QUATRO SOMBRAS AFLIGEM A REALIDADE BRASILEIRA
Leonardo
Boff, Adital - 22 de março de 2016
Em
momentos de crise, assomam quatro sombras que estigmatizam nossa história cujos
efeitos perduram até hoje.
A
primeira sombra é nosso passado colonial. Todo processo colonialista é
violento. Implica invadir terras, submeter os povos, obriga-los a falar a
língua do invasor, assumir as formas políticas do outro e submeter-se
totalmente a ele. A consequência no inconsciente coletivo do povo
dominado: sempre baixar a cabeça e ser levado a pensar que somente o que é
estrangeiro é bom.
A
segunda sombra foi o genocídio indígena. Eram mais de 4 milhões. Os
massacres de Mem de Sá em 31 de maio de 1580 que liquidou com os Tupiniquim da
Capitania de Ilhéus e pior ainda, a guerra declarada oficialmente por D.João VI
em 13 de maio de 1808 que dizimou os Botocudos (Krenak) no vale do Rio Doce
manchará para sempre a memória nacional.
Consequência: temos
dificuldade de conviver com o diferente, entendendo-o como desigual. O índio
não é ainda considerado plenamente "gente”, por isso suas terras são
tomadas, muitos são assassinados e para não morrerem, se suicidam. Há uma
tradição de intolerância e negação do outro.
A
terceira sombra, a mais nefasta de todas, foi a escravidão. Entre 4-5
milhões de pessoas foram trazidas da África como "peças” a serem
negociadas no mercado para servirem nos engenhos ou nas cidades como
escravos. Negamos-lhes humanidade e seus lamentos sob a chibata chegam
ainda hoje ao céu. Criou-se a instituição da Casa Grande e da Senzala.
Gilberto
Freyre deixou claro que não se trata apenas de uma formação social patriarcal,
mas de uma estrutura mental que penetrou nos comportamentos das classes
senhoriais e depois dominantes. Consequência: não precisamos respeitar o
outro; ele está aí para nos servir. Se lhe pagamos salário é caridade e não
direito.
Predominou
o autoritarismo; o privilégio substitui o direito. Criou-se um Estado
para servir aos interesses dos poderosos, e não ao bem de todos, e uma
complicada burocracia que afasta o povo.
Raymundo
Faoro (Os donos do poder) e o historiador e acadêmico José Honório Rodrigues (Conciliação
e reforma no Brasil) nos têm narrado a violência com que o povo foi tratado
para estabelecer o estado nacional, fruto da conciliação entre as classes
opulentas sempre com a exclusão intencionada do povo. Assim surgiu uma
nação profundamente dividida entre poucos ricos e grandes maiorias pobres, um
dos países mais desiguais do mundo, o que significa um país violento e cheio de
injustiças sociais.
Uma
sociedade montada sobre a injustiça social nunca criará uma coesão interna que
lhe permitirá um salto rumo a formas mais civilizadas de convivência. Aqui
imperou sempre um capitalismo selvagem que nunca conseguiu ser civilizado. Mas
depois de muitas dificuldades e derrotas, conseguiu-se um avanço: a
irrupção de todo tipo de movimentos sociais que se articularam entre si.
Nasceu
uma força social poderosa que desembocou numa força político-partidária. O
Partido dos Trabalhadores e outros afins, nasceram deste esforço titânico,
sempre vigiados, satanizados, perseguidos e alguns presos e mortos.
A
coligação de partidos hegemonizados pelo PT conseguiu chegar ao poder central.
Fez-se o que nunca foi pensado e feito antes: conferir centralidade ao
pobre e ao marginalizado. Em função deles se organizaram, como cunhas no
sistema dominante, políticas sociais que permitiram a milhões saírem da miséria
e terem os benefícios mínimos da cidadania e da dignidade.
Mas uma
quarta sombra obnubila uma realidade que parecia tão promissora: a corrupção.
Corrupção sempre houve entre nós em todas as esferas. Negá-lo seria
hipocrisia. Basta lembrar os discursos contundentes e memoráveis de Ruy
Barbosa no Parlamento.
Setores
importantes do PT deixaram-se morder pela mosca azul do poder e se corromperam.
Isso jamais poderia ter acontecido, dado os propósitos iniciais do partido.
Devem ser julgados e punidos.
A
justiça focou-se quase só neles e mostrou-se muitas vezes parcial e com clara
vontade persecutória. Os vazamentos ilegais, permitidos pelo juiz Sérgio
Moro, forneceram munição à imprensa oposicionista e aos grupos que sempre
dominaram a cena política e que agora querem voltar ao poder com um projeto
velhista, neoliberal e insensível à injustiça social. Estes conseguiram
mobilizar multidões, conclamando o impedimento da Presidenta Dilma, mesmo sem
suficiente fundamento legal como afirmam notáveis juristas. Mas o PT
respondeu à altura.
As
quatro sombras recobrem a nossa realidade social e dificultam uma síntese
integradora. Elas pesam enormemente e vêm à tona em tempos de crise como agora,
manifestando-se como ódio, raiva, intolerância e violência simbólica e real
contra opositores. Temos que integrar essa sombra, como diria C. G. Jung, para
que a dimensão de luz possa predominar e liberar nosso caminho de obstáculos.
Nunca
fui filiado ao PT. Mas apesar de seus erros, a causa que defende será sempre
válida: fazer uma política integradora dos excluídos e humanizar nossas
relações sociais para tornar a nossa sociedade menos malvada.
Leonardo
Boff escreveu: Que Brasil queremos, Petrópolis,
RJ: Vozes 2000.
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