Carta aberta das
Pastorais Sociais do Campo na luta por justiça agrária e socioambiental, em
Minas Gerais.
“Assim fala o Senhor Deus: grita forte, sem
cessar... e denuncia os crimes... então invocarás o Senhor e ele te atenderá”
(Isaías 58,1.9a)
Logotipos das Pastorais Sociais Cáritas, CPP, CIMI, SPM e CPT. |
Com as boas energias das lutas do mês de março, especialmente do Dia Internacional das Mulheres, 08 de março, as Pastorais Sociais do Campo, em Minas Gerais – Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Conselho de Pastoral dos Pescadores e das Pescadoras (CPP), Cáritas Regional MG, Pastoral da Juventude Rural (PJR), Serviço de Pastoral dos Migrantes (SPM) e Pastoral Afro da Arquidiocese de Mariana – vêm a público, irmanadas na luta, denunciar e anunciar o que segue.
Em Minas Gerais, a violência no campo
campeia desde 22 de abril de 1.500, no entrelaçamento de propriedade
capitalista da terra, renda e poder. O estado de Minas Gerais foi sede da
capital brasileira Vila Rica, ainda no século XVIII, em um processo de acúmulo
das riquezas forjado desde a invasão pelos portugueses europeus, com o
genocídio de nossos parentes ancestrais. Os mais de cem povos indígenas que
habitavam o território mineiro hoje estão resumidos a pouco mais de 15 mil
indígenas, em 17 territórios, constituindo apenas 14 povos - Xacriabá, Aranã,
Maxacali, Xucuru-cariri, Pataxó, Pataxó Hã-hã-hãe, Puris, Pankararu, Krenak, Mukurin,
Catu-Awá-Arachá, Kiriri, Kamakã Mongoió, Tuxá e Kaxixó – na luta pelos seus
territórios para que sejam resgatados e demarcados de forma integral[1].
Em Minas Gerais, o chamado agronegócio
surge com a imposição de uma política agrícola que pregava a modernização da
agricultura, modernização colonizadora e violentadora. Este modelo veio permitir
que grandes empresas estrangeiras introduzissem insumos químicos no mercado
brasileiro, obtendo grandes lucros e tornando-nos dependentes de um ‘pacote’
tecnológico imposto. Assim, nasce a Japan International Cooperation Agency
(JICA) com o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) promovendo as
atividades do complexo agroindustrial. O ecossistema dos cerrados foi
substituído por extensas áreas de monoculturas do café, da cana-de-açúcar, da
soja e dos maciços homogêneos do eucalipto.[2]
É gravíssima essa expansão do agronegócio
no bioma dos cerrados, o que implica em devastação de ‘uma floresta invertida’.
Carlos Walter Porto Gonçalves e outros pesquisadores dizem: “Os Cerrados se
caracterizam por ser “uma floresta invertida”, como insistia uma das maiores
autoridades em conhecimento dos Cerrados, o agrônomo/geógrafo Carlos Eduardo
Mazzetto Silva (o saudoso Mazzan), pois para cada volume de biomassa sobre a
superfície, os Cerrados têm até sete vezes mais biomassa abaixo do solo” (PORTO
GONÇALVES, 2014, p. 92).
As extensas plantações de soja
contaminam com agrotóxicos as nascentes dos córregos e dos rios, além de serem
também responsáveis pelo confinamento dos pequenos agricultores nos grotões das
encostas dos gerais, “encurralando-os” com as monoculturas da soja ou do
eucalipto.
Repudiamos este agronegócio, cuja
produção em larga escala, é feita em grandes extensões de terra (latifúndio),
com sofisticada tecnologia em quase monopólio de empresas transnacionais, com uso
indiscriminado de agrotóxico e, muitas vezes, com mão de obra em condições
análogas à escravidão. Após o desmatamento da maior parte dos cerrados,
implantada onde existiam os cerrados, a monocultura de eucalipto resseca a
terra, seca nascentes, escorraça os pássaros, expulsa os camponeses que são
obrigados a vender suas pequenas propriedades por falta d’água.
Grande parte dos conflitos de terra em
Minas acontece em terras devolutas. Além das demandas das famílias sem-terra,
existem no estado de Minas Gerais mais de 800 áreas de remanescentes de
quilombos que estão em processo de autorreconhecimento, reivindicando titulação
e demarcação. Apenas entre 2004 e 2007, foram reconhecidas pela Fundação
Palmares, em Minas Gerais, 81 comunidades quilombolas.[3] Não há em Minas Gerais
nenhuma comunidade quilombola titulada, o que é uma injustiça que clama aos
céus. No Maranhão há mais de 80 comunidades quilombolas tituladas e no Pará
mais de 50.
