“Nossa paixão pela terra vem do
nosso berço”: lições da luta pela terra
Por Gilvander
Moreira[1]
Visão panorâmica da carcaça da ex-usina Ariadnópolis, em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais. Foto: G. L. Moreira. |
Na luta
pela terra, pela moradia ou pelo território, o despejo não põe fim à luta. Ser
despejado é sempre algo traumático, mas se for elaborado, divulgado e tirado
todas as lições possíveis, até os despejos podem se tornar fontes de
emancipação. O Sem Terra Cesário Pereira Da Silva, do acampamento Sidnei Dias,
no latifúndio da Ariadnópolis, em Campo do Meio, sul de Minas Gerias, narra: “Eu
vim para o acampamento aqui na Ariadnópolis, porque vi na televisão a notícia
de um despejo aqui. Aí fiquei sabendo que tinha luta pela terra aqui no sul de
Minas e eu resolvi vir. Aqui na terra trabalhando, eu reconquistei minha saúde.
Muito melhor do que estar em Campinas, SP. Para agradar meus filhos, eu já
estive oito meses na Serra Pelada, no Pará, em busca de melhorar a vida, mas a
Serra Pelada matou muito pai de família. Fui levado pela mulher e pelos filhos,
pois eu nunca gostei de mexer com garimpo. Já estive também no garimpo em
Parauapebas, no Pará. Eu já fui ofendido por três cobras. Agora, aqui no
Acampamento na luta pela terra, sou feliz.”
Nas
brechas das contradições do sistema do latifúndio e da cafeicultura,
trabalhadores boias-frias na colheita do café no sul de Minas Gerais também
contribuem com a frente de massa do MST, pois vários acabam aderindo à luta
pela terra e convidando parentes e amigos para isso. Jailson Lima Da Cruz, Sem
Terra migrante de Bom Jesus da Lapa, BA, do Acampamento Betinho (Hebert de
Souza), recorda: “Meu sogro veio trabalhar no sul de Minas na panha do café.
Sofreu muito, mas conheceu os companheiros do MST acampados na luta pela terra
nas terras da Ariadnópolis. Ele me convidou. Como na Bahia também existe o MST
espalhado no estado, aceitei o convite do meu sogro que me disse que aqui nos
acampamentos era muito bão. Vim e me juntei aos companheiros do MST aqui na
Ariadnópolis. Já estou aqui há 14 anos. Eu estou feliz aqui.”
Depois de
18 anos de acampamentos nas terras da Ariadnópolis, dia 11 de outubro de 2015,
diante do embargo judicial do decreto do governador de Minas, Fernando
Pimentel, de desapropriação do latifúndio da Ariadnópolis e também por não
tolerar mais as ameaças oriundas da sede da fazenda, o MST ocupou também a sede
da ex-usina Ariadnópolis com área de 63 hectares, com 26 casas ao redor da
mansão da sede que tem vários andares e um elevador panorâmico, inclusive. Na
Sede, o MST constituiu o Acampamento Quilombo Campo Grande e lutou para formar
ali um Centro de Formação e uma Escola Eduardo Galeano. O Instituto Federal da
cidade de Machado, no sul de Minas, apoia a criação da Escola, onde já se
formou a 1ª turma de jovens do MST como técnico agrícola na linha da
agroecologia. O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
(SINDUTE/MG) também apoia a criação de uma Escola Estadual pública na sede da
Ariadnópolis, escola que iniciou em 2017 com mais de trezentos estudantes:
crianças, adolescentes, jovens e adultos. Injustamente, o atual governador de
Minas Gerais, Romeu Zema, mandou fechar a escola, o que é um erro grave.
No
município de Arinos, noroeste de Minas, após o MST, no ano de 2000, ocupar por
uma semana a Escola Estadual Major Saint-Clair Fernandes Valadares e a sede da
Prefeitura de Arinos pressionando para a criação de uma Escola Estadual no Assentamento
Chico Mendes, Itamar Franco, então governador de Minas Gerais, autorizou o
funcionamento de uma extensão da Escola Estadual Major Saint-Clair no
Assentamento Chico Mendes que, após alguns anos tornou-se Escola Estadual Chico
Mendes. No ano de 2010 foram concluídas as obras de um novo prédio com boas
instalações para a escola que se tornou referência na região (BATISTA, 2015, p.
26).
No
acampamento Quilombo Campo Grande, na sede da Ariadnópolis, as famílias Sem
Terra se organizavam por Grupos: grupo do Pão, do Porco, do Mel, do Frango e da
Horta Coletiva. A horta coletiva era cultivada com adubação orgânica dentro dos
princípios da agroecologia. Ouvindo a cantoria dos pássaros, na sede ocupada, vimos
um trator novo conquistado pela Associação dos Acampados e Assentados, porcos
na pocilga, dois tanques de leite, ruas calçadas, casarão histórico de 1837, ao
lado de outras 25 casas grandes abandonadas. Ficamos chocados ao constatarmos o
tamanho do parque industrial da ex-usina de açúcar e álcool Ariadnópolis, que
se tornou sucata, tudo deteriorado. Os Sem Terra encontraram sacos de plásticos
de açúcar no entulho com logotipo da usina, inclusive. Centenas de carteiras de
trabalho deterioradas também foram encontradas na casa grande que funcionava
como escritório.
