“Dar oportunidade é proporcionar condições para que mal não aconteça”, afirma dom Fechio
Campanha da CNBB e da Pastoral do Menor foi lançada ontem, em Brasília
A
Campanha "Dê Oportunidade. Faça diferente, ninguém nasce infrator" foi
lançada nesta segunda-feira, dia 5, na sede da CNBB, em Brasília (DF). A
iniciativa da Pastoral do Menor Nacional (Pamen) e da Conferência dos
Bispos, que envolve outras 23 instituições, tem o objetivo de levar à
sociedade um outro olhar sobre o adolescente que cometeu ato
infracional. O bispo de Amparo (SP) e referencial da Pastoral, dom Luiz
Gonzaga Fechio, ressaltou que “dar oportunidade não é apenas correr para
aliviar as consequências de um grande mal cometido, mas proporcionar
condições para que esse mal não aconteça”.
O
evento de lançamento da Campanha Dê Oportunidade foi marcado pela
presença de jovens e agentes da Pamen de todo o Brasil, que iniciaram a
cerimônia com um momento de oração com cantos e leitura do Evangelho.
Também estiveram presentes os representantes das diversas instituições
que participam como parceiras da iniciativa.
Maioridade Penal
O
bispo auxiliar de Brasília e secretário geral da CNBB, dom Leonardo
Steiner, relacionou a proposta da Campanha com a tramitação e o debate
de projetos que visam a diminuição da maioridade penal. “Diante da
tentativa de diminuir a maioridade penal, a nossa campanha é muito
importante. Com a redução, nós não estamos diminuindo uma idade, uma
cronologia, nós estamos diminuindo oportunidades, a participação livre
desses nossos irmãos e irmãs. Diminuir a maioridade penal é poder dar
chance a tantos abusos”, sublinhou. Dom Leonardo ainda enfatizou que
“com a diminuição da maioridade penal, há princípios fundamentais da
maturação humana colocados em cheque”.
Oportunidade
Dom
Luiz Gonzaga Fechio disse que a campanha é uma denúncia e um apelo. “A
campanha 'Dê oportunidade' denuncia um hábito, um costume arraigado na
nossa cultura, de rapidamente as pessoas se darem o direito de fazerem
um diagnóstico e atribuir, não apenas um juízo, mas às vezes uma
sentença de condenação”, falou.
O
bispo explicou que antes de pensar em uma punição a campanha evidencia
que a criança e o adolescente precisam de oportunidade. “E se for o caso
de punição, que aconteça nos moldes das medidas socioeducativas”,
afirmou.
Dom
Fechio mencionou, ainda, o fato de a campanha da Pastoral do Menor
Nacional ser realizada durante o Jubileu Extraordinário da Misericórdia.
“É para exercitarmos a misericórdia, não só enquanto perdão, mas
favorecimento de chances, de oportunidades, ocasiões propicias para a
promoção da dignidade”, disse.
Para
o referencial da Pastoral, as oportunidades acontecem não só com boa
vontade, mas “com condições favoráveis que em grande parte dependem da
família, e de modo especial da política”.
Objetivo
A
Campanha da Pastoral do Menor, da CNBB e outras 23 entidades, como a
Pastoral Carcerária, Pastoral da Juventude, Cáritas Brasileira e a
Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), querem informar, esclarecer e
sensibilizar a sociedade sobre o significado humano, social e político
das Medidas Socioeducativas (MSE) para a vida da sociedade e dos
adolescentes autores de atos infracionais. Outra intenção é pautar os
governos e executores das políticas públicas e todos os atores dos
Sistema de Garantia dos Direitos sobre as necessidade de fortalecimento a
aprimoramento do Sistema Socioeducativo (Sinase). A campanha também
divulgará as práticas exitosas na efetivação das MSE nos projetos da
Pastoral do Menor e nos de seus parceiros.
“Queremos
arregaçar as nossas mangas, fazer debates, levar para os diversos
ambientes esse debate e reflexão. Essa Campanha, certamente, vai nos
despertar mais para a necessidade da implementação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA)”, disse dom Leonardo Steiner.
O
coordenador nacional da Pastoral do Menor, André Franzini, falou das
ações e a articulação das atividades nos estados, além da criação de uma
metodologia para os trabalhos junto com os parceiros e instâncias
regionais.
Para
Franzini, não é preciso somente melhorar as medidas socioeducativas que
atendem aos jovens infratores, “mas estabelecer um profundo processo de
humanização das pessoas”. Ele também destacou que é preciso “pautar a
melhoria das políticas públicas para que as pessoas vivam e
ressignifiquem suas vidas a partir da humanização”.
Presente
no evento, o bispo de Caxias (MA) e presidente da Comissão Episcopal
Pastoral para a Juventude, dom Vilsom Basso, ressaltou a parceria das
Pastorais Juvenis na Campanha. “De fato, como costumo dizer aos jovens,
estamos juntos nesta Campanha proativa, positiva, humanizadora”. Dom
Vilsom lembrou do envolvimento de quase meio milhão de jovens na página
dos Jovens Conectados no Facebook.
