Clamores dos Povos, da Amazônia e das águas. Por frei Gilvander Moreira[1]
Castanheiras sacrificadas em plena Semana Santa de 2024, em Itaituba, no Pará. "Malditas sejam todas as cercas" (Dom Pedro Casaldáliga). Fotos: Frei GilvanderDe 22
de março a 1º de abril de 2024, participamos de Missões na Amazônia, na
Prelazia de Itaituba, no Pará. Chama nossa atenção, primeiro, a imensidade da
Amazônia, com cidades muito longe umas das outras; depois a exuberância da
Floresta Amazônica que ainda resiste de pé com toda sua riquíssima
biodiversidade, com igarapés e rios na superfície do solo e os rios aéreos que são
quase invisíveis a olho nu, mas transportam uma quantidade de água maior do que
os rios de superfície. São estes rios aéreos da Amazônia que garantem chuvas no
centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, no Uruguai, Paraguai e Argentina. Se
eles secarem, a Amazônia se desertificará.
Com
calor escaldante, nas cidades, gentes oriundas de muitas outras terras indicam
que a migração forçada tem sido um traço da cultura e da história dos Povos no
Brasil. Fomos muito bem acolhidos pelo bispo dom Wilmar Santin, pelas irmãs
Carmelitas e por lideranças leigas da Prelazia de Itaituba. Os mais de trinta
missionários/as foram subdivididos/as em equipes em várias paróquias de
Itaituba. Visitamos e celebramos em várias comunidades rurais, de posseiros e
de ribeirinhos. Nestas comunidades existem e resistem um grande grau de
preservação da floresta amazônica e da sua biodiversidade, mas para chegar as
estas comunidades, passamos por muitas fazendas grandes com grandes currais e
muita monocultura de capim, indicando que após a derrubada da floresta, a
criação de gado segue atrás.
Ficamos
impactados ao ouvir que a região de Itaituba foi, nas décadas de 1980 e 1990,
um dos grandes polos de extração de ouro do Brasil. “O aeroporto aqui era um dos mais movimentados. Descia e subia avião
teco-teco um atrás do outro”, nos disseram várias pessoas idosas. Os
ribeirinhos dizem que sentem saudade de quando o Rio Tapajós, um dos maiores
afluentes do Rio Amazonas, tinha águas límpidas e cristalinas, “tempo em que a gente podia beber água com a
própria mão”, mas com a expansão do garimpo as águas do rio Tapajós ficaram
barrentas e contaminadas com mercúrio. Volta e meia encontramos peixes doentes
e muitas pessoas já morreram com mercúrio no corpo causado pelo garimpo que
joga mercúrio nas águas e vai para os peixes e para os corpos das pessoas.
Diante
da cidade de Itaituba, do outro lado do rio Tapajós, no distrito de Miritituba,
já existem seis portos graneleiros, um da Cargil, outro da Bunge e de outras
empresas do agronegócio, com grandes silos que recebem em média 1.800 carretas bitrem
lotadas de soja do agronegócio do centro-oeste do Brasil e são embarcadas em
balsas gigantes (umas vinte balsas amarradas umas às outras) sendo empurradas
por rebocadores com vários motores de Scania. De Itaituba até Santarém a soja é
transportada nas gigantes barcaças 24 horas por dia. No embarque da soja, uma
significativa quantidade de soja acaba caindo nas águas do Rio Tapajós, o que
atrai grandes cardumes de peixes em busca de alimentação, que ao comer a soja
acabam assimilando também a carga brutal de agrotóxicos usada na produção da
soja em monocultura do agronegócio. Os ribeirinhos pescadores pescam os peixes
que são a principal carne na sua alimentação. Resultado: adoecimento,
depressão, autoextermínio em grau nunca visto na história das comunidades.
No
segundo semestre de 2023, as Comunidades Ribeirinhas, de Posseiros e também os
Povos das cidades na Amazônia sofreram em demasia com uma das maiores secas na
Amazônia, uma onda de calor infernal e com nuvens gigantes de fumaça oriunda
das queimadas na Floresta Amazônica. Dona Maria José, da Comunidade Ribeirinha
de Barreiras, no município de Itaituba, PA, relata comovida: “Foi de cortar nosso coração de dor ao vermos
a mortandade de peixe pela escassez de água e principalmente porque a água dos
rios, igarapés e lagoas estavam quase fervendo. Nós fomos sacrificados aqui,
porque era quase impossível tomar banho, porque a água do rio ou das torneiras
saia quente demais. Para piorar a situação. durantes vários meses tivemos que
sobreviver dentro de uma nuvem gigante de fumaça, vinda das queimadas na
Floresta. Era tanta fumaça que a gente não conseguia enxergar o Rio Tapajós aqui
ao nosso lado. Aconteceram acidentes com voadeiras e rabetas(canoas com motor), porque com tanta
fumaça não se via nem a cinco metros de distância. Com o barulho do motor da
voadeira ou rabeta, não se podia perceber que vinha outra em direção contrária.
