Querida Amazônia e Povos: belezas e clamores! Por frei Gilvander Moreira[1]
“Do ventre da Amazônia, clamores por vida!” “Tudo está interligado com se fôssemos um, tudo está interligado nesta Casa Comum...” Atraído pelas belezas e pelos clamores da Amazônia, de 25 a 27 de abril (2024), realizamos em Humaitá, sede da Diocese de Humaitá, na beira do imponente e gigante Rio Madeira, um Encontro de Formação Bíblica e Ecologia Integral com Comunidades Tradicionais Ribeirinhas da região do Beiradão.
Ao
chegar ao aeroporto de Porto Velho, por volta de 1 hora da madrugada, na noite
de 24 para 25 de abril de 2024, ao descer a escada do avião, comecei a ver
dezenas de policiais federais, com uniforme preto e todos com armas na mão. Um
furgão do Sistema Penitenciário Federal e muitas viaturas da PF. Na saída do
aeroporto também muitas viaturas policiais. Sinal de que algum grande criminoso
estaria sendo preso ali. “Estão pegando peixe grande”, vários passageiros
comentavam.
Pela BR
319, de Porto Velho a Manaus, após 206 Km –
única parte da BR que já está asfaltada -, com um percurso de quase 3 horas de viagem, se chega à cidade de Humaitá.
Este
município sul-amazonense está situado estrategicamente entre as rodovias BR-319
(Manaus-Porto Velho) e a BR-230 (Transamazônica) e às margens do rio Madeira. A
monocultura da soja, assim como muito gado e
sedes de fazendas com muitos currais podem ser observadas entre o trecho Porto
Velho e Humaitá. Além do tráfego de carretas
carregadas de grãos e grandes toras de madeira
da querida Amazônia. Dom Moacyr Grechi dizia: “A Amazônia tem sido um grande
quintal do Brasil e do mundo”.
No início do Encontro, na apresentação, já aparecia a identidade
ancestral das Comunidades Tradicionais Ribeirinhas: “Somos ribeirinhos beiradeiros, agricultores, pescadores, extrativistas, porque vivemos nos lagos, igarapés e paranás do
Beiradão no Rio Madeira e convivemos com a
Floresta Amazônica desde tempos ancestrais”. “Somos
Povos e Comunidades Tradicionais, guardiães da Floresta Amazônica.” “Nossa principal aliada é a igreja em saída
que não fica escondida, mas nos ouve, conhece as belezas da nossa cultura
tradicional ribeirinha de beiradeiros e se faz solidária com a luta pelos
nossos direitos.” Estão no novo arco do desmatamento da Amazônia. Após
devastarem brutalmente os estados do Mato Grosso e Rondônia, agora estão
invadindo os territórios no sul do estado do Amazonas. “No sul e sudeste do Brasil tem gente ganhando muito dinheiro com o que
produzimos e colhemos aqui na Floresta: açaí, castanha, óleos..., mas nós os
pequenos que moramos aqui, trabalhamos e protegemos a floresta continuamos
empobrecidos, sem apoio do Estado brasileiro”. O sul amazonense faz parte da região da AMACRO,
um plano de desenvolvimento que junta as fronteiras dos estados do Amazonas,
Acre e Rondônia, renomeado de Zona de Desenvolvimento Sustentável
Abunã-Madeira, onde 2022 obtiveram 7.055 alertas de incêndios e 231.955
hectares desmatados, somando 11.3% da área desmatada no Brasil.
Durante o Encontro, as ribeirinhas e os ribeirinhos questionaram a
política do governo federal de repressão aos garimpeiros sem políticas públicas
prévias que garantam o sustento das famílias garimpeiras e denunciaram com
veemência a brutal devastação que as grandes barragens de Santo Antônio e
Jirau, no Rio Madeira, causaram e seguem causando. Disseram: “Em 2014, após inaugurarem as hidrelétricas
de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho, em duas grandes barragens no Rio
Madeira, tem acontecido com frequência mortandade de peixes, pois as águas
estão sempre poluídas. Não podemos mais plantar nas vazantes, pois não sabemos
quando vão liberar grande quantidade de água. Já perdemos muitas colheitas com
a liberação de água que causam enchentes inesperadas. Pescar e caçar está cada
vez mais difícil. Os dias estão quente demais. Temos que ficar debaixo das
árvores. Muito difícil trabalhar de 9 às 16 horas da tarde por causa do calor
excessivo. A água do rio Madeira está preta e adoecendo peixes, animais e nós
ribeirinhos.”
O Estado e os grandes empresários, com
seus grandes projetos de desenvolvimento tem provocado muitas transformações
socioculturais, econômicas e territoriais para todas
as comunidades tradicionais ribeirinhas do Rio Madeira nos seus mais de 1.000
Km, pois afetaram de forma permanente o meio ambiente do ecossistema aquático e
o modo de vida dos Povos e Comunidades dos Ribeirinhos.
