A Ocupação Temer Jamais, do MLB, no Barreiro, em Belo Horizonte,
MG, está em terra que foi grilada, terra devoluta, que foi repassada de forma
ilegal e injusta para a prefeitura de BH e para empresas.
Nota da CPT/MG, em 18 de setembro
de 2016.
A Comissão Pastoral da Terra
(CPT/MG) se alegra com a Ocupação Temer Jamais, do MLB, no Barreiro, em Belo
Horizonte, MG, na área onde há 4 anos existia a Ocupação Eliana Silva 1 e foi
despejada por um fortíssimo aparato militar nos dias 12 e 13 de maio de 2012.
Vimos a público para esclarecer que a Prefeitura de Belo Horizonte não é a
legítima proprietária do terreno, além de não estar gozando posse do terreno. O
terreno é terra devoluta, terra pública que até 1992 pertencia ao Governo de
Minas Gerais, mas que foi de forma ilegal e injusta repassada para empresas que
especulam com esses terrenos há 24 anos. Por isso, denunciamos o que segue em
apoio às 300 famílias da Ocupação Temer Jamais e em nome da verdade:
A Defensoria Pública do Estado de
Minas Gerais da área de Direitos Humanos e o Ministério Público de Minas da
área de Direitos Humanos entraram com seis Ações Civis Públicas (ACPs) em
defesa das famílias das Ocupações Camilo Torres, Irmã Dorothy e Eliana Silva, ameaçadas
de despejo por ordens judiciais de varas cíveis. Vejamos algumas informações
que constam nessas ACPs.
Na esteira do "milagre econômico”, no final da década
de 60 e início da década de 70 do século passado, fora instituída, em Minas
Gerais, em 25/06/1971, por meio da Lei Estadual 5.721/71, a Companhia de
Distritos Industriais de Minas Gerais – CDI/MG -, empresa pública com função
precípua de gerir e fomentar a implementação de áreas industriais no território
mineiro.
Na década de 1.980, foi criado o Distrito Industrial
Sócio-Integrado do Jatobá, no Bairro Jatobá, na região do Barreiro, em Belo
Horizonte, parra destinar mais de 160 hectares de terra (1.661.224,00 m²) para
a instalação de dezenas de empresas na área. A área fazia parte de uma gleba,
ainda maior, a "Fazenda do Barreiro” que pertencia, até então, ao Estado
de Minas Gerais, o qual a adquiriu no ano de 1.896, visando integrá-la ao
território da nova Capital Belo Horizonte, inaugurada em 1897. Depois de
incorporada ao patrimônio público estadual, esta antiga estância rural passou a
se chamar Colônia Vargem Grande, sendo, tempos mais tarde, destinada
pelo Poder Público, em grande parte, para instalação de equipamentos públicos,
o que praticamente não se viabilizou(1).
Em 1.992 o Estado de Minas Gerais transferiu a área para a CDI/MG,
atualmente incorporada, desde 2003, pela Companhia de Desenvolvimento do Estado
de Minas Gerais – CODEMIG. Mas desde os idos de 1.980, o que se viu foi uma
sucessão de alienações bastante suspeitas de terrenos públicos estaduais em
favor de particulares, em sua maioria, sem procedimento licitatório, avaliação
prévia e a preços irrisórios. Em verdade, após a transmissão de referidos lotes
para particulares, com o objetivo FORMAL de instalação de indústrias, tais
propriedades foram renegociadas perante outras pessoas jurídicas e
privadas - geralmente instituições financeiras e empresários dos mais diversos
ramos -, quase sempre por quantias muito abaixo do preço de mercado.
Além disso, em geral, toda esta cadeia de alienações imobiliárias
tinha como interveniente a CDI/MG (ou sua sucessora, a CODEMIG), de modo que os
adquirentes assumiam, no bojo de contratos administrativos, a obrigação de
efetivamente instalar os empreendimentos fabris na região, seguindo
determinadas condições, com prazos definidos de, em regra, 10, 18, 24, 36 ou 42
meses. Contudo, tais cláusulas contratuais acabaram, no mais das vezes, não
cumpridas, confirmando, assim, a condição de grande parte da área como um
enorme terreno abandonado e sem qualquer destinação social e/ou econômica há
várias décadas. Palco de especulação!
Assim grande parte dos terrenos acabou servindo unicamente como depósito de lixo, desova de
cadáveres, depósito e
descarte de veículos desmanchados (ferro-velho), prática de tráfico e consumo de
entorpecentes, contribuindo sensivelmente para o aumento da criminalidade,
além da degradação ambiental, na região, com total conivência dos Poderes
Públicos envolvidos (incluídos aí a Prefeitura de Belo Horizonte, o Governo de
Minas Gerais e a CODEMIG), que nada fizeram ao longo desses tantos anos para
evitar a especulação e o uso inadequado do solo urbano e os respectivos danos à
sociedade.
