O
crime da VALE exige justiça e não apenas medidas paliativas
Por Gilvander Moreira[1]
Crime tragédia da VALE, com licença do Estado, a partir de Brumadinho, MG, dia 25/01/2019. Foto: Divulgação / Rede Social |
O crime/tragédia gigante causado pela
mineradora VALE, com licença do Estado, exige de todas as pessoas de boa
vontade compromisso ético para que não apenas ações paliativas e secundárias
sejam postas em prática, mas é imprescindível que justiça no sentido mais
profundo seja efetivada. Profundamente comovido e indignado, o coordenador da
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Minas Gerais, Fillipe Gibran, passou
o dia de ontem, 28 de janeiro de 2019, em Brumadinho, MG, tentando ser
solidário e contribuir para que mais esse crime tragédia não fique impune. Em
um relato dramático que interpela nossa consciência, diz Gibran: “É terrível o crime socioambiental da VALE,
com anuência do Estado, ocorrido a partir de Brumadinho, MG, dia 25 de janeiro
de 2019. A recuperação dos bens naturais é impossível de se pensar e a perda
dos seres humanos também é incalculável. Já é o maior crime socioambiental da
história da humanidade em número de pessoas mortas. Depois de muita insistência,
alguns atingidos me confidenciaram que foram orientados pela VALE, pelo IBAMA e
pela polícia civil a não passarem nenhuma informação a ninguém, nem à imprensa,
nem aos movimentos sociais e nem às pastorais sociais. “Falaram pra gente que
nenhum movimento social vai pagar as indenizações; que quem paga é a VALE -
pagará quando e quanto? Como pagar o impagável? -, então é melhor fazer o que a
VALE quer”, disse um sobrevivente. Ouvi que muitos moradores retiraram
vários corpos de pessoas do leito dos
rios e que inclusive na região de São
Joaquim de Bicas, um pouco abaixo, encontram corpos também soterrados. Muitos
moradores estão inconformados, dizendo que o número de desaparecidos é muito
maior do que a VALE e a imprensa estão divulgando. Ouvi muitos relatos de
pessoas dizendo que seus parentes estavam no local do crime e que estão
desaparecidos, porém não constam nas listas. E a VALE está se negando a inserir
muitos nomes de desaparecidos na lista. Falaram de dois vilarejos com 50 casas
que foram devastadas pela lama tóxica e que ninguém contabiliza eles. Pelo
horário do rompimento das barragens não houve troca de turno. Por isso, estimam
que só de funcionários da VALE no local, no momento do crime/tragédia gigante,
seria um número próximo a 400 trabalhadores/as. Informaram que a pensão que foi
soterrada tinha capacidade para 120 pessoas e que por ser férias e sexta-feira,
existe a chance de estar com uma lotação razoável. Próximo à pensão havia 17 casas de moradores.
Todas essas informações elevam em muito a estimativa do número de
desaparecidos. Muitos moradores com parentes desaparecidos não conseguem
inserir os nomes dos parentes nas listas da VALE, que está fazendo blindagem
das informações e das pessoas, fez um cerco para ninguém chegar perto das
barragens e nem dos ribeirinhos. Os moradores estão enlutados e sem informações
certas. Os voluntários de outros estados foram dispensados. Os funcionários da VALE
estão pressionados e os bombeiros, extenuados.”
Diante deste cenário que transpassa de
dor nosso coração, temos que alertar que a VALE está controlando e blindando as
informações, os espaços, e o Estado não pode permanecer em uma posição secundária,
preocupado apenas com ajuda emergencial. A transparência no trato com os
milhares de famílias golpeadas é necessária e uma questão ética inarredável. Se
não forem enfrentadas as questões de fundo com firmeza, em breve outros crimes
tragédias ocorrerão. Ocultar informações é mentir e violentar mais uma vez quem
já foi golpeado. As famílias violentadas têm direito a informações
transparentes e imparciais. Nojento ver e ouvir a VALE fazendo propaganda sobre
as migalhas de ajuda humanitária que está fazendo diante da sexta-feira da
paixão que a mineradora, com licença do Estado, provocou. É inadmissível que o
Ministério Público, Estadual e Federal, e o poder judiciário mandem prender
apenas funcionários e autoridades secundárias. E os principais responsáveis por
esse crime anunciado, que não é de Brumadinho, mas da VALE e dos seus aliados
no Estado?
Com um povo trabalhador, Brumadinho era
uma região rica em nascentes e cachoeiras, por isso, abastecia parte de Belo
Horizonte e Região Metropolitana com farta produção de verduras e legumes. Além
de ser uma cidade com inúmeros núcleos e sítios históricos, bens culturais
tombados e comunidades tradicionais, entre elas, remanescentes de quilombos,
como as de Marinhos, Sapé, Ribeirão e Rodrigues. Lamentavelmente, as
mineradoras invadiram Brumadinho e região, e foram sacrificando os biomas e
espalhando violência socioambiental sem fim.
É necessária a participação dos
atingidos e atingidas, melhor dizendo, violentados e massacrados, no Comitê
criado pelo Governo Federal para “Supervisão de Respostas a Desastre em
decorrência da ruptura da barragem do Córrego do Feijão” (Decreto 9.691, de
25/1/2019).
Tornou-se um imperativo ético e uma
necessidade de sobrevivência para o povo e para as próximas gerações paralisar
já toda atividade de mineração no estado de Minas Gerais por meio da suspensão
de todas as licenças de projetos de mineração no estado de MG por tempo
indeterminado até que sejam feitos estudos técnicos idôneos por professores e
técnicos independentes para se averiguar a segurança ambiental de todos. Se não
for seguro, que não seja reaberto nunca, o processo de mineração. Essa medida é
necessária, porque há inúmeras comunidades a jusante (abaixo) de barragens,
como é o caso, por exemplo: a) de Congonhas, onde há 1,5 milhão de pessoas
morando abaixo de uma megabarragem de rejeitos minerários; b) da cratera da
Mina de Águas Claras, atrás do que resta da Serra do Curral, em Belo Horizonte,
está acima dos bairros Mangabeira, Serra e, se romper, passará como um tsunami
varrendo tudo o que encontrar pela frente, desde o bairro Mangabeiras até a
Praça da Estação, no centro de Belo Horizonte; c) da barragem do Doutor, na
Mina de Timbopeba, que poderá atingir as comunidades de Antônio Pereira, no
município de Ouro Preto; d) da barragem da mineradora Anglo American, em
Conceição do Mato Dentro, onde há várias comunidades abaixo da barragem que,
como um dragão, está devastando tudo. No noroeste de Minas, em Paracatu, acima
da cidade, como uma espada de Dâmocles, está uma das maiores barragens de
rejeitos minerários do Brasil.
Nesse
tempo em que de forma vergonhosa e escandalosa os interesses do capital e dos
capitalistas se sobrepõem ao bem comum, aos direitos fundamentais, de forma
institucionalizada, é fundamental a atenção e a mobilização de todas as forças
vivas da sociedade para que a vida seja respeitada e preservada, e a justiça,
de fato, se concretize, sem restrições.
Belo Horizonte, MG, 29 de janeiro de
2019.
Obs.: O vídeo,
abaixo, ilustra o texto, acima.
1
- Rompimento de quatro barragens em Brumadinho/MG NÃO FOI ACIDENTE. FOI CRIME! 28/1/2019.
[1] Frei e padre da Ordem dos
carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em
Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e
Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos”
no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
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