Salvar
vidas agora, antes que seja tarde
Por Gilvander Moreira[1]
O balanço do Ministério da Saúde do dia
14 de abril de 2020 sobre a COVID-19 no Brasil apontou que o país agora tem
mais de 25 mil casos confirmados da doença, mais de
1.500 mortes – 204 mortos apenas no dia de hoje -, sendo 26% dos mortos fora do
grupo de risco, 25% com idade abaixo de 60 anos e, pior, com taxa de letalidade
bem maior do que a média registrada em outros países. Importante recordar que o
número de mortos e de pessoas com a COVID-19 no Brasil deve ser muito maior do
que os dados oficiais. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou que ainda não há comprovação
científica sobre se ficará imunizado quem contraiu o novo coronavírus e
sobreviveu. Ademais, no Brasil, a falta de testes para constatar se as pessoas
estão com a doença COVID-19 é criminosa.
Considerando que o crescimento do
contágio comunitário pelo novo coronavírus acontece, não apenas em progressão
aritmética (1, 2, 4, 6, 8, 10 ...), mas em progressão geométrica (1, 2, 4, 8,
16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024 ...) ou seja, de forma exponencial, se
quisermos salvar vidas, temos que agir rápido, antes que aumente muito o número
de pessoas infectadas. Essa ação tem componentes individuais que dependem da
nossa adesão e consiste em colocar em prática todas as medidas que evitam o
contágio: ficar em casa, em quarentena, lavar as mãos com frequência, usar
máscara quando tiver que sair de casa, e também componentes coletivos que,
infelizmente, dependem dos poderes públicos nos vários níveis para sua
implementação. Se o contágio não for barrado logo no início, se for
disseminado, será quase impossível impedir que todas as pessoas sejam
infectadas e milhares de nossos irmãos e irmãs perderão a vida, momento em que
a espada de dor transpassará o coração de milhões de brasileiros/as.
O Brasil é o país que menos tem aplicado
testes para detectar a presença do COVI-19, o que equivale a estarmos no meio
de uma pandemia, sem avistar qualquer luz no fim do túnel. Estamos no escuro. O desgoverno brasileiro está lavando as mãos,
como Pilatos, e entrará para a história como cúmplice da morte de milhares de
pessoas. O Brasil testa apenas 296 pessoas por milhão; os Estados Unidos testam
mais de 7 mil por milhão e, a Alemanha, 15 mil pessoas por milhão. Parece que
nos bastidores o Ministro da Saúde e o antipresidente estão combinados para
enganar o povo. Mandetta diz para se fazer ‘isolamento social’ – isolamento
físico, sim; social, não! - e o antipresidente desdenha das orientações da
Organização Mundial da Saúde (OMS). Será essa tática para no futuro o
desgoverno federal tirar o corpo fora das responsabilidades sobre os milhares
de vidas que serão ceifadas? O Ministro da Saúde se reduz a ser um conselheiro
do povo, a ficar orientando: ‘Fique em casa, senão no futuro vocês se
arrependerão.’ Caso ele fosse sério e
responsável, estaria anunciando providências para construir estruturas e
equipamentos necessários, com pessoal capaz, para salvaguardar todas as pessoas
em caso de doença. Cadê o cancelamento da PEC[2] 95
que cortou por 20 anos os investimentos em saúde? Cadê a ampliação do SUS? Cadê
pelo menos 50 milhões de testes para pelo menos 25% da população? Cadê a
produção e compra de respiradores artificiais em número necessário para não
deixar os hospitais entrarem em colapso? A falta de respiradores é um dos
tendões de Aquiles no enfrentamento da pandemia. Cadê compromisso do desgoverno
federal com a distribuição de recursos para sustentar todas as pessoas em tempo
de pandemia? Só R$600,00 é migalha e, ainda com o efeito colateral de causar aglomeração
nas filas em agências da CEF[3] e
da Receita Federal para a atualização de CPFs. Cadê aprovação no Congresso
Nacional de medidas para obrigar os banqueiros a bancar o custo da pandemia?
Cadê a paralisação no pagamento de juros e amortização da dívida pública que
está sugando mais de 38% do orçamento do Brasil?
O antipresidente brasileiro, que me nego
a citar o nome, lança sempre uma cortina de fumaça como uma tática para ocultar
as piores ações ou omissões do seu desgoverno, pois coloca parte da imprensa e
do povo para ficar discutindo idiotices intermináveis e, pior, com isso não se discutem
questões centrais e imprescindíveis tais como: repasse de mais de 38% do
orçamento nacional para pagar juros e amortizações da dívida pública, a
devastação ambiental, o envenenamento dos alimentos pelo uso indiscriminado de
agrotóxicos, a latifundiarização do país, a desigualdade social crescente e
absurda, a falta de moradia adequada para milhões de brasileiros, o racismo, a
homofobia, o feminicídio etc. A jornalista Eliane Brum desmascara esta tática
macabra do antipresidente: “Cada vez que
se comporta como um maníaco, faz figuras – da política profissional - que até ontem causariam arrepios despontarem
como estadistas.”