Até 1980 as famílias ribeirinhas viviam sem garimpo, com a intensidade
que está atualmente, mas sem o apoio dos governos e com a chegada de
nordestinos que viram no garimpo uma oportunidade de ganhar dinheiro, grande
parte dos ribeirinhos aprenderam a trabalhar
com garimpo como um meio de sustentar a família. No
garimpo existem os pequenos garimpeiros, os médios e os grandes. “Nós pequenos compramos balsas pequenas,
geralmente cobertas de palha e
lona, sem condições de pagar à vista, pagamos em
muitas prestações. Com o garimpo ganhamos para sobreviver, mas quando vem o
Governo Federal, com IBAMA e Polícia Federal e explodem as balsas com bombas
causando para nós um grande prejuízo. Perdemos nosso meio de sustento, ficamos
endividados e pior, com os incêndios das balsas são toneladas de gás carbônico
jogadas no ar e nas águas do Rio Madeira são jogados mercúrio, óleo diesel,
gasolina e lixo. Tudo isso causa mortandade de peixes e arruína nossa vida.”
Por isso, é injusto querer resolver o problema do garimpo só com política de
repressão. Antes da repressão, é necessário que o Estado brasileiro busque apresentar políticas públicas que garantam vida digna para os
milhares de ribeirinhos que são os verdadeiros guardiões da Floresta Amazônica.
“Precisamos de financiamento para
plantarmos e colhermos. Grande parte da produção da Floresta se perde, porque
não temos meios de transporte para recolher e levar para vender na cidade.”
“Por que o Governo não nos paga pelo trabalho de preservar a floresta?” “Se
implementassem políticas públicas para os ribeirinhos, tais como pagar
pelo trabalho de proteção da floresta, saneamento básico, acesso à educação
pública de qualidade, ao sistema de saúde público, ao transporte..., os
jovens não optariam por trabalhar no garimpo, pois “quebra-galho”, mas envenena
as águas e acaba com nosso futuro.”
Por que o Governo Federal não reprime de forma exemplar os
madeireiros, os desmatadores da floresta e os grileiros? Estes são os grandes
inimigos dos povos e da Amazônia.
“Ribeirinho beiradeiro não polui as águas e nem
desmata. Cuidamos da floresta, que é nossa mãe. Nós não somos bois para comer
capim”.
Os ribeirinhos estão cientes das pesquisas da Universidade Federal
do Amazonas que comprovaram que os níveis de metais pesados nas águas dos rios
da Amazônia - mercúrio, arsênio, cádmio, cobre, estanho, chumbo,
mercúrio... - estão muito acima dos
níveis toleráveis pelo corpo humano. “Não
queremos insistir com garimpo, mas exigimos políticas públicas
que nos garantam viver com dignidade”, isso os ribeirinhos beiradeiros reivindicam dos governos federal,
estadual e municipal.
A floresta não é um quintal, é a casa das Comunidades e dos Povos
Ribeirinhos, é casa
e lar das irmãs árvores, dos irmãos pássaros e uma infinidade de seres vivos
que têm o direito de viver. A natureza tem direitos. Os rios não são apenas
para servir a nós, os humanos, e para matar a sede dos animais. O rio é a casa
dos peixes. Os rios são as nossas estradas. Os
peixes são nossos alimentos e precisam procriar, viver, ser cuidados. “Na floresta
podemos “garimpar” sem ter que usar mercúrio em safras infinitas, preservando a
floresta. Nós podemos viver sem ouro, mas sem a floresta não podemos continuar
vivendo.” A Amazônia é jardim, farmácia, pulmão, rins, coração do mundo.
Terminamos o Encontro de Ribeirinhos beiradeiros com a certeza de
que os ribeirinhos têm muitos direitos, que estão sendo violados pelo Estado,
por madeireiros, por grileiros e invasores de terras. Afirmamos que a terra é
de quem nela mora e trabalha, de quem está na posse. Com Deus, invocado sob
tantos nomes, e com as bênçãos da mãe de Jesus, seguiremos defendendo o modo
ancestral de viver dos Ribeirinhos/as, que cuidam da nossa querida Amazônia.
30/04/2024
Obs.: A videorreportagem no link, abaixo, versa sobre o assunto tratado,
acima.
Barragens do Rio Madeira devastam vida dos
Povos e Floresta. E os Madeireiros? Ouça os Ribeirinhos!
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. Autor de livros e artigos. E
“cineasta amador” (videotuber) com mais de 6.000 vídeos de luta por direitos no
youtube, canal “Frei Gilvander luta pela terra e por direitos”. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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