Os Postos de Saúde e os hospitais da região ficaram superlotados de pessoas com
pneumonia, doenças nos olhos, alergias e outras doenças respiratórias. A gente
sentia que estava em uma sexta-feira da paixão, como a sofrida por Jesus
Cristo. Estamos preocupados com o próximo verão. E como péssimo sinal, o Rio Tapajós,
agora no final de março de 2024, está muito mais baixo que estava em março do
ano passado, pois está chovendo bem menos. O progresso está cada vez mais
brutal e invadindo nossos territórios e nossos modos de vida.” Esta narrativa pude conferir com
muitas outras pessoas da comunidade. Todos diziam: “Foi isso mesmo que
aconteceu. É a pura verdade”.
Ficamos
sabendo que uma multinacional do Canadá, em parceria com uma empresa
brasileira, está instalando mais um megaprojeto de mineração de ouro na região
de Itaituba. “Instalamos um linhão de energia exclusivo para este projeto de
mineração”, nos disse um engenheiro elétrico.
Ficamos
felizes ao chegar à Casa de Formação da Prelazia de Itaituba, ao lado da
cidade, e passar por entre várias imponentes castanheiras centenárias. Degustamos
castanha do Pará e várias outras delícias da culinária paraense, mas ao
retornarmos da Missão, dia 31 de março, fomos tomados de um profundo espanto ao
vermos que tinham sido derrubadas cinco daquelas castanheiras que admirávamos,
cada uma com mais de 60 metros de altura, com troncos com mais de um metro de
diâmetro. Quem cortou? Quem mandou cortar estas castanheiras? O IBAMA deu
licença? Uma das árvores símbolo da Amazônia, as castanheiras são madeira de
lei, há lei que proíbe cortá-las, mas ouvimos também de muitos ribeirinhos que
o IBAMA e a Polícia Federal são implacáveis com os ribeirinhos e condescendentes/cúmplices
com grandes e poderosos desmatadores. Uma pessoa nos informou que este bairro
aqui era uma mata de castanheiras. Foram todas derrubadas para se construir o
bairro. Estes troncos gigantes das castanheiras derrubadas serão vendidos e se
transformarão em móveis de luxo não sabemos em qual capital do brasil ou do
exterior.”
Na
bacia do Rio Tapajós há vários Povos Indígenas, entre eles o Povo Mundurucu com
mais de 13 mil parentes que resistem e estão lutando pela demarcação do seu
território. Igrejas evangélicas e (neo)pentecostais estão se espalhando no meio
dos povos indígenas e das comunidades ribeirinhas e nas cidades também, muitas
delas desrespeitando as culturas dos povos originários e solapando lutas
coletivas pelos direitos dos povos.
Enfim, a
Amazônia, os Povos Amazônidas e todos os seres vivos da Amazônia estão clamando
por cuidado, respeito e solidariedade. Preservar a Amazônia e o que ainda resta
de todos os biomas e ecossistemas se tornou uma questão de sobrevivência para a
humanidade. Os clamores são ensurdecedores. Feliz quem ouvi-los e se
comprometer com a superação do capitalismo, máquina bárbara de moer vidas, e do
agronegócio, com suas monoculturas e mineração, que estão causando brutais
sextas-feiras da paixão em plena terceira década do século XXI!
03/04/2024
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o
assunto tratado, acima.
1 - Leonardo
Boff no Palavra Ética da TVC/BH, com frei Gilvander: Sínodo da Amazônia.
23/11/2019
2 - "Lavando
os pés uns dos outros e beijando os pés do próximo." - Comunidade
Ribeirinha de Barreiras, no município de Itaituba, no Pará - 28/03/2024
3 - Os
Ladrões e Poluidores das Água - Vídeo produzido pela FASE - Solidariedade e
Educação - Março/2024
4 - Realidade/desafios
das CEBs do Oeste e Amazônia no XV Intereclesial das CEBs, Rondonópolis/MG.
Víd11
5 - Amazônia.
O Resgate dos Yanomani, com a urbanista Regina Fittipaldi
6 -
Estudo: Em três décadas Amazônia perde o equivalente aos estados de SC, PR, SP,
RJ e ES/JN/02-7-2020
7 -
Desmatamento na Amazônia é o maior dos últimos dez anos - JN - 19/1/2021
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E
“cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no
youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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