Pouquíssimas indústrias estabeleceram-se na região, de modo que o
parcelamento da gleba em lotes pelo Governo de Minas Gerais, e sua alienação
para particulares pela Administração Pública Estadual Indireta, até o momento,
serviu, praticamente, apenas para o agravamento da especulação imobiliária na capital. Em suma, mesmo após ultrapassadas
mais de 03 décadas desde a criação do referido Distrito Industrial Sócio
Integrado do Jatobá, grande parte da região continua em situação de completo
abandono e descaso, sendo certo que o empreendimento não "saiu do papel”
e, pior do que isto, está permeado de ilegalidades gravíssimas, como pode-se
citar a ausência de licitação, a venda por preço irrisório e o descumprimento
de cláusulas contratuais que exigiam a implantação de empreendimentos
industriais para gerar emprego na região. O que prosperou foi a especulação e o
aumento do déficit habitacional.
O terreno onde está hoje as 300
famílias da Ocupação Temer Jamais foi repassada para a Prefeitura de Belo
Horizonte como compensação pela eventual instalação do Parque Industrial do
Barreiro, mas se esse não foi implementado e as os terrenos comprados tem sido
usados para especulação imobiliária, logo a Prefeitura de BH não é legítima
proprietária do terreno, pois os contratos precisam ser declarados nulos e
assim o terreno volta a ser terra devoluta, que pertence ao povo, sob
administração do governo de Minas.
O terreno onde está há cinco anos a comunidade Camilo Torres, em
1992, foi transferido pela CDI/MG para a Borvutex Comércio e Indústria Ltda,
com suposta área de 12.230m². Cerca de 9.450 m² de área privada e,
aproximadamente, 2.770 m² de área pertencente ao Município de Belo Horizonte. A
Borvultex assumiu o encargo de ali se construir um empreendimento industrial no
prazo de 24 meses, mas a área restou em completo abandono. Em 2004, sem contar
com a anuência da CODEMIG, a Borvultex promete vender a Victor Pneus o referido
imóvel, que por força do contrato, receberia a posse do imóvel. O valor dessa
transação foi de apenas 15 mil reais, quando somente o IPTU da área indicava o
valor venal de 250 mil reais. O terreno continuou no mais completo abandono,
sem que a CODEMIG fizesse algo para reverter ao patrimônio público o imóvel,
considerando o não cumprimento do encargo. O juiz da 10ª Vara Cível de Belo
Horizonte não concedeu a liminar de reintegração de posse, mas em Agravo de
Instrumento, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais autorizou fosse feita a
reintegração.
O terreno onde há três anos se encontra a Comunidade Irmã
Dorothy pertencia à CODEMIG. Em 2001, a CDI/MG celebrou contrato com a empresa
PARR Participação Ltda, pelo qual o imóvel seria transferido para referida
empresa por 121 mil reais, sob a condição de, no prazo de 20 meses ser
realizado no local um empreendimento industrial, gerando empregos na região.
Essa cláusula contratual não foi cumprida. Exatos cinco meses após a celebração
do referido contrato a empresa PARR Participações Ltda, contando com a anuência
da CDI/MG, transferiu o imóvel para o Banco Rural S/A por 600 mil reais -mais
do que 500% acima do valor pelo qual o Estado, por meio da CDI, repassou o
imóvel ao particular-, como dação em pagamento. Embora assentado em explícita
ilegalidade, o Banco Rural S/A celebrou, em 2007, Contrato Particular de Compra
e Venda com a empresa Tramm Locação de Equipamentos Ltda e outras pessoas físicas
pelo valor de R$ 180.000,00. Três anos se passaram sem que sequer a Escritura
de Compra e Venda fosse providenciada. O imóvel, por mais de dez anos, restou
em completo abandono. O local servia unicamente para bota-fora de lixo.
Eloquente é o fato de o Banco Rural ter recebido o imóvel pelo valor de 600 mil
reais e o ter vendido por apenas 180 mil reais. Em fevereiro de 2010, a empresa
Tramm e outras pessoas físicas, sem que proprietários fossem do imóvel,
celebram Contrato de Promessa de Compra e Venda com ASACORP Empreendimentos e
Participações S/A pelo valor de R$ 580.000,00. Também esta nova empresa sequer
fincou uma estaca no local.