Impressionante
e estarrecedor ver o parque industrial da ex-usina Ariadnópolis todo sucateado.
Roberto Bartolomeu de Freitas, Sem Terra acampado na sede a ex-usina
Ariadnópolis, na época, recorda: “Aqui, se eles vierem para despejar a gente,
não vão destruir, porque aqui é a sede. Aqui estava tudo abandonado. As casas
aqui estavam cheias de esterco de vacas, porque as casas aqui tinham se tornado
moradia de vacas. Cupim e morcego tinham demais aqui nessas casas. Tivemos que
rapar tudo e limpar. Ali ao lado daquela casa ainda está um monte de esterco
que a gente retirou das casas daqui. Muitas casas aqui têm escadas, mas as
vacas subiam e desciam em todas essas escadas aqui.”
Com
raízes camponesas, após trabalhar muitos anos na cidade, muitos camponeses,
desterrados pela mecanização da agricultura e pelo avanço do capital no campo,
se engajam na luta pela terra e voltam para o campo, onde reencontram o sentido
da vida camponesa na luta pela terra. É o que nos relata Roberto Bartolomeu de
Freitas, camponês que foi para a cidade, mas voltou para a terra: “Uma tia
minha morava em São Paulo, todo ano visitava meu pai e sempre o convidava para
mudar para São Paulo. Ela acabou convencendo meu pai a mudar para Guarulhos, SP,
em 1964. Meu pai deve ter pensado: “Eu estou ficando velho, meus filhos
crescendo e sem estudo. Melhor será levá-los para a cidade grande, pois lá tem
emprego e estudo”. Mudamos - toda a família - para Guarulhos. Minha tia morava
em um terreno da Caixa Econômica, com um quintal grande, onde a gente plantava
uma grande horta e, após produzir as verduras, a gente vendia na rua de porta
em porta. Com 15 anos, eu arrumei serviço e fui trabalhar em uma empresa dentro
da base aérea de Guarulhos durante dois anos e, após ser dispensado do
exército, trabalhei em uma indústria de doce e depois comecei a trabalhar como
metalúrgico até me aposentar. Era uma época que havia muito serviço/emprego em
São Paulo. A gente podia sair tranquilamente de uma fábrica e no dia seguinte
ser fichado em outra empresa. Nesse contexto, mudei muito de empresa. Trabalhei
em umas dez empresas, pois era interessante receber o acerto de contas. O
conhecimento que aprendi como metalúrgico em dez empresas – por exemplo, saber
fazer chapa de betoneira - não me ajuda em nada, porque só serve dentro de uma
empresa. Eu não tenho dinheiro para montar uma empresa para produzir com o
conhecimento que adquiri. Muitos trabalhadores permanecem escravos das empresas
na cidade, porque na terra se a gente planta hoje, a gente não colhe amanhã,
precisa alguns meses para colher. Logo se a pessoa não tem de onde tirar o
alimento do dia a dia, se torna difícil. Para um pai de família largar um
emprego que lhe dá um salário mensal é muito difícil, pois acreditar na luta
pela terra implica abraçar a incerteza do êxito da luta. Se os filhos não têm
como apoiar o pai na luta pela terra, pior. Agora, eu e minha companheira não
abrimos mão da luta pela terra nem que alguém nos ofereça uma mansão de
presente lá na cidade. Quando eu estava para casar com a Eva, ela trabalhava
para um patrão que me chamou para ir para a cidade de Santos, SP, para
trabalhar com ele pescando durante a semana no mar e nos finais de semana eu
deveria limpar e cuidar dos jardins e da piscina da casa dele. Eu disse a ele:
“O senhor quer é um escravo. Não aceito”. Nossa paixão pela terra vem do nosso
berço, pois nosso pai convidava a gente quando era criança e nos ensinava a
plantar milho, feijão, café e verduras. A gente não tem nada contra a polícia,
temos contra a farda.”
Referência
BATISTA,
Elza Cristiny Carneiro. Trajetórias
escolares de jovens assentados: estudo em Arinos/MG. (Dissertação de
mestrado). Florianópolis: UFSC, 2015
Belo
Horizonte, MG, 16/4/2019.
Obs.: Abaixo, vídeos
que versam sobre o assunto apresentado, acima.
1
- MST luta pela terra em Campo do Meio/MG desde 1998: Palavra Ética/TVC/BH c/
frei Gilvander. 17/11/