Se
impeachment, então quem?
Artigo de Glen Greenwald na FSP,
06/04/2016.
O fato mais bizarro sobre a crise política no
Brasil é também o mais importante: quase todas as figuras políticas de
relevância que defendem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff –e aqueles
que poderiam assumir o país no caso de um eventual afastamento da mandatária–
enfrentam acusações de corrupção bem mais sérias do que as que são dirigidas a
ela.
De Michel Temer a Eduardo Cunha, passando
pelos tucanos Aécio Neves e Geraldo Alckmin, os adversários mais influentes de
Dilma estão envolvidos em chocantes escândalos de corrupção que destruiriam a
carreira de qualquer um numa democracia minimamente saudável.
Na verdade, a grande ironia desta crise é que
enquanto os maiores partidos políticos do país, inclusive o PT, têm
envolvimento em casos de corrupção, a presidenta Dilma é um dos poucos atores
políticos com argumentos fortes para estar na Presidência da República e que
não está diretamente envolvido em casos de enriquecimento pessoal.
Esses fatos vitais têm alterado radicalmente
como a mídia internacional vê a crise política no Brasil. Durante meses,
jornalistas norte-americanos e europeus retrataram de forma positiva as
manifestações nas ruas, a investigação da Operação Lava Jato e as decisões do
juiz federal Sergio Moro.
Em razão desses fatos, agravados pelo
tratamento abertamente político de Moro com relação ao ex-presidente Lula e
pela cobertura midiática embaraçosamente sensacionalista feita pelo
"Jornal Nacional" e por outros programas da Rede Globo, agora muitos
estão reconhecendo que a realidade é bem menos inspiradora ou nobre.
A sociedade brasileira tem muitas razões
legítimas para se zangar com o governo. Mas para uma parte da elite midiática e
econômica do país, a corrupção é apenas uma desculpa, um pretexto para atingir
um fim antidemocrático.
O objetivo real é remover do poder um partido
político –o PT– que não conseguiu derrotar após quatro eleições democráticas
seguidas. Ninguém que realmente se importasse com o fim da corrupção iria
torcer por um processo que delegaria o poder a líderes de partidos como o PMDB,
o PSDB e o PP.
Pior, está se tornando claro que a esperança
dos líderes dos partidos da oposição é de que o impeachment de Dilma seria tão
catártico para o público, que permitiria o fim silencioso da Operação Lava Jato
ou, ao menos, fosse capaz de fazer com que tudo terminasse em pizza para os
políticos corruptos.
Em outras palavras, o impeachment de Dilma
Rousseff está designado para proteger a corrupção, não para puni-la ou até
acabar com ela – o retrato mais característico de uma plutocracia do que de uma
democracia madura.
Impeachment é uma ferramenta legítima em
todas as democracias, mas é uma medida extrema, que deve ser usada somente em
circunstâncias convincentes de que há crimes cometidos pelo presidente da
República e quando há provas concretas das ilegalidades. O caso do impedimento
de Dilma não responde a nenhum desses dois critérios.
Em uma democracia avançada, o Estado de
Direito, não o poder político, deve prevalecer. Se, apesar disso tudo, o país
estiver realmente determinado a apear Dilma do poder, a pior opção seria deixar
essa linha de sucessão corrupta ascender ao poder.
Os princípios da democracia exigem que Dilma
Rousseff termine o mandato. Se não houver opção, e ela for impedida, a melhor
alternativa é que sejam realizadas novas eleições e, assim, que a população
decida quem assumirá seu lugar, pois, como está na Constituição, todo poder
emana do povo.
P.S.: GLENN GREENWALD, 49, cofundador do site
especializado em reportagens sobre política nacional e externa The Intercept, é
vencedor do Prêmio Pulitzer de Jornalismo em 2014 e do Prêmio Esso de 2013.
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