Entrevista
com Frei Betto: várias críticas e alertas, em 10/04/2016.
- O ex-presidente
Lula pode assumir a vaga de ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma. Como
o senhor vê este fato? Acha que ele funciona como uma espécie de “salvador da
pátria”, podendo reverter o quadro pró-impeachment?
Frei Betto: Não penso
que Lula foi chamado em função da possibilidade de impeachment. O governo Dilma
está sem rumo e Lula, devido ao êxito de seus dois mandatos, foi convocado para
tentar salvá-lo. Por outro lado, como tem muita habilidade política e de
negociação - o que falta a Dilma - sem dúvida ele já contribui para evitar o
impeachment. Ainda que não lhe permitam virar ministro, ele passa a ser, de
fato, o primeiro-ministro...
- Diante das opções
cogitadas pela oposição ao governo Dilma, como impeachment, renúncia e novas
eleições, o que o senhor avalia como o mais provável? Qual o impacto disso na
situação política do Brasil até 2018?
FB: Entre as vozes
das ruas e as das urnas, fico com as últimas. Embora crítico do governo Dilma,
sobretudo pelo excessivo ônus do ajuste fiscal sobre o segmento mais pobre da
população, julgo que qualquer interrupção do mandato da presidente é golpe
branco, como já ocorreu em Honduras e Paraguai. E se o governo não completar
seu mandato até 2018 abriremos um precedente que favorecerá, em mandatos
futuros, permanente instabilidade política.
- O senador Aécio
Neves considerou “utópica” essa ideia de novas eleições. Dilma chegou a dizer
que precisaria primeiro convencer o Congresso. O sr. acha a proposta factível?
FB: Dilma diz e
repete que não renuncia. Ora, se aceitar antecipar novas eleições estará, de
fato, renunciando. E isso significará um reconhecimento público, por parte do
PT, de que ele fracassou na condução deste país. O governo tem ainda dois anos
e oito meses pela frente. Se o PT fizesse autocrítica e redefinisse os rumos do
governo, implementando reformas estruturais que sempre prometeu e nunca
realizou, o mandato da Dilma e a credibilidade do partido ainda teriam
esperança de recuperação.
- O senador Cristovam
Buarque defende que seria bom para o PT voltar a ser oposição. O senhor também
acredita nesta avaliação?
FB: Desde que Caim
matou Abel, ninguém quer largar o osso do poder. Vide o PMDB: consegue a proeza
de manter um pé no governo e o outro na oposição... Assim, tenta garantir o
presente e o futuro. O PT só voltará à oposição se assim exigirem as urnas.
- A imagem do PT com
o eleitorado sofreu um considerável desgaste diante dos escândalos mais
recentes. O senhor imagina a possibilidade de uma recuperação do partido?
FB: Às vezes, tenho a
impressão de que a ficha do estrago até agora não caiu para o PT. Seus
dirigentes presos, são culpados ou inocentes na opinião do partido? A política
econômica do governo é de Dilma ou do partido? Como sugerem Tarso Genro e
Olívio Dutra, o PT precisa, urgentemente, fazer uma séria autocrítica. E tentar
recuperar seus três capitais simbólicos perdidos: ser o partido de organização
da classe trabalhadora, ser o partido da ética e ser o partido das reformas
estruturais do Brasil. Fora disso, o PT estará condenado a integrar a geleia
geral da estrutura partidária brasileira.
- O PMDB apoiou
oficialmente o governo federal por 13 anos, antes de anunciar seu rompimento
neste ano. Como o senhor vê o futuro do partido?
FB: O PMDB é o único
partido com futuro garantido nessa institucionalidade política viciada por
fisiologismo, nepotismo e corrupção. Se ficar, o bicho toma posse; se correr,
assume o poder... Enquanto não houver uma séria reforma política, o PMDB será o
grande fiel da balança desse circo chamado Congresso Nacional brasileiro.
- A esperada ‘guinada
à esquerda’ do PT ainda é alcançável? Ainda é possível uma conciliação do
partido com uma pauta mais ligada a movimentos sociais?
FB: Julgo que é muito
difícil. Ao longo de 13 anos de governo, o PT só se lembrou dos movimentos
sociais - que lhe deram origem - na hora de apagar incêndios. Não valorizou os
movimentos sociais, como valorizou os empresários; pouquíssimo fez em defesa da
reforma agrária, dos povos indígenas e dos quilombolas; mantém uma carga
tributária altamente prejudicial ao consumidor pobre; constrói Belo Monte e
outras hidrelétricas sem respeitar as populações locais, sobretudo indígenas e
ribeirinhos; aprovou um Código Florestal vergonhoso para um país que fala em
preservação ambiental etc. Enfim, o PT no governo agarrou o violino com a
esquerda e tocou com a direita... Embora eu considere os dois primeiros
mandatos de Lula e o primeiro de Dilma os melhores de nossa história
republicana.
- Diante de um
processo de impeachment e tantos escândalos de corrupção, qual o caminho para a
esquerda brasileira se viabilizar numa próxima eleição?
FB: Que esquerda?
Cadê o trabalho de base, a formação de novos militantes, o projeto histórico?
Milhões de brasileiros, desde 2013, ocupam as ruas para fazer protestos, e não
para trazer propostas! Sem proposta alternativa ao que está aí, fundada em
programa consistente de reformas estruturais, o Brasil não tem futuro, exceto o
risco de passar do Estado de Direito para o Estado da direita.
- Se Dilma conseguir
evitar o impeachment, como governar com uma base tão fragilizada?
FB: Vejo apenas uma
saída: fazer o que fez Evo Morales na Bolívia, que hoje conta com o apoio do
Congresso, da população e do mercado; apoiar-se em seus pilares de origem,
os movimentos sociais. Fora disso, temo que queira recompor sua base política à
base da receita tradicional do toma lá, dá cá - e não faltarão deputados
federais e senadores que, no dia seguinte à reprovação da proposta de
impeachment, estarão na fila do beija-mão na porta do Planalto.
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