Natal
de Jesus: o divino no humano
Por Gilvander Moreira[1]
Igreja evangélica monta presépio com Jesus preso como refugiado nos EUA “como foi feito com mais de 5.500 crianças” (Revista Forum – www.revistaforum.com.br ). Sagrada Família como refugiados na Igreja Metodista de Claremont, na Califórnia, EUA. Foto: Reprodução. |
É tempo do natal de Jesus Cristo. Tempo
para reconhecermos e celebrarmos o divino encarnado no humano. Como mistério de
infinito amor, o Deus da vida se apaixonou pela humanidade, largou o céu, desceu
para o planeta terra, nossa única Casa Comum – O divino está também em todo o
universo -, e armou sua tenda no meio dos empobrecidos e injustiçados para anunciar
o projeto de Deus, denunciar toda e qualquer forma de opressão, construir
libertação de todos e tudo e, assim, nos motivar e inspirar na luta pela
concretização de uma utopia: construir “novo
céu e novo terra”, ou seja, libertarmo-nos das ideologias dominantes que
desfilam um monte de mentiras que oprimem e matam o povo e construir novas
condições materiais objetivas que garantam relações sociais sem opressão, para
além do sistema do capital. O Deus da vida faz aliança de amor com o povo
oprimido e superexplorado (Cf. Ap 21,1-5).
Deus se humaniza para revelar que o
divino está no humano. No século II, Irineu, pastor da Igreja de Lyon,
ensinava: “Como você poderá divinizar-se
se ainda nem se tornou humano? Antes de tudo, garanta a condição de ser humano
e, assim, poderá participar da glória divina”. Está enganado quem busca se
divinizar sem se humanizar. Ao assumir a condição humana a partir de uma
criança empobrecida, o Deus da vida nos ensina que, de fato, toda pessoa humana
é “imagem e semelhança de Deus”
(Gênesis 1,27) e “templo do Espírito
Santo” (I Coríntios 6,19).
Os dois primeiros capítulos dos
Evangelhos de Lucas e de Mateus, da década de 80 do século I, apresentam
narrativas bíblicas sobre as infâncias do profeta João Batista e de Jesus de
Nazaré, que de tão humano se tornou Cristo, ungido e enviado por Deus com a
missão de testemunhar um jeito libertador e viver, conviver e lutar pela
salvação de todos e tudo. Os evangelistas Lucas e Mateus afirmam que Jesus
nasceu sem-terra e não latifundiário, nasceu sem-teto e não em mansão dos
enriquecidos que acumulam riquezas, nasceu na periferia e não no centro dos
poderes político-econômico e religioso. Logo após nascer em uma ocupação
promovida por sua mãe, Maria, e seu pai, José, na periferia de Belém (em
hebraico, Betlehem = Casa do Pão), o
menino Deus teve que se tornar refugiado político e fugir para o Egito com
Maria e José para escapar da perseguição do rei Herodes, vassalo do Império
Romano na opressão e repressão ao povo. Abraçando as entranhas do humano a
partir de uma criança de periferia, o Deus da vida nos ensina que
revolucionário é cuidar amorosamente do humano em todas as pessoas, sem exceção,
e seguir lutando para a construção de uma sociedade do Bem Viver e Conviver,
com justiça agrária, justiça socioambiental, justiça urbana e respeito aos
direitos humanos fundamentais. Jesus de Nazaré nasce nas brechas de uma sociedade
escravizada pelo imperialismo dos romanos e discriminada pelo poder religioso
do sinédrio comandado por uma elite econômica – os saduceus - que usava a
religião para marginalizar os empobrecidos e os adoecidos, impondo a covarde
lei da pureza e da impureza, que dividia as pessoas entre ‘puras’ e ‘impuras’. Os
ricos e sadios eram considerados ‘puros’ e, por isso, abençoados, enquanto os
empobrecidos, escravizados, adoecidos, “os órfãos e as viúvas” e os estranhos
eram tidos como ‘impuros’ e, por isso, malditos.
O Evangelho de Lucas fala que os
primeiros a reconhecerem o divino no humano, em uma criança, foram os pastores ao
visitar Jesus, logo após seu nascimento na periferia de Belém (Lc 2,1-20). No
Evangelho de Mateus, em Mt 2,1-12, está a narrativa da visita de magos a Jesus,
passagem exclusiva das comunidades cristãs do evangelista Mateus. Para Mateus
foram os magos os que por primeiro testemunharam a encarnação do divino no
humano. Quem são esses magos? O texto só diz que eles vêm do Oriente, de onde o
dia nasce e a vida recomeça. Os magos são pessoas sábias, porque viram a “estrela
de Belém” que indicava o nascimento do “rei dos judeus”. Os magos têm intenções
contrárias às do rei Herodes, que ficou alarmado e junto com ele toda a cidade
de Jerusalém. Nem pela consulta às Escrituras Herodes, os sumos sacerdotes e os
escribas se dispõem a reconhecer o divino no humano que acaba de nascer no meio
dos injustiçados. Acontece então uma oposição muito significativa: aqueles que
detêm o conhecimento e o poder da religião oficial ignoram Jesus de Nazaré,
enquanto pessoas de outras culturas e práticas, que inclusive seriam condenadas
pela lei judaica, como a consulta aos astros, reconhecem o nascimento daquele
que iria testemunhar um caminho de libertação e salvação de todos e tudo, e vêm
ao seu encontro.
Em Mt 2,1-12 temos o rei Herodes contra
Jesus, Jerusalém contra Belém. Para os magos, estrangeiros do oriente, Jesus é
“rei dos judeus” (Mt 2,2). Os magos reconhecem o poder popular nascido em
Belém, cidade do pastor Davi, que organizou os injustiçados da sociedade para
lutar pela conquista de um governo justo. O verdadeiro rei dos judeus não é
violento como Herodes, é um recém-nascido, nascido sem-terra e sem-casa.
Segundo o Evangelho de João, o nascido em Belém, “Casa do Pão”, se tornou Pão
da Vida para todos. Os magos intuem com sabedoria que o poder democrático,
participativo e popular vem da periferia, dos injustiçados, dos pequenos. A
estrela que guia os magos representa as intuições e os anseios mais profundos
da humanidade sedenta de justiça, paz e fraternidade.
Herodes, o rei sanguinário e opressor,
tremendo de medo de perder o seu poder, tentou cooptar os magos secretamente,
tentou obter informações que o ajudassem a liquidar a vida frágil. Herodes
mentiu e fez propaganda enganosa para tentar descobrir onde estavam as forças
de subversão ao seu poder tirânico. Mas as forças de vida – o divino no humano
– foram mais espertas fazendo os magos voltarem “por outro caminho” e assim
driblaram a armadilha de Herodes. Os magos romperam de uma vez por todas com
Herodes, rei opressor, e com Jerusalém, cidade tratada como se fosse uma
empresa. O sonho dos magos é a inspiração de que do poder opressor nada nasce
de bom para a sociedade.
Atualmente, estamos em contexto de um antinatal
do capitalismo, alardeado pelos arautos do mercado idolatrado, entre os quais
está o Papai Noel, um mentiroso e fantoche do ídolo capital para seduzir as
crianças e as famílias para consumirem até se consumirem e se desumanizarem
gradativamente. Entretanto, ainda está em tempo de construirmos um mundo de
justiça e paz para todos e tudo. Que nesse Natal e na virada do ano possamos
revigorar em nós o desejo e o compromisso de viver e conviver de um jeito parecido
com os magos do oriente e como os pastores de Belém (Lc 2,1-20) que reconhecem
que o que liberta vem dos pequenos e oprimidos. Que não sejamos manipulados
pelo Papai Noel do capitalismo e nem cúmplices dos Herodes de plantão!
Obs.: Os filmes e vídeos
nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – Natal passa
pelo respeito ao direito à moradia/Ocupação Vila da Conquista/BH/MG/Vídeo 2 -
23/12/18
2 - Natal na Ocupação Esperança, na
Izidora/BH/MG. Almoço Comunitário: A força do amor. 23/12/18
3 - Vem, Senhor, com teu povo caminhar! -
Celebração do Natal-Ocupação Vila Nova -BH/MG - 3a Parte -10/12/2017
4 - Celebração do Natal na Comunidade
Vila Nova, Belo Horizonte. 2ª Parte. União na luta. 10/12/17
Belo
Horizonte, MG, 17/12/2019.
[1] Frei
e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e
bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em
Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte,
MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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