Paixão na bacia do rio ex-Doce: crime e impunidade
crescem
Por Gilvander Moreira[1]
Foto: Divulgação / MAM -Movimento pela Soberania Popular na Mineração |
O dia 05 de novembro de 2015 entrou para
a história como o dia do maior crime/tragédia socioambiental da história do
Brasil e um dos maiores do mundo: o crime das mineradoras VALE/Samarco/BHP e do
Estado acontecido a partir de Bento Rodrigues, no município de Mariana, MG, com
o rompimento da barragem de Fundão, que despejou abruptamente 55 milhões de
toneladas de lama tóxica – rejeito de mineração – na calha do rio ex-Doce,
matando instantaneamente 19 pessoas, milhões de peixes etc. Dia 05 de novembro
de 2015, a sexta-feira da paixão da Bacia do rio ex-Doce no altar do mercado
idolatrado que mata rio, mata peixe, mata gente e tudo o que encontra pela
frente. Ao celebrarmos com ‘luto e luta’ os quatro anos desse crime/tragédia de
proporções inimagináveis, precisamos prestar atenção sobre o tamanho da
devastação socioambiental que esse crime/tragédia vem causando de forma
continuada. O crime continua se reproduzindo e, pior, aumentando. A impunidade
também só cresce. Há um silenciamento que insiste no esquecimento. Fala-se do
crime/tragédia da Vale e do Estado a partir de Córrego de Feijão, em
Brumadinho, dia 25 de janeiro de 2019, mas não podemos deixar cair no esquecimento
o crime/tragédia que se abateu sobre toda a Bacia do rio ex-Doce. Eis alguns
dados imprescindíveis para as análises e para subsidiar a luta pela superação
desse imenso rastro de devastação.
Do tamanho de Portugal, a Bacia do rio ex-Doce
está localizada na região leste de Minas Gerais e deságua no norte do estado do
Espírito Santo; é a 5ª maior bacia hidrográfica do Brasil com 850 quilômetros
de extensão; nela vivem 3,5 milhões de habitantes e bilhões de outros seres
vivos da biodiversidade. Na bacia, acima de 350 mil pessoas estão em grave insegurança
hídrica e alimentar sem poder usar a ‘água vermelha’ do rio ex-Doce que está com
lama tóxica. Existem 377 mil nascentes em toda a bacia e estão todas sendo
matadas pela monocultura do eucalipto, pecuária extensiva e por projetos de
mineração. Os 55 milhões de metros cúbicos - equivalentes a 20 mil piscinas
olímpicas - de lama tóxica jogados no rio ex-Doce destruíram as 120 mil
nascentes que existiam nas margens do rio ex-Doce e nos mangues na foz, no
Espírito Santo. Mais de 11 toneladas de peixes foram mortos e a reprodução de
peixe foi extinguida. O crime acabou com a possibilidade de se usar a areia do rio
ex-Doce para a construção civil e amputou a as condições de vida das
comunidades ribeirinhas, de pescadores e de assentamentos da reforma agrária.
Além das 19 pessoas assassinadas instantaneamente, nos últimos quatro anos
morreram muito mais pessoas por depressão, por ataque cardíaco ou por briga por
migalhas de água.
Em conluio com as mineradoras, por um
dos seus braços que é o Poder Judiciário, o Estado permitiu que as mineradoras
criminosas continuassem cuidando da cena do crime, fazendo paliativos e
postergando infinitamente o pagamento das necessárias indenizações e o
atendimento às justas reivindicações dos milhares de famílias que não foram apenas
atingidas, mas golpeadas. Por meio do poder judiciário, o Estado se colocou de
joelhos diante das mineradoras ao conceder autorização judicial para se criar a
Fundação Renova, que é a mineradora Samarco travestida de fundação. O justo
seria confiscar os bilhões de reais necessários das mineradoras
VALE/Samarco/BHP e repassar diretamente para as entidades da Sociedade Civil
organizada para, com acompanhamento do Ministério Público e da Defensoria
Pública, empreender assistência técnica autônoma, encaminhar o pagamento com
urgência de todas as indenizações devidas e implementar os melhores projetos de
resgate e revitalização de toda a Bacia do rio ex-Doce que foi sacrificada por
uma máquina de moer vidas.
Não podemos esquecer a infame
flexibilização das leis de licenciamento ambiental promovida em regime de
urgência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, sob liderança do
ex-governador Fernando Pimentel (PT), logo após o início do crime/tragédia a
partir de Bento Rodrigues. Alertamos também que após muita luta dos movimentos
socioambientais e sob a comoção do crime/tragédia que ocorreu a partir de
Brumadinho, o projeto de lei “mar de lama” aprovado na Assembleia Legislativa
de Minas Gerais ainda faculta às mineradoras o autocontrole e a
autofiscalização, o que deixa a porta aberta para a produção de outros crimes.
Repudiamos também a autorização que o
Governo de Minas Gerais, de Romeu Zema (Partido Novo), por meio da Secretaria
Estadual do Meio Ambiente (SEMAD), concedeu para a Samarco voltar a explorar
minério em Bento Rodrigues, pois significa apunhalar novamente os povos e a
bacia do rio ex-Doce. Não esqueçamos: a) há mais de 700 barragens de rejeitos
de minério em Minas Gerais e a maioria com risco de rompimento; b) a cidade de
Belo Horizonte e sua Região Metropolitana estão em aguda crise hídrica e com os
dias contados para entrar em colapso hídrico, devido também ao assassinato do
rio Paraopeba pelo crime/tragédia da Vale e do Estado, a partir de 25 de
janeiro de 2019.
No Evangelho de Jesus Cristo e em
documentos do Concílio Vaticano II há um alerta elementar: prestem atenção nos
sinas dos tempos. Acrescento: Ouçamos os sinais dos lugares e dos territórios
sacrificados pela mineração: os povos de Minas Gerais e os seres vivos da biodiversidade
só terão futuro se a mineração e as monoculturas forem reduzidas a um mínimo
necessário. Honremos os mortos vítimas das mineradoras e do Estado, na luta
para vencermos a guerra que as mineradoras estão fazendo contra a mãe terra, a
irmã água, os povos e todos os seres vivos.
Belo
Horizonte, MG, 05/11/2019.
Obs.: Abaixo,
vídeos que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1 - Denúncia
comovente/Marino/crime/SAMARCO/VALE/BHP/ESTADO/Audiência Pública da ALMG. Parte
I/Vídeo 2
2 - "Crimes
da VALE pioram com o passar do tempo" (Marino)/Audiência Pública/ALMG/MG.
II parte/Vídeo 3
3 - Depoimento
de Marino - 1a Parte - Seminário
Ecoteologia e Mineração - Mariana/MG - 06/11/2017
4 - Depoimento
de Marino (2a Parte): Ecoteologia e Mineração - Crime da Vale, Mariana/MG -
06/11/2017
5 - Depoimento
de Marino - 3a Parte- Seminário de Ecoteologia e Mineração - Mariana/MG -
06/11/2017
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; mestre
em Ciências Bíblicas; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em
Teologia pelo ITESP/SP; assessor da
CPT, CEBI, SAB, CEBs e Movimentos Sociais Populares; prof. de “Movimentos
Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
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