Minas Gerais é o único estado que tem
Minas no nome, minas de água e de minério, mas as grandes mineradoras, como a
VALE, estão causando um colapso nas condições de vida da maior parte dos
municípios do estado, pois a mineração devastadora socioambientalmente chegou à
exaustão! Somente em rompimentos de barragens (crimes e tragédias anunciadas), já
matou milhares de vidas humanas em uma
crueldade sem limites! Em 1717, negros escravizados já eram soterrados nas
grutas de mineração em Vila Rica; em meados de 1844, na Mina de Cata Branca,
município de Itabirito, à época, alvo da exploração aurífera, por uma empresa
britânica chamada Saint John del Rey Mining Company, houve o desabamento da
galeria explorada e o soterramento de centenas de operários escravos.
Empresários ingleses mandaram inundar a galeria para matar afogados nossos
irmãos negros soterrados que gritavam por socorro. Em 21 de novembro de 1867,
na Mina de Morro Velho, no município de Nova Lima, um desabamento matou 17 negros
escravizados e um trabalhador inglês. Mais recentemente, rompimentos de
barragens, nas minas de Fernandinho (1986) e Herculano (2014), em Itabirito;
Rio Verde (2001), no distrito de Macacos, em Nova Lima; e da Mineração Rio
Pomba (2008), em Miraí, redundaram em dezenas de outras mortes e prejuízos
irreversíveis ao meio ambiente de Minas Gerais. Em Bento Rodrigues, Mariana,
dia 05/11/2015, o rompimento de barragem matou na hora 19 pessoas e, depois, em
três anos, outras 30 pessoas morreram por causa dos traumas e consequências;
matou o rio Doce até à sua foz, adoecendo pessoas e exterminando a atividade
pesqueira com todo um modo de vida tradicional. Dia 25/01/2019, em Brumadinho, com
licença do Estado, a mineradora VALE, criminosa reincidente, com o crime
tragédia de rompimentos de outras barragens, matou mais de 310 pessoas, matou o
Rio Paraopeba e apunhalou mais ainda o já golpeado Rio São Francisco. Várias
pessoas já morreram após o crime iniciado dia 25/01/2019, em Brumadinho, por
falta de estrada para chegar ambulância, por ataque cardíaco, entre outras ocorrências relacionadas às
consequências desse crime.
Diante desse cenário, as Pastorais
Sociais do Campo, em Minas Gerais, irmanadas na luta ao lado das camponesas e
camponeses, experimentam, no estado, a dolorosa política de retrocesso de
direitos básicos inerentes à vida, nos níveis de governos federal e estadual. O
governo Romeu Zema está alinhado às políticas privatistas do governo Bolsonaro
sob interesse do capital, e coloca a terra, a irmã água e os recursos da terra a
serviço da tirania dos capitalistas. Enquanto isso, povos e comunidades
tradicionais e o povo superexplorado do campo e da cidade seguem na mira da
violência contra suas existências.
Por mais que os grandes empresários
disseminem agrotóxicos e devastação socioambiental, as Pastorais Sociais do
Campo continuam junto com as Comunidades Camponesas que seguem resistindo, testemunhando
que o caminho da vida para todos e todas passa, necessariamente, pela
construção de uma Sociedade do Bem Viver e Bem Conviver.
Referência.
PORTO
GONÇALVES, Carlos Walter; CUIN, Danilo Pereira; LEAL, Leandro Teixeira; NUNES
SILVA, Marlon. Dos Cerrados e de suas riquezas. In: Conflitos no Campo Brasil
2014. Goiânia: CPT Nacional, p. 88-95, 2014.
Assinam esta Carta aberta:
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Cáritas Brasileira Regional MG
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)
Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM)
Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Pastoral Afro Brasileira da Arquidiocese
de Mariana.
Belo Horizonte, MG, 1º de abril de 2019.
[2]
A Lei Federal nº 5106, de 02/9/1966, sancionada pelo general Castelo Branco, concedia incentivos fiscais a empresas e fazendeiros – abatimento
de até 50% do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas - que implementassem
monocultura de eucalipto nos cerrados.
[3]
Cf. Sobre história e resistência dos quilombolas em Minas Gerais, cf. CEDEFES
(Org.). Comunidades quilombolas de Minas
Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte:
Autêntica/CEDEFES, 2008.
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