A
luta pela terra em Três Marias, MG, de 1959 a 1964: Liga Camponesa com a liderança
de Randolfo Fernandes de Lima.
“Da
outra margem do rio havia um mato muito bom. Procurei saber de quem eram
aquelas terras”, conta Randolfo Fernandes de Lima. E pediu para trabalhar por
ali como arrendatário. Em 1959, o homem que diziam ser o dono daquela grande
área não cultivada recusou a proposta. Ciente de que, pela Lei, a União tem
domínio sobre até trinta metros às margens dos rios navegáveis, Randolfo
decidiu ocupar uma gleba daquelas à beira do São Francisco, no estado de Minas
Gerais, a dois quilômetros da barragem de Três Marias. Tomou posse da área
junto a outras famílias, em um total de cento e vinte pessoas. Construíram seus
ranchos e passaram a plantar arroz, feijão, milho, mandioca, cana, banana e
hortaliças. Em pouco tempo, outras famílias uniram-se à empreitada de Randolfo.
A reação do pretenso dono não tardou.
Em
1961, vieram os representantes dos fazendeiros: oficiais de Justiça munidos de
um mandado de reintegração de posse e capangas armados. Além de expulsos, os
posseiros tiveram suas roças e casas destruídas, tendo que se deslocar para a
localidade de “Córrego Seco”, onde, como sugeria o nome, viveram à míngua, sem
ter como cultivar. Mas o movimento dos posseiros ali se consolidava,
fundando-se na consciência de que fortaleciam um movimento social de âmbito
nacional. Era o ano do I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas, realizado em Belo Horizonte (conhecido por Congresso de Belo
Horizonte), e no qual compareceram nada menos do que trezentos e seis
representantes da então recém criada Associação de Lavradores de Três Marias. O
conflito às margens do rio São Francisco transformava-se assim em luta política
de toda uma classe. Na fundação da associação, a causa dos camponeses posseiros
respaldava-se pela presença de quinhentas pessoas, entre lavradores e figuras
notórias, como o professor Tiago Cintra, o líder camponês Jôfre Correia, o
deputado do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) Hernani Maia e o advogado
Romanelli. Sob forte tensão, foram todos ameaçados por um grupo de jagunços que
gritavam “os cubanos estão aqui!”; “eles são comunistas!”. Mas a luta não
esmoreceu. Ao contrário, ganharam de volta o direito à posse e, a partir daí,
articularam-se a diversas forças políticas de esquerda, como as Ligas
Camponesas com a visita de Francisco Julião, o PCB, a AP, e a POLOP.
Com
três mil membros, a associação transformou-se no Sindicato Rural dos Produtores
Autônomos de Três Marias. Em 1963, perderam na Justiça o direito a permanecer
nas terras, mas, em resposta à carta aberta destinada ao presidente da
Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA), João Pinheiro Neto, obtiveram a
intervenção favorável direta do presidente João Goulart. Por meio de Decreto,
Jango anula a decisão judicial, destinando a terra “à fixação dos camponeses
que ali se encontram trabalhando e produzindo, tendo em vista solucionar
gravíssimo problema social.” A notícia repercutiu e, em reportagem do Estado de
Minas, os fazendeiros prometiam reação. O golpe militar viria em seguida.
Randolfo Fernandes e outros líderes de Três Marias foram presos, os demais
camponeses, de uma vez por todas expulsos de suas terras.
P.S.: O texto acima consta livro
CARNEIRO, Ana; CIOCCARI, Marta. Retrato
da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados,
mortos e desaparecidos. Brasília: MDA, 2010, p. 199-201. Disponível em http://w3.ufsm.br/gpet/files/pageflip-4001789-487363-lt_Retrato_da_Represso_P-9170061.pdf
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