absorção de dióxido de carbono. A Amazônia é também um grande rim/filtro do
Planeta Terra, porque, por meio das folhas das árvores, as plantas absorvem
grande parte do dióxido de carbônico jogado no ar pelas chaminés das indústrias/fábricas,
pela descarga dos caminhões, dos automóveis etc.
Nós humanos, ao respirarmos, inspiramos
o oxigênio que as irmãs árvores e o irmão sol nos oferecem gratuitamente e
expiramos gás carbônico. As árvores fazem o contrário: absorvem gás carbônico e
exalam oxigênio no ambiente. A Amazônia é também a principal fonte produtora de
chuvas em grande parte da América do Sul. Na Amazônia há muita água no subsolo
em aquíferos, no solo, nos rios, lagos e igarapés, e na atmosfera sobre
território da Pan-Amazônia se formam os rios aéreos voadores. Cada árvore
centenária da Amazônia exala na atmosfera, por dia, milhares de litros de água
na forma gasosa. Com as correntes de vento, a umidade produzida no processo de
evapotranspiração forma os imensos rios aéreos voadores que, empurrados pelas
correntes de ventos, criam as condições objetivas para que aconteçam chuvas no
sudeste e no sul do Brasil, no Uruguai, no Paraguai e na Argentina. Esses rios
aéreos voadores produzidos na Amazônia transportam uma quantidade maior de água
do que os rios que estão na superfície do solo amazônico. Conhecer de forma
profunda a Amazônia se tornou uma necessidade para amarmos e defendermos de
forma intransigente a sua preservação. Se não interrompermos com urgência a
devastação ambiental da Amazônia, a desertificação da Amazônia causará a
desertificação de grande parte do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o
aumento assustador da temperatura e o colapso d’água em várias regiões do
Planeta Terra, o que tornará a vida humana impossível no Planeta Terra, nossa
única Casa Comum. Imagine o que será da humanidade com a quantidade de dióxido
de carbono jogada na atmosfera sem ter a floresta amazônica para absorver!
A Amazônia é a grande farmácia da
humanidade e dos animais, pois da seiva da sua imensa biodiversidade se extraem
os fármacos que produzem remédios que curam a maioria das doenças. Logo, a
Amazônia é um território terapêutico também. A Amazônia é um território povoado
também por espíritos ancestrais e originários. A história demonstra que os
principais e verdadeiros guardiões da Amazônia são seus quase 400 Povos
Indígenas que falam quase 400 línguas, uma imensa diversidade cultural e
espiritual que habita esta região há pelo menos 14 mil anos. Projeções feitas a partir de documentos e de pesquisas
arqueológicas estimam a população indígena, por ocasião da conquista/colonização,
em 1.500, entre três e cinco milhões de pessoas, somente na Amazônia
brasileira. Por isto, a não demarcação das terras indígenas intensifica
as ameaças a estes povos, pois demarcar as terras indígenas é o primeiro passo
para o respeito de seus direitos primordiais à terra, ao sagrado e às práticas
xamânicas milenares.
Portanto,
bendito quem se compromete com a defesa da Amazônia e de todos os biomas.
Maldito quem, por ignorância ou por cumplicidade com o sistema do capital, está
agindo de forma devastadora. O Sínodo da Amazônia proporá mudanças radicais no
sentido de respeitar e valorizar a imensa fonte de vida que está na Amazônia.
Feliz quem se abrir para os apelos dos Povos da Amazônia e para os clamores da
Floresta Amazônica com toda sua esplendorosa fauna e flora. O papa Francisco
está propondo inclusive iniciar com o Sínodo da Amazônia o fim do celibato
obrigatório e o fim do clericalismo na Igreja Católica, ou seja, o Sínodo da
Amazônia deverá abrir espaço para que homens casados também possam ser
sacerdotes e mulheres possam também ser ordenadas para presidir a celebração da
eucaristia. Enfim, o Sínodo da Amazônia proporá conviver com as culturas
respeitando-as e não cristianizando-as. O cardeal Tolentino Mendonça aponta o
significado do Sínodo: “O Papa Francisco
com o Sínodo da Amazônia quer colocar a periferia no centro da Igreja”. Eis um caminho
santo e emancipatório a ser trilhado para que a Igreja se torne de fato igreja com
rosto amazônico, igreja descolonizadora.
Obs.: Os vídeos,
abaixo, ilustram o assunto acima.
1
– Leonardo Boff fala sobre o Sínodo da Amazônia. Entrevista a frei Gilvander.
Parte I - 03/10/2019
2 - Leonardo
Boff (Parte II) fala sobre o Sínodo da Amazônia. Entrevista a frei Gilvander. 03/10/2019
3 - SÍNODO PARA A AMAZÔNIA (subtítulos: ES, EN, GE, IT, FR)
3 - SÍNODO PARA A AMAZÔNIA (subtítulos: ES, EN, GE, IT, FR)
4 - Análise teológico-pastoral do Instrumentum Laboris do Sínodo sobre a Amazônia
- Paulo Suess
Belo
Horizonte, MG, 07/10/2019.
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte,
MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
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Facebook: Gilvander Moreira III
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