Materiais
A
coordenadora da Pamen na região Norte, Francelina Araújo, apresentou os
materiais preparados para a Campanha. Antes de discorrer sobre cada
subsídio, comentou sobre cinco fotos mostradas pelo coordenador
nacional, André Franzini, que retratavam uma realidade enfrentada por
menores nas unidades de internação. “A gente não quer mais ver os
meninos sendo torturados, quer que de fato tenham uma oportunidade e
consigam ressiginificar seu projeto de vida”, disse.
Francelina
explicou a logomarca utilizada na campanha. Um quebra-cabeça sugere a
reconstrução da vida dos adolescentes e tem a representação das cores
das regiões brasileiras.
O
material impresso, que deve colaborar com a realização de oficinas,
rodas de conversas, seminários e audiências públicas é composto por três
cartilhas: metodológica, de experiências exitosas e de bolso.
De
acordo com Francelina, a cartilha metodológica será um suporte para
oficinas argumentativas. O material possui artigos sobre a
responsabilização do adolescente, o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (Sinase) e o Sistema Único de Assistência Social (Suas), o
fluxo de atendimento de jovens infratores e sobre as políticas sociais e
preventivas. O subsídio ainda apresenta sugestão de dinâmicas para a
realização de oficinas.
A
segunda cartilha é reservada para testemunhos e relatos de experiências
exitosas na efetivação das medidas socioeducativas nos diversos
projetos que a Pamen está envolvida.
Voltada
para adolescentes e jovens, a cartilha de bolso oferece informações
básicas sobre as medidas socioeducativas, os direitos das crianças e
adolescentes.
Palavra dos jovens
Cinco
jovens envolvidos nos diversos trabalhos da Pastoral do Menor, nas
quatro áreas de atuação - atendimento a crianças e adolescentes em
situação de risco pessoal e social; adolescente autor(a) de ato
infracional; famílias de crianças e adolescentes; e na busca por
políticas públicas de promoção e defesa dos Direitos das Crianças e
Adolescentes – compartilharam experiências e impressões sobre
a Campanha.
Representando
a região Norte, Thamilles Franco falou sobre a participação dos
adolescentes e das experiências de oportunidades em sua região. “Sabemos
a importância e a essencialidade da presença e participação das
crianças e adolescentes nos espaços de construção”, disse, lembrando dos
grêmios estudantis e conselhos municipais e estaduais. Considerando as
crianças e os adolescentes como sujeitos e protagonistas de suas
histórias, Thamilles afirmou ser “difícil falar, fazer e elaborar algo
referente à criança e ao adolescente sem ter a opinião dele, sem o ter
participando”.
A
adolescente citou o projeto “Ressignificando os caminhos através da
socioeducação” como exemplo de oportunidade em seu estado, o Pará, por
oferecer cursos e oficinas, além de trabalhar a assistência social,
cultural e religiosa.
Maria
Gabriele Ferreira, do estado do Rio Grande do Norte, falou pela região
Nordeste. Sua intervenção foi relacionada à importância da Campanha no
protagonismo juvenil na sociedade. A adolescente considera que a
campanha “tem por obrigação corrigir um erro social”, uma vez que no
Brasil “é muito mais fácil jogar um adolescente na prisão do que
educa-lo, puni-lo do que proporcionar uma educação melhor, uma saúde
melhor, proporcionar oportunidades, projetos que incentivem ele a andar
no caminho correto”. Maria Gabriele ainda relatou uma experiência de
quando era reprimida ao falar sobre política por ser muita nova. “Eu
prefiro ser uma jovem sábia a ser um adulto analfabeto político”,
exclamou seguida de uma salva de palmas.
Representante
da região Sul, Daniel Felipe Araitz, destacou como objetivo da Campanha
“levar à sociedade que nenhuma criança, nenhum adolescente nasce
infrator”. Falando sobre a redução da maioridade penal, recitou um poema
de Fábio Brazza sobre o tema, cujos primeiros versos denunciam: “É
uma pena, querem aumentar a pena e diminuir a idade / Como se isso
fosse diminuir a criminalidade / Mas isso só diminui a nossa sociedade”.
Do
Centro Oeste, Giovana Leite contou que acredita na Campanha, pois
conhece jovens que eram desacreditados e que conseguiram mudar sua
realidade por meio dos projetos realizados em Campo Grande (MS). “Se
reduzirem a maioridade penal muitos adolescentes não vão ter a
oportunidade de mudar”, afirmou lembrando dos debates em torno da
redução da maioridade penal.
Diego
Gonçalves, 20 anos, da região sudeste, contou sua experiência pessoal
com as medidas socioeducativas. Após envolver-se com a criminalidade,
teve uma série de idas e vindas da Fundação Casa, no estado de São
Paulo, onde teve a oportunidade de estudar e fazer cursos
profissionalizantes. Mas o então adolescente “jogou as oportunidades
para o ar”. Ao completar a maioridade continuou envolvido com drogas e
ficou preso por um ano e dois meses. Chocado com a realidade prisional,
Diego lembrou das oportunidades perdidas quando menor e do trabalho da
Pamen, que sempre fora oferecido. “Eu sou aquele filho pródigo. Na hora
que eu voltei, a Pastoral do Menor estava de braços abertos para me
acolher”, testemunhou.
A
Campanha da Pamen é voltada para gestores de políticas públicas,
sistema judiciário, conselhos de controle social e tutelares, educadores
sociais, adolescentes, escolas, representantes de comunidades e
movimentos sociais em geral. Os materiais estão disponíveis no site da Pastoral.
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