A dieta do fascismo e o tênue brilho da razão
Mauro Santayana, em 20/03/2016.
A Agência Espacial
japonesa lançou, há poucos dias, o Telescópio Astro-H, destinado ao estudo do
espaço profundo, por meio da captação de raios-x.
Trabalhando a uma
temperatura próxima do zero absoluto, as diferentes câmeras do Hitomi, ou
“pupila” como também é conhecido, são capazes de identificar fontes
extremamente distantes e tênues de raios X, e separar a sua luz em um espectro,
semelhante a um arco-íris, identificando os fótons que a compõem, por meio da
variação de sua temperatura individual, permitindo o estudo de estruturas
supermassivas, como aglomerados de galáxias, e eventos de alta energia, como
buracos negros.
Se dispuséssemos de
um instrumento com acuidade semelhante para detectar, no universo político e
empresarial brasileiro um brilho tênue de razão e equilíbrio, no caótico buraco
negro marcado pelo radicalismo, a cegueira e a rápida sucessão de
acontecimentos – muitos deles propositadamente fabricados - destes tempos
confusos e sombrios, é possível que ele tivesse captado, no início desta
semana, as observações feitas pelo empresário Eli Horn, fundador do Grupo
Imobiliário Cyrela, após um evento organizado por sua empresa sobre as
perspectivas para o Brasil e a importância do empreendedorismo.
Afirmando, em
entrevista ao jornal Valor Econômico, estar otimista com a economia – sua
empresa faturou mais de 3 bilhões de reais no ano passado (2015) – e que a
“crise atual é pequena e faz parte da vida”, Horn deu a entender que é preciso
negociar, e que a solução para a atual crise política é a realização de um
acordo entre todos os partidos, que tenha como objetivo o “bem do país”.
“Tem que haver um
acordo político – afirmou – e se os políticos quiserem, é possível fazê-lo. É
só querer do fundo do coração.”
As afirmações de Elie
Horn são um lampejo de razão, em um país dividido pela ambição, o egoísmo e a
conspiração, caminhando celeremente para o abismo, em um momento em que parte
daqueles que possuem mandato eletivo se lançam, desesperadamente, à derrubada
do governo, sem perceber que há uma terceira força, descontrolada e radical, em
ascensão, que se baseia e se alimenta da antipolítica e da sabotagem da
governabilidade, e aposta na destruição da democracia como a conhecemos para
entregar a tutela do Estado a castas sem voto, que agem colocando a lei a
serviço de seus interesses, por meio da força discricionária do personalismo e
do arbítrio.
Tudo isso – não se
iludam aqueles que acham que o Brasil amanhecerá um mar de rosas no day after de um eventual impeachment -
seguindo uma estratégia contínua, permanente, coordenada, que está voltada para
a conquista do poder, e que não será afrouxada, ou abandonada, se o PT for
afastado do governo federal.
Ainda mais razão tem
Elie Horn, em suas palavras, quando as ruas estão tomadas e ocupadas, como já
ocorreu em praças de países que se autodestruíram, como o Egito, a Síria, a
Líbia, a Ucrânia, por multidões desatinadas, verdadeiras colchas de retalho,
que não dispõem de outro consenso que não o do ódio e já começam a agredir não
apenas transeuntes ou cidadãos que não se curvam aos seus gritos e à sua
vontade – convocando pela internet grupos de “bombados” imbecilizados para
fazer isso - como qualquer um que delas se aproxime, reservando o culto da
personalidade para “mitos” que se travestem, justamente, de “antipolíticos” e que
se situam, até mesmo pelas “limitações” técnicas de seus cargos, teoricamente
à margem do contexto “político”.
Nas manifestações
contra Dilma, um casal foi espancado, na quarta-feira, dia 16.
E um menino de 17
anos de idade quase foi linchado na quinta-feira em que a direção da FIESP
mandou publicar anúncios coloridos de página inteira, com o apelo, em letras
garrafais de RENÚNCIA JÁ, provavelmente dirigidos à Presidente da República.
A mesma quinta-feira
em que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ordenou, em uma cena
digna de um filme de Fellini, que seus elegantes garçons servissem filé mignon,
torta e purê de batatas aos líderes das forças antidemocráticas e anti-petistas
acampadas em frente à sua sede da Avenida Paulista.
Como cidadãos e
empresários, talvez tivesse sido melhor que os dirigentes da FIESP dessem
ouvidos a ponderações como a do colega Eli Horn, proprietário da Cyrela, em vez
de se deixar seduzir pela malta acampada em seus portões.
Até porque, apesar
dos anúncios e do repasto, quando o Presidente da Federação, Paulo Skaf, saiu à
rua, com alguns assessores, para tentar cantar, horas depois, o hino nacional
entre os manifestantes, ele também foi escorraçado aos gritos, e teve que
voltar, correndo, para o abrigo e a segurança de sua instituição, assim como
ocorreu com outras autoridades e personalidades, como o Secretário de Segurança
Pública de São Paulo, Alexandre de Morais, e o próprio Senador Aécio Neves e o
Governador Geraldo Alckmin, também expulsos, no domingo, da Avenida Paulista,
pela multidão.
A esperança é que
esses episódios - principalmente os espancamentos ocorridos na principal via
pública do país - abram o ouvido dos surdos e os olhos dos cegos, e contribuam,
didaticamente, no universo político e do empresariado, e no que resta de bom senso
na opinião pública, para o entendimento de uma verdade histórica simples e
cristalina:
Como as feras do
Coliseu Romano e certos cães, quando enfermos ou enfurecidos, o fascismo é, por
natureza, desatado e incontrolável, e se nutre de ignorância, ódio, preconceito,
truculência e sangue.
Sangue como o do
menino espancado por um numeroso bando de covardes na Avenida Paulista - por
mais que se tente bajulá-lo, e alimentá-lo, com suculentos steaks de filé
mignon.
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