Mineração de granito está ameaçando área de proteção ambiental, territórios e águas do rio Doce?
Por Alenice Baeta[1]
Lavra de granito irregular instalada no alto de uma Área de Proteção Permanente (APP) em Topo de Morro, na Zona Amortecimento do Parque Estadual Sete Salões (PESS), próximo ao córrego da Lapa e do rio Doce. Município: Conselheiro Pena, Médio Vale do Rio Doce, MG. Foto: A. Baeta/ Ano 2006.
Em 2006, foram observadas
irregularidades graves na lindíssima Serra da Onça, no município de Conselheiro
Pena, leste de Minas Gerais, na margem direita do rio Doce, próximo à divisa do
Parque Estadual Sete Salões (PESS). Foi constatado na ocasião, para nosso
espanto, um novo acesso na subida da serra que culminava em uma lavra de rocha granitoide
com montes de vários blocos detonados e recortados prontos para o transporte. Além
de se situar na zona de amortecimento de uma unidade de proteção integral, esta
lavra ainda se encontra em Área de Preservação Permanente (APP) Topo de Morro,
e por suas características degradantes, tais como, desmatamento de mata nativa,
pilha de estéril, maquinário, utilização de bomba de água no córrego da Lapa, assoreamento,
abertura de estrada, apresentava sinais, na época, de se tratar de atividade clandestina,
ou seja, sem licenciamento ambiental. Fotografias foram tiradas e no dia
seguinte foi feita uma comunicação emergencial aos gestores do Parque Estadual
Sete Salões, que por sua vez, fizeram contato com a Polícia Ambiental e com o
Núcleo Operacional (NO) de Conselheiro Pena, que realizaram na mesma semana
vistoria no local indicado, situado na Fazenda da Lapa, comprovando a já
suspeita irregularidade da lavra. A
mineradora foi então multada e autuada, segundo informações do IEF-MG, dando
retorno imediato à nossa denúncia.
As cicatrizes da retirada
das rochas, pilhas de blocos e a “evolução” da degradação ambiental podem ser notadas
com facilidade visual, pois a mesma se encontra na parte alta de vertente íngreme,
por isto, a lavra pode ser avistada em toda a sua extensão e de muito longe,
prejudicando ainda, e em muito, o paisagismo e a ambiência do Médio Vale do rio
Doce.
O Parque Estadual Sete
Salões, criado
pelo decreto nº 39.908, de 22 de setembro de 1998, possui 12.520,9
hectares que abrange, além de Conselheiro Pena, os municípios vizinhos Resplendor, Itueta e Santa Rita do Itueto. Guarda um dos maiores remanescentes de Mata Atlântica de
todo o leste mineiro, estando ainda associado a formações de campos rupestres e florestas de candeias. Possui cachoeiras, nascentes e cursos d’água, sítios arqueológicos
pré-coloniais com figurações rupestres (que apresentam um estilo pictural
restrito ao Médio Rio Doce), escarpas, abrigos sob rocha e a famosa caverna
Sete Salões - que deu o nome ao parque. Esta caverna e várias localidades da
região fazem parte de territórios ancestrais indígenas e sagrados para a atual comunidade
indígena Krenak (que habita o Território
Indigena (TI), situado à margem esquerda do rio Doce, no município de
Resplendor). Esta região possui assim forte valor etnográfico, etnohistórico e
imaterial, merecendo atenção especial também sob esta perspectiva (BAETA, 2000).
Em 2016, a própria Secretaria de Estado de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), por meio das equipes da Diretoria de
Gestão da Qualidade e Monitoramento Ambiental e da Gerência de Qualidade do
Solo e Reabilitação de Áreas Degradadas, realizou uma pesquisa intitulada “Reconversão de Territórios Minerários nas
Regiões Sul, Leste e Jequitinhonha em Minas Gerais”, quando fez
levantamento de inúmeras minas inativas abandonadas e irregulares, que
necessitavam de recuperação ambiental prioritária, quando foi mencionada esta mesma
lavra de Conselheiro Pena. Abaixo, segue transcrição a respeito:
“No município
de Conselheiro Pena, foi constatada uma lavra de granito inativa inserida em
APP Topo de Morro, de difícil acesso, localizada em área limítrofe a unidade de
conservação denominada Parque Sete Salões. Identificou-se a presença de
material estéril depositado na vertente, sob vegetação nativa e atingindo a
drenagem local. Registrou-se também, presença de pneus descartados
inadequadamente e vestígio de gado” (SEMAD/FEAM,
2016: 42).