Grande parte dos milhares de mortos pela
pandemia do novo coronavírus terão no seu atestado de óbito “causa mortis:
pneumonia ...”, um número menor “causa mortis: COVID-19 por coronavírus”, mas,
na realidade, deveria ter “causa mortis: sucateamento e aniquilamento do SUS
pela PEC-95, 38% do orçamento do país sequestrado para pagar juros e
amortização da famigerada dívida pública, ausência de políticas públicas que
garantam acesso à terra, a moradia adequada e ao saneamento básico para
todos/as.”
E se os governos de outros países do
mundo não tivessem, mesmo com atraso, tomado as medidas orientadas pela OMS
para enfrentar a pandemia do novo coronavírus? Morreriam quantos por cento da
população mundial, que é 7,7 bilhões de pessoas? Os governos não estão se
vergando à implementação de medidas para barrar ou pelo menos diminuir o
contágio comunitário do novo coronavírus porque são defensores da vida, mas
porque se a maioria dos trabalhadores morrerem, não terão mão de obra barata
para trabalhar e produzir para eles.
Bruno Latour assim define a lição posta
pelo novo coronavírus: “A primeira lição
do coronavírus é também a mais espantosa. De fato, ficou provado que é
possível, em questão de semanas, suspender, em todo o mundo e ao mesmo tempo,
um sistema econômico que até agora nos diziam ser impossível desacelerar ou
redirecionar. A todos os argumentos apresentados pelos ecologistas sobre a
necessidade de alterarmos nosso modo de vida, sempre se opunha o argumento da
força irreversível do ‘trem do progresso’, que nada era capaz de tirar dos
trilhos, ‘em virtude’, dizia-se, da ‘globalização’”[4].
Como crescer infinitamente em um planeta
finito? Como é possível tornar sustentável o que, em sua estrutura, é
insustentável? Os arautos do capitalismo estão mudos diante dessas perguntas,
não têm argumentos sensatos. É óbvio que enquanto houver capitalismo, haverá novos
colonialismos, a reprodução do patriarcado e, pior, estaremos correndo, em meio
à barbárie, rumo à extinção da espécie humana, pois estará sendo construída a escandalosa
concentração de riqueza e poder, uma extrema desigualdade social, a destruição
das condições objetivas de vida no planeta Terra e a fatal e iminente
catástrofe ecológica final.
A humanidade encontra-se em uma encruzilhada
decisiva, provavelmente a última: ou mudamos nossa forma de nos relacionar com
a natureza e entre nós desenvolvendo plenamente nossa humanidade, agindo com
base na solidariedade e na preservação da vida em todas as suas formas ou
seremos extintos do planeta Terra. Como um grande ser vivo, Gaia, o planeta
Terra está submetido a queimaduras muito graves. O cerrado, a caatinga, a mata
atlântica, o pantanal, a Amazônia e os pampas são os biomas brasileiros que
constituem a pele da mãe Terra, mas, covardemente, estão sendo devastados
impiedosamente.
Eliane Brum recorda uma estratégia
básica da elite dominante: “Conceder um
pouco para garantir que nada mude no essencial é um truque antigo. [...] O pior
que pode nos acontecer depois da pandemia será justamente voltar à “normalidade”[5].
Se voltarmos à normalidade anormal, criada para manter os interesses do
capital, “o mundo pós-coronavírus será
ainda mais brutal e o colapso climático se aprofundará”, nos alerta Brum. Noam
Chomsky nos dá uma dica vital: “Para
aqueles preocupados em reconstruir uma sociedade viável dos destroços que
restarão da crise em andamento, é bom atender ao chamado de Vijay Prashad:
"Não voltaremos à normalidade, porque o problema era a normalidade"[6].
Foi essa ‘normalidade do caos’ que criou as condições para que o novo
coronavírus se alastrasse por todo o planeta.
Não, senhores poderosos, não estamos
todos no mesmo barco. A maioria da população é formada pelos/as empobrecidos/as
e estes/as estão fora do barco, em meio à tempestade. Essa parcela da população
que é mais vulnerável não tem condições de manter o isolamento físico e será
exposta a essa gravíssima doença: COVID-19. A desobediência civil é e será cada
vez mais um instrumento necessário capaz de desarmar a engrenagem de morte em
andamento e reconstruir uma sociedade justa economicamente, solidária
socialmente, plural culturalmente, sustentável ecologicamente, sem machismo,
sem racismo, com vida e liberdade para todos/as[7].
14/4/2020
Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o
assunto tratado acima.
1
- Coronavírus: como vencer o capitalismo de desastre?
2
- CORONAVÍRUS, CLIMA E CAPITAL: a irracionalidade destrutiva do capitalismo
3
- PANDEMIA: ESTE SERÁ O FIM DO CAPITALISMO?!!!
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela
FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em
Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de
“Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte,
MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Proposta de Emenda à
Constituição aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente.
[3] Caixa Econômica Federal.
[4] Cf. Texto citado por Eliane Brum
no artigo “O futuro pós-coronavírus já está em disputa”, para El País,
republicado em https://racismoambiental.net.br/2020/04/08/o-futuro-pos-coronavirus-ja-esta-em-disputa-por-eliane-brum/
[5] Cf. Eliane Brum no artigo “O
futuro pós-coronavírus já está em disputa”, em El País, republicado também em https://racismoambiental.net.br/2020/04/08/o-futuro-pos-coronavirus-ja-esta-em-disputa-por-eliane-brum/
[7]
Gratidão à Carmem Imaculada de
Brito, doutora em Sociologia Política pela UENF, que fez a revisão deste texto.
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