Mineração
causa colapso das condições de vida. Basta!
Por Gilvander Moreira[1]
O gigante projeto de mineração em Minas
Gerais, no Pará e em outros estados do Brasil, chegou à exaustão e está
colocando em colapso as condições de vida de toda a população, da mãe terra, da
irmã água e os biomas. Se as classes trabalhadora e camponesa, e todas as
pessoas de boa vontade do campo e da cidade não acordarem, se não se organizarem
e partirem para lutas coletivas e massivas que joguem ‘areia na engrenagem de
morte da grande mineração’, ocorrerão cada vez mais tragédias e maiores do que
as que aconteceram e continuam a partir de Bento Rodrigues, em Mariana, e de Brumadinho,
na região metropolitana de Belo Horizonte.
Temos que honrar as centenas de pessoas
assassinadas pela Vale e pelo Estado e também os Rios Doce e Paraopeba e
respeitá-los. A mãe terra, a irmã água, a flora e a fauna e a classe
trabalhadora empurrada para aceitar trabalhar como terceirizados, em situação
análoga à de escravidão, estão gritando: BASTA DE MINERAÇÃO! CHEGA! EXIGIMOS
RISCO ZERO! Exceto os cúmplices ou mentores da máquina de guerra que se tornou
a mineração em grande escala, todos estão indignados até o último fio de
cabelo. Basta de sacrificar no altar do deus mercado/capital tantas vidas humanas
e de toda a biodiversidade. Mineração em grande escala com os processos de superexploração
se tornou algo satânico, diabólico e idolátrico, pois semeia devastação que se
multiplica em uma progressão geométrica.
Não existem apenas riscos, já se matou
demais. Ao ouvir quem está morrendo aos poucos, um pouco a cada dia, debaixo de
lama tóxica de barragens de mineradoras, não nos resta dúvida: as grandes
mineradoras, lideradas pela Vale, em conluio com o Estado, tocadas pela classe
dominante, estão fazendo guerra contra o povo, contra a mãe terra, contra as
nascentes, os rios, os lençóis freáticos, os biomas, os animais, a flora e a
fauna. Júlio Grilo, superintendente do IBAMA[2]/MG,
desde janeiro de 2018, alertou em várias reuniões da Câmara de Atividades
Minerária do COPAM[3]:
“Todas as barragens de mineração têm risco e podem se romper. Só não sabemos o
dia e a hora.” Nos últimos 20 anos, dezenas de barragens de mineração já se romperam
em Minas Gerais e em outros estados. Dia 17 de fevereiro de 2018, por exemplo, houve
um vazamento de rejeitos do complexo da mineradora Hydro Alunorte, em
Barcarena, PA. O Rio Murucupi e diversos igarapés foram contaminados, e muitas
comunidades ribeirinhas e quilombolas tiveram o seu modo de vida profundamente
violentado.
Com licença renovada pelo Governo de Minas
Gerais em março de 2018 para mais dez anos de extração de ouro, as
megabarragens de Santo Antônio e Eustáquio, com 7 quilômetros de diâmetro, da
Mina Morro do Ouro – maior mina de ouro do mundo a céu aberto, da mineradora canadense
Kinross, em Paracatu, se romperem, parte da cidade de Paracatu e inúmeras
comunidades abaixo serão dizimadas, o Rio Paracatu e o Rio São Francisco
receberão a punhalada de misericórdia. Priscila Sueli Rezende, em pesquisa de
dissertação de mestrado na UFMG, em 2009, constatou que “as concentrações
mais altas de arsênio foram observadas no Córrego Rico – abaixo das
barragens da Kinross -, em Paracatu, correspondendo a uma concentração 190
vezes maior que a estipulada pela legislação ambiental”. Por isso,
principalmente, há uma elevadíssima incidência de câncer na população de
Paracatu e região. Se a grande barragem da mineradora Anglo Gold Ashanti,
em Sabará, se romper, passará por cima do bairro Pompéu e de vários outros
bairros, matará o Rio Sabará, o Rio das Velhas e o Rio São Francisco.
Otávio Freitas, de Nova Lima, coautor de Ação
Popular contra a Mina Capão Xavier[4],
da VALE, alerta: “Risco maior pode estar
na barragem de rejeito da antigamente chamada barragem de Tamanduá, hoje
chamada de Capão da Serra, barragem em atividade e que recebe os rejeitos das
minas de Tamanduá e Capitão do Mato, em Nova Lima. E/ou o risco pode ser também
a barragem de Gorduras, da mina da Mutuca. Se essas barragens se romperem, a
lama tóxica invadirá a bacia do córrego Macacos, que cai no Rio das Velhas e
depois no Rio São Francisco”. Além de reintegrações de posse em
propriedades que não cumprem função social, gerando o despejo de milhares de
famílias de suas casas em ocupações do campo e urbanas, as grandes mineradoras,
em uma gula sem fim, estão também despejando milhares de famílias de suas
moradias. Ou seja, despeja-se pela falta de reforma agrária e de reforma urbana
e, agora também, pela superexploração das mineradoras.
Belo Horizonte e região metropolitana não
estão apenas em um quadrilátero ferrífero, mas em um quadrilátero aquífero.