Em 2019, há rumores muito preocupantes
por parte de moradores locais a respeito de interessados em “(re)ativar” essa
mina de granito, que segundo eles estariam tentando “legalizar este negócio”
para 2020, o que demanda alerta de todos e de todas da região e ambientalistas.
Como o dito popular: “Onde há fumaça, há fogo”... Muito necessária a averiguação
se de fato o pedido de ativação desta mina, se é que existe, está mesmo em
curso nos órgãos ambientais. Fundamental alertar à Polícia Ambiental, IEF de
Conselheiro Pena, e, sobretudo, à SEMAD sobre este processo eventual de licenciamento
ambiental, bem como a necessidade de visitas periódicas na localidade, visando
coibir a reativação desta atividade, obviamente incompatível com este tipo de
unidade de conservação de proteção integral, área de proteção permanente topo
de morro, mata nativa e entorno das calhas do córrego da Lapa (já assoreado) e
do rio Doce. Espera-se agora firmeza e eficiência dos atuais gestores dos
órgãos ambientais e de fiscalização, como já ocorrido de forma exemplar no ano
de 2006.
Reitera-se: caso esta mineradora
esteja mesmo tentando adquirir licenciamento ambiental junto aos órgãos
competentes, o que seria lamentável, espera-se que os mesmos não a concedam
tendo em vista que o raso e parco córrego da Lapa não possui vazão para
abastecer água para uma lavra, obviamente. A calha do rio Doce já sofreu um
grande dano devido ao mar de lama tóxica que a assolou em 2015, quando do
crime-tragédia das mineradoras Samarco, BHP Billiton e Vale com anuência do
Estado, com o rompimento da barragem de Fundão, município de Mariana (Alto Rio
Doce). Por isto, proteger os córregos que deságuam no rio Doce é dever e
responsabilidade de todos.
Aliás, muito importante a
proposta da própria SEMAD de um programa de revitalização ou de reconversão de
território do vale da Lapa. Grande absurdo seria a instalação de uma lavra de
granito (que já atuou de forma irregular) no topo de uma zona de amortecimento,
entre uma unidade de conservação e o rio Doce, já tão degradado e penalizado em
toda a sua extensão.
Referências
Bibliográficas:
BAETA,
Alenice. Grutas e Abrigos arqueológicos “Encantados” - Região do Parque Sete
Salões Serra Takrukkrak, Vale do Rio
Doce-MG. In: Revista O Carste,
Vol.12, N. 2, 2000.
SEMAD/
FEAM “Reconversão de Territórios Minerários nas Regiões Sul, Leste e
Jequitinhonha em Minas Gerais” (Relatório Técnico). SEMAD/FEAM, Belo Horizonte,
Junho de 2016.
Álbum de Fotos:
Bomba d’água da lavra de granito clandestina no córrego da Lapa, Zona de Amortecimento do Parque Estadual Sete Salões. Município: Conselheiro Pena, MG. Foto: A. Baeta, Ano 2006. |
Vista
de longe da Lavra de granito irregular instalada no alto de uma Área de
Proteção Permanente (APP), em Topo de Morro, na Zona Amortecimento do Parque
Estadual Sete Salões (PESS), próximo ao córrego da Lapa e do rio Doce. Visada a
partir do PESS. Município: Conselheiro Pena, Médio Vale do Rio Doce, MG. Foto:
A. Baeta/ Ano 2006.
AFoto atual da mesma lavra de granito “desativada”, vista de longe, a partir do alto do Parque Estadual Sete Salões. Município: Conselheiro Pena, MG. Foto: A. Baeta, Ano 2019. |
[1] Doutora pelo Museu de Arqueologia e
Etnologia - MAE/USP; Pós-Doutorado no
Departamento de
Antropologia/Arqueologia-FAFICH/UFMG; Mestrado na Faculdade de Educação-FAE/UFMG;
Historiadora e Membro do CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da
Silva). e-mail: alenicebaeta@yahoo.com.
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