18ª
ROMARIA DAS ÁGUAS E DA TERRA de Minas Gerais: Brejo dos Crioulos irradiando
luta pela terra e mística libertadora.
Por
frei Gilvander Moreira e Maria do Rosário Carneiro.
TERRITÓRIO QUILOMBOLA: LUTA E
RESISTÊNCIA. JUNTOS FAZEMOS A DIFERENÇA. “Eu darei esta terra à sua
descendência,” disse Deus a Abraão. (Gn 13, 15)
Dia 04 de outubro de 20115, um domingo, dia de
São Francisco de Assis, aconteceu a 18ª Romaria da Terra e das Águas de Minas
Gerais no território quilombola Brejo dos Crioulos, no Norte de Minas, na diocese
de Janaúba e arquidiocese de Montes Claros. Em uma mística libertadora, de
resistência e defesa da terra, das águas, da dignidade humana e de compromisso
com a preservação ambiental e cultural, cerca de 2 mil pessoas marcharam, sob
um sol escaldante, sete quilômetros por estrada de terra, abraçando aquele chão
sagrado, cantando, rezando, refletindo e assumindo compromisso de continuar a
luta por direitos. O almoço comunitário foi no meio da caminhada na comunidade
de Furado Seco. Quanta fartura de alimentos e de hospitalidade! Após a
caminhada, a missa de encerramento da Romaria foi presidida pelo arcebispo da
arquidiocese de Montes Claros, Dom José Alberto, e pelo bispo da Diocese de
Janaúba, dom Ricardo, ao lado de vários padres e com o povo.
A Carta da Romaria endereçada também à
presidenta nacional do INCRA exige a titulação do território. “Já cansamos de
esperar”, alertou José Carlos, o Veio, presidente da Associação Quilombola. Às 18:00h,
hora da Ave Maria, foi erguido e fincado, como símbolo da XVIII Romaria da
terra e das águas de MG, um cruzeiro de aroeira, de 10 metros de altura, com
duas foices e enxada nos braços da grande cruz.
Na companhia de Carlúcia e do cantor Carlos
Farias, após sermos carinhosamente acolhidos na Comunidade de Araruba, uma das
oito comunidades quilombolas de Brejo dos Crioulos, acompanhados por um jovem
quilombola, o Tequinho, fomos para a Comunidade Orion, chamado de assentamento
centro, onde aconteceu uma noite cultural belíssima.
Tequinho nos contou sua história e falou da
luta da Comunidade. Ele sofre de epilepsia e está tentando a aposentadoria por
invalidez. O INSS lhe negou e teve que entrar na justiça, mas precisa levar um
casal de vizinhos, como testemunhas, no dia da audiência e nem ele e nem seus
vizinhos têm condições de pagar as passagens. Percebemos o limite do acesso a
justiça que mesmo tendo a possibilidade de acesso a justiça gratuita (sem
pagamento de custas processuais), muitos são excluídos, porque o acesso é
limitado. Não seria o caso do juiz ir ao quilombo e ouvir as pessoas? Quem sabe
um dia? Tequinho, pessoa muito alegre e irreverente, nos contou vários casos, sempre
com uma pitada de ironia, mas um dos casos que mais ênfase colocava, era o da
ida a Brasília, quando foi uma caravana, pressionar o governo Federal para que
desapropriasse as terras.
Na noite cultural, tudo era cultura
negra, dos quilombos do Brasil, da luta e da resistência quilombola. Os
moradores faziam questão de contar e recontar a história da conquista da terra.
Alegria irradiava!
No palco das apresentações, crianças e
jovens quilombolas cantavam e dançavam transmitindo recados na defesa da terra
e das águas, conclamando para o cuidado com a natureza. Em seguida, diversos
artistas populares se apresentaram, dentre eles, Farinhada, Carlos Farias e
João Bento.
Refrescando a memória: Brejo dos Crioulos foi
povoado pelo povo negro que fugiu da escravidão nos canaviais do nordeste e,
subindo o rio São Francisco, chegaram à região do Rio Verde, no Norte de Minas.
Em 1999, com a presença e acompanhamento da Comissão Pastoral da Terra, o povo
quilombola tomou consciência dos seus direitos e, após o laudo antropológico afirmar
a identidade quilombola, muitas lutas foram travadas. Em 2011 muitos
quilombolas se acorrentaram em Brasília diante do Palácio do Planalto. A
presidenta Dilma se sensibilizou, chamou os quilombolas para dentro do palácio
e assinou decreto desapropriando 17.302 hectares de terra. A polícia iniciou,
mas não realizou o processo de desentrusão de vários fazendeiros que estavam
grilando o território. Foi na luta e na raça que os quilombolas de Brejo dos
Crioulos foram ocupando as fazendas de grileiros e reconquistando o seu
território. Mas ainda falta a titulação que será em nome da Associação
Quilombola Brejo dos Crioulos. Não será propriedade individual, mas coletiva.
“Temos muito mais a conquistar”, diziam
muitos quilombolas. “Já faz quase três anos que a chuva não cai por aqui”, desabafou
uma quilombola. Mas o povo segue com fé,
na luta coletiva e na resistência.
A Romaria foi precedida por uma semana de
missões. Dezoito missionários/as da terra e das águas visitaram, conviveram e
celebraram com o povo das oito comunidades quilombolas de Brejo dos Crioulos.
Enfim, que beleza a expressão de fé libertadora
misturada com a vida e de uma forma muito especial marcada pelos traços do povo
negro quilombola. Despedimo-nos assumindo o compromisso com a continuidade da
luta por direitos e até a XIX Romaria em 2016.
Belo Horizonte, MG, 06 de outubro de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário