Amós,
Oseias e Isaías: injustiça social e idolatria religiosa, NÃO!
Por Gilvander Moreira[1]
Charge de Latuff sobre a Causa Indígena |
Em outros
termos, o profeta Amós não apenas critica pessoas exploradoras, mas também
questiona enfaticamente o sistema monárquico que as gera. Não somente as
mazelas pessoais estão na mira de Amós, um camponês que entrou para a história
como profeta da luta por justiça social. Ele compreendia as causas profundas da
injustiça e tinha consciência de que o problema fundamental da iniquidade
reinante na sociedade não é fruto somente de fraquezas pessoais, mas tem como
causa matriz estruturas sócio-econômico-político-culturais e religiosas que
engrenam uma máquina de moer pessoas. Na mira do profeta Amós também estão
relações comerciais que causam às pessoas endividamento, escravizam e aprisionam retirando-lhes a liberdade e o direito de serem
pessoas humanas.
A profecia de Oseias aconteceu provavelmente entre
os anos 755 a 721 antes da era cristã, no reino do Norte, na Palestina/Israel, durante
os últimos anos do reinado do rei Jeroboão II e de Oseias, filho de Ela. No primeiro
capítulo do livro de Oseias está uma forte crítica contra a dinastia de Jeú. Os
capítulos 2 e 3 de Oseias refletem certa prosperidade de produção no campo e
tranquilidade política, marcas do reinado de Jeroboão II. Do capítulo 5 em
diante, estão reflexos da crise que se instaura na Palestina/Israel, devido a
pressões externas vindas do Império Assírio. Com a chamada guerra
siro-efraimita e a subjugação de parte do território pelo rei da Assíria
Teglat-Falasar III, por volta do ano 733 antes da era cristã, aumenta
significativamente o clima de violência e insegurança interna. Os capítulos
finais do livro de Oseias testemunham os acontecimentos em torno do ano 724
antes da era cristã, data do cerco à cidade de Samaria e da destruição do reino
do Norte com o consequente exílio do povo para a Assíria, potência imperialista
da época. O profeta Oseias identificava os detentores do poder religioso como
causadores de violência social. Segundo a profecia de Oseias, os sacerdotes são os grandes culpados pela
violência reinante na sociedade. O povo percebe que os sacerdotes haviam
se transformado em assassinos e se comportavam como malfeitores: “Como bandidos na emboscada, um bando de
sacerdotes assassinam pelo caminho de Siquém e cometem horrores” (Oseias 6,9).
Com a participação do profeta Oseias, o povo percebe a ilusão que é acreditar
no Império Assírio como caminho de salvação: “Não é a Assíria que nos salvará, não montaremos mais cavalos, jamais
chamaremos novamente de nosso Deus a um objeto feito por nossas próprias mãos,
pois é em ti, só junto de ti, que o órfão encontra compaixão” (Oseias
14,4). “Não montar mais cavalos” significa não acreditar mais em militarismo e
nem em repressão como solução para problemas e injustiças sociais. Guiado pelo
profeta Oseias, o povo se desvencilha de idolatrias que na prática resultavam
em opressão e superexploração, inclusive dos mais vulneráveis, entre eles, os
órfãos. O povo cai na real e consegue ver que os reis e príncipes são
insensatos, mentirosos e se matam por disputas internas (cf. Oseias 7,1-7) e
por disputas políticas externas (cf. Oseias 5,1-15; 7,8-16; 8,8-14; 10,6-15).
Diante dessa dramática máfia religiosa e política, o povo, passando por um
processo sofrido de conversão, conclui, voltando-se para o Deus Javé: “... é em Ti que o órfão encontra misericórdia”
(Oseias 14,4). A hipocrisia e o cinismo dos sacerdotes na condução do culto
fazem o povo descobrir que o caminho para a libertação não passa pelos
sacrifícios, mas pela misericórdia. A conclusão é: Misericórdia, sim;
sacrifício, não! (Oseias 6,6).
Atuando na Palestina por volta do ano 730 antes da
era cristã, o profeta Isaías criticou o latifúndio e a grilagem de terras,
porque na sua época, tempo de sistema político monárquico, os latifundiários
estavam solapando o projeto comunitário das tribos autônomas sem poder
centralizado. No livro de Isaías a grilagem de terras é denunciada com
veemência: "Ai dos que juntam casa a
casa, dos que acrescentam campo a campo até que não haja mais espaço
disponível, até serem eles os únicos moradores da terra” (Isaías 5,8). E
Isaías denunciou, também, as autoridades dos poderes executivo, legislativo e
judiciário: "Ai daqueles que fazem
decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão,
para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer
das viúvas a sua presa e saquear os órfãos” (Isaías 10,1-2)! Isaías
anuncia, ainda, uma esperança consistente: "O fruto da justiça será a paz” (Isaías 32,17). Ou seja, para o
profeta Isaías é impossível conquistar paz verdadeira sem a justiça.
Como resultado desta breve análise, podemos
concluir que os profetas
Amós, Oseias e Isaías, irmanados, proclamam: injustiça social e idolatria
religiosa, NÃO![3]
Referências
REIMER,
Haroldo. Amós – profeta de juízo e justiça. In: Os livros proféticos: a voz dos profetas e suas releituras. RIBLA
35-36, p. 171-190. Petrópolis: Vozes e São Leopoldo: Sinodal 2000.
14/7/2020.
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima, pois
são profetas Amós, Oseias e Isaías que viveram ou vivem no nosso meio
atualmente.
1 - Padre Antônio Amorst, 85 anos, missionário em
Gov. Valadares e Tumiritinga, MG. Parte I
2 - Padre Antônio Amorst, 85 anos, profeta de
Deus no Vale do Rio Doce, MG. Parte II - 11/9/2019.
3 - Padre Antônio Amorst foi imprescindível na
CPT/MG na luta pela terra no Vale do Rio Doce. 11/9/2019
4 - Tributo ao Padre Ernesto: Um Profeta no meio
do Povo - 27/7/2019
5 - Alvimar da CPT por Luciano di Fanti:
"profeta, homem de Deus, sábio, palavra de peso. 22/08/16
6 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da
CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra em MG. 1a parte.
7 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da
CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra. 2a parte. 07/16
8 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da
CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra. 3a parte.
9 - Alvimar Ribeiro dos Santos, "Alvimar da
CPT": pai/mestre/profeta na luta pela terra. 4a parte.
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
[2]
Cf. também SICRE, José Luís. A justiça
social nos profetas. São Paulo: Paulus, 1990; REIMER, Haroldo. Leis de
mercado e direito dos pobres na Bíblia Hebraica. In: Estudos Bíblicos, n. 69, p. 9-18. Petrópolis, Vozes; São Leopoldo:
Sinodal, 2001.
[3] Gratidão à Carmem Imaculada de Brito, doutora
em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.
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