O terreno onde está há quase um ano a Comunidade Eliana Silva está
localizado em duas grandes glebas (lotes 29 e 30) na mesma região e apresenta
as mesmas ilegalidades. O lote 30, uma gleba de 13.876,00 m2, em 16 de janeiro
de 2002, foi alienado pela CODEMIG, mediante contrato de compra e venda, para a
Construtora Ourívio S.A., sem licitação, avaliação e pelo preço irrisório de R$
111.008,00. As irregularidades são tão absurdas que no mesmo dia 16, tal
terreno fora dado em pagamento pela Construtora Ourívio S.A ao Banco Rural S.A.
(banco conhecido pelo Mensalão), pelo valor de R$ 1.216.586,42, ou seja,
montante quase 11 vezes maior. Sete anos depois, no dia 28 de maio de 2009, o
Banco Rural S.A., estranhamente, depois de tanto tempo e consequente
valorização do terreno -o que vem acontecendo em todo país nos últimos anos-,
vendeu o terreno para um empresário chamado Newton Alves Pedrosa, dono do
Supermercado das Portas e Janelas, pelo preço de R$ 166.512,00, quantia mais de
07 vezes inferior ao valor de sua aquisição. Desse modo, o Banco Rural teve
então um prejuízo de no mínimo R$ 1.050.074,42? Qualquer um que analise minimamente
essa situação verá que existem muita coisa estranha e que merece devida
apuração.
Por isso, atualmente, suspeitas de malversação do dinheiro público
e de inadequado parcelamento urbanístico na região vêm sendo alvo de apuração
em inúmeras ações coletivas ajuizadas pela Defensoria Pública de Minas Gerais e
pelo Ministério Público de Minas(2), com pedido de, dentre outros, anulação das
alienações com "reversão” dos imóveis ao patrimônio público
estadual, em razão das diversas irregularidades evidenciadas e do completo
abandono e desleixo que se encontravam tais terrenos, o que motivou a ocupação
deles por centenas de famílias que ora estão ameaçadas pelas ordens judiciais
de reintegração de posse.
Pelo exposto, acima, alertamos
que na será justo despejar pela 2ª vez 300 famílias no terreno onde está hoje a
Ocupação Temer Jamais. Jogar mais 300 famílias nas ruas e em completo abandono
social e manter os terrenos nas mãos dos especuladores é inadmissível. É fazer
coro com a enorme inoperância da Prefeitura de BH que não implementa programas
habitacionais que possam enfrentar de verdade o enorme e crescente déficit
habitacional. É permitir a continuidade da enorme irresponsabilidade do governo
estadual por não ter projetos habitacionais em andamento em Belo Horizonte e
deixar que a total omissão por parte do governo federal em relação a tamanhas
injustiças continue. O mínimo que exigimos é que se espere o julgamento de
todas as Ações Civis Públicas que arguem uma série de ilegalidades e
imoralidades que envolvem os terrenos onde estão as três comunidades ameaçadas.
Enfim, lutamos pelo resgate das terras do Vale do Jatobá que foram ilegalmente
repassadas para iniciativa privadas. Que essas terras sejam destinadas para um
grande programa habitacional para garantir o direito constitucional e fundamental
de moradia para as famílias que lá se encontram e que deram o melhor destino
àquelas terras. Isso é o justo e por isso lutamos.
Belo Horizonte, MG, Brasil, 18 de setembro de 2016.
Notas:
(1) Maiores informações estão disponíveis em: Barreiro Informações
Básicas: Territoriais, Sociais e Econômicas, Políticas e Culturais, Prefeitura
de Belo Horizonte, 2006.
(2) Conforme noticiado na matéria jornalística intitulada "MP
vai à Justiça contra a CODEMIG para cobrar 1 milhão”, relatou o Jornal Hoje em
Dia veiculado no dia 23 de maio de 2.011 que "O Ministério Público
Estadual (MP), por meio da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, ajuizou
uma ação civil pública, no valor de R$ 1 milhão, para obrigar a Companhia de
Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG) a devolver ao erário, com
correção, o dinheiro que deixou de receber com a venda irregular de um terreno.
A área, que tem quase 10 mil metros quadrados e foi vendida sem licitação,
seria destinada à construção de um distrito industrial, mas é ocupada hoje por
144 famílias, que formaram a comunidade Camilo Torres, agora ameaçada de
despejo. [...] O imóvel tem 9.454,52 metros quadrados e fica no Bairro Jatobá,
na região do Barreiro. O contrato de compra e venda obrigava a empresa a
construir no local um distrito industrial. Na época da operação, o Governo
informou que o empreendimento traria benefícios financeiros para a comunidade.
O prazo para que o distrito fosse construído era de 24 meses. Em 2004, o
Governo criou a CODEMIG, que incorporou a CDI e ingressou com uma ação judicial
pedindo a devolução do imóvel, com o argumento de que a atividade prevista em
contrato não fora cumprida.”.
Nota pública assinada pela
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – CPT/MG em 18/09/2016.