Aliás, a capital de Minas Gerais foi deslocada de Ouro Preto para Belo
Horizonte principalmente em função dos seus mananciais, um importante aquífero
situado nos arredores da Serra do Curral que conseguiria abastecer até 3
milhões de pessoas, mas a mineração e outras indústrias, como as de bebidas,
ali instaladas, estão exaurindo tudo e colocando em colapso as condições
objetivas de vida. Diante desse cenário, soluções moderadas apenas tentam
domesticar a voracidade do ‘escorpião que só sabe ferir e matar’. Não basta
trocar velhas tecnologias por novas tecnologias. Não basta proibir barragens a
montante (acima) e continuar fazendo barragens a jusante (abaixo), dois métodos
de barragens que oferecem sérios riscos de rompimento. Não basta criar territórios
livres da mineração. Não basta “mudar o modelo de mineração”. Não basta fazer
Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e acordos que garantem apenas poucos direitos
– “o mínimo legal”, mas que, na prática, abrem mão de direitos fundamentais.
Não basta CPI da mineração e Projetos de Leis para abrandar a fúria das
mineradoras. Privilegiar ações na institucionalidade também é um erro grave,
pois, como efeito colateral, desmobiliza o povo para as grandes lutas
necessárias. Todas as soluções moderadas deixam intacta a coluna mestra das
grandes mineradoras que, como o dragão do Apocalipse, vão devastando tudo e
deixando só “terra arrasada”.
Necessário lembrar da densa obra intitulada COLAPSO
- como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, do biogeógrafo e
filósofo Jared Diamond, editada no Brasil em 2013, que já alertava sobre
catástrofes, contaminação química e danos ambientais irreversíveis relacionados
à mineração em todo o mundo. Na obra Colapso, Jared Diamond alerta: “Outros problemas ambientais causados pela
mineração de metais compreendem poluição da água pelos próprios metais,
produtos químicos de processamento, vazamentos de ácidos e sedimentos.
Elementos metálicos e semelhantes ao metal no próprio minério - especialmente o
cobre, cádmio, chumbo, mercúrio, zinco, arsênio, antimônio e selênio - são
tóxicos e tendem a causar problemas ao acabarem em córregos e lençóis freáticos
como resultado das operações de mineração. [...] Muitos produtos químicos
usados na mineração como cianeto, mercúrio, ácido sulfúrico, bem como o nitrato
produzido pela dinamite, também são tóxicos. Mais recentemente foi descoberto
que, ao serem expostos à água e ao ar através da mineração, os minerais
contendo sulfeto vazam ácidos que causam séria poluição na água por si mesmo e
pelos metais lixiviados por eles. Os sedimentos transportados para fora das
minas pela água podem ser danosos à vida aquática cobrindo, por exemplo, as
superfícies de desova dos peixes. Além desses tipos de poluição, o mero consumo
de água de muitas minas é alto o bastante para ser significativo (DIAMOND,
2013, p. 541).”
O crime não é só da Vale, é também do Estado
cúmplice. É crime também dos governos anteriores e atuais, do poder legislativo
que, em Minas Gerais, cuspiu no rosto de todas as vítimas do crime tragédia da
VALE/BHP/SAMARCO/ESTADO ao aprovar, em regime de urgência, um projeto indecente,
flexibilizando ainda mais o licenciamento ambiental. Os Ministérios Públicos,
estadual e federal, também estão deixando muito a desejar, pois optaram por
fechar acordos questionáveis e promotores combativos foram retirados das
funções de investigação. O poder judiciário também está sendo cúmplice quando
decide atendendo a pedidos escusos das mineradoras, desrespeitando os
princípios constitucionais, tais como os da dignidade da pessoa humana e da
precaução, e violando o artigo 225 da Constituição que exige garantir um meio
ambiental saudável. O judiciário se coloca ao lado dos opressores quando é
lentíssimo para decidir quando os injustiçados batem à porta do tribunal, mas é
veloz em decidir quando é para garantir privilégios e interesses do capital.
Enfim, a humanidade só terá futuro se todas
as pessoas de boa vontade, do campo e da cidade, se comprometerem na luta pela
construção de uma sociedade do Bem Viver, com estilo de vida simples e austero,
e cerrar fileira nas lutas sociais e ambientais pela superação do capitalismo
que, como uma máquina de moer e corroer vidas, segue causando cada vez mais
devastação socioambiental por meio do agronegócio com uso indiscriminado de
agrotóxicos, pelas monoculturas que sacrificam os biomas e pelos megaprojetos
de mineração.
Referência
DIAMOND,
Jared. COLAPSO - como as sociedades
escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2013. (Original:
2005)
Belo
Horizonte, MG, 19 de fevereiro de 2019.
Obs.: Os vídeos, abaixo,
ilustram o texto, acima.
1
- Peregrinação ao lado do rio Paraopeba, morto, até o Velho Chico, em Minas
Gerais. 30/1 a 02/2/2019
2
- Prefeito de Brumadinho, MG, defende minério-dependência e quer só abrandar.
1º/2/2019
3
- Crime da VALE e do Estado/Brumadinho/MG: Silêncio, não. Luta, sim, pela vida!
-1º/2/2019
4
- Estado de MG a serviço das mineradoras/Prof. Dr. Klemens/UFMG. Vídeo 1 -
26/1/2019.
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e
Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos”
no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
[3] Conselho Estadual de
Política Ambiental.
[4] Gustavo Gazzinelli e
Ricardo Santiago são os outros autores de uma Ação Popular contra a abertura da
Mina Capão Xavier, em Nova Lima, em 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário