17/4/2019 - 23 anos do massacre de Eldorado dos Carajás: mártires
multiplicam a militância.
Por Gilvander
Moreira[1]
Dia 17 de
abril, há 23 anos, em 1996, 21 vidas de trabalhadores rurais foram covardemente
ceifadas pela Polícia Militar do Estado do Pará, no massacre de Eldorado dos
Carajás[2], que
se tornou um divisor de águas na história do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Em setembro de 1995, cerca de 3500 famílias de trabalhadores camponeses,
organizadas pelo MST, acamparam à margem da estrada, próximo à Fazenda
Macaxeira, no município de Curionópolis, no Pará, reivindicando a desapropriação
da área, considerada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)
como improdutiva e sem cumprir sua função social. No dia 05 de março de 1996, os
Sem Terra ocuparam a Fazenda Macaxeira. O presidente do Instituto de Terras do
Pará prometeu enviar 12 toneladas de alimentos e 70 caixas de remédios para o
acampamento para amenizar a fome e acudir os doentes, mas não enviou. Em
sintonia com as marchas do MST em 22 estados dirigindo-se às capitais, em abril
de 1996 – em Minas Gerais a Marcha foi de Governador Valadares a Belo Horizonte
-, dia 10 de abril, cerca de 1500 famílias do MST iniciaram uma Marcha para
Belém, capital do estado, a 800 quilômetros de distância. Dia 16 de abril de
1996, os trabalhadores camponeses bloquearam a estrada PA-150 no Km 95, na ‘cursa
do S’, próximo à cidade de Eldorado dos Carajás, exigindo comida para
continuarem a marcha. Na manhã do dia 17 de abril de 1996, chegou a notícia de
que as negociações estavam encerradas. Por volta das 16 horas, 155 policiais
militares, sem identificação, cercaram os camponeses do MST pelos dois lados da
estrada, um pelotão vindo de Paraopebas e outro de Marabá. Cumprindo
ordens do governador Almir Gabriel, do PSDB, e do cel. Mário Colares Pantoja,
os 155 policiais militares assassinaram 21 Sem Terra e outros 56 foram feridos
e mutilados naquele final de tarde do dia 17 de abril de 1996, que se tornou o
Dia Internacional de Luta Camponesa. Segundo o médico legista Nelson Massini,
houve tiros na nuca e na testa, indicando execução sumária e premeditada de
sete camponeses.
Após o
massacre de Eldorado dos Carajás, o MST deu um salto de qualidade e cresceu
muito, pois o sangue dos 21 camponeses tombados na ‘curva do S’ irrigou a
semente da luta pela terra em uma infinidade de outros territórios no campo
brasileiro. O governo federal acuado, no dia seguinte ao massacre, demitiu o
ministro da Agricultura José Eduardo Andrade Vieira e recriou o Ministério do
Desenvolvimento Agrário. O MST fortaleceu sua atuação política, reconhecida
desde o dia 2 de fevereiro de 1993, quando 24 integrantes da Direção Nacional
do MST foram recebidos pelo presidente Itamar Franco, conquistando segundo
Stédile “status de interlocutor político” (STÉDILE; FERNANTES, 1999, p. 71). Em
18 de dezembro de 1996, o Congresso Nacional aprovou nova lei prescrevendo o
aumento do valor do Imposto Territorial Rural (ITR) para as propriedades rurais
improdutivas, assim como o rito sumário que encurta os prazos da lei de
desapropriação de terras para fins de reforma agrária, mas beneficiou os
latifundiários que ganharam o direito de receber o pagamento da terra no
momento em que o INCRA iniciar a ação de desapropriação na Justiça e ainda o
direito de avaliação do ‘preço justo’ do imóvel. E foi aprovado, ainda, o projeto
que autoriza a intermediação do Ministério Público nos conflitos agrários. De
1995 a 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) recebeu em reunião uma
comissão de representantes do MST cinco vezes.[3] A
principal arma de atuação política do MST durante esse governo foi a pressão
exercida por meio das ocupações de terra. Em 1999, Bernardo Mançano (2000) defendia
a tese segundo a qual a luta pela terra só se torna exitosa pela ocupação de
terras. Apertado, o governo federal foi forçado a promover pelo menos política
de assentamento em áreas de conflitos.
Após o
massacre de Eldorado dos Carajás, a rede de apoio internacional ao MST cresceu
muito. Uma rede de comitês de apoio ao Movimento nasceu e se espalhou por todos
os países da Europa, nos Estados Unidos da América e em muitos outros países. O
fotógrafo Sebastião Salgado fez uma mostra fotográfica sobre os Sem Terra do
Brasil: Exposição Terra, que foi
exposta em 1997 em 40 países e em mais de 100 cidades brasileiras. Essa Mostra Terra, de Salgado, se espalhou pelo mundo afora e se
tornou âncora para o fortalecimento da Rede de apoio internacional ao MST que
conseguiu reunir dinheiro na Europa para viabilizar a construção da Escola
Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, São Paulo, inaugurada em 23
de janeiro de 2005.
Referência
FERNANDES, Bernardo Mançano. A Formação do MST no Brasil. Petrópolis-RJ:
Vozes, 2000.
STÉDILE,
João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava
gente. A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 3ª edição.
Editora Fundação Perseu Abramo, 2005.
Obs.: Abaixo, vídeos
que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1 - 23 anos do Massacre de Eldorado dos
Carajás
2 - Especial "Feridas Abertas"
- 20 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás
3 - Massacre de Eldorado dos Carajás
(Nas Terras do Bem-Virá)
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. COSTA, Caetano di Carli Viana. Sonhos de abril. A luta pela terra e a reforma agrária no Brasil e em
Portugal: os casos de Eldorado dos Carajás e Baleizão. (Tese de doutorado em Economia).
Universidade de Coimbra, 2014, especificamente o capítulo VII (A luta
pela terra e a reforma agrária no Brasil – o caso de Eldorado dos Carajás), p.
285-382.
[3]
A 1ª reunião de lideranças do MST com FHC se deu dia 27/7/1999; a 2ª reunião,
dia 02/5/1996; a 3ª reunião, dia 18/4/1997, um dia após três marchas do MST
chegarem a Brasília; a 4ª reunião aconteceu dia 08/7/1999; e a 5ª reunião, dia
03/7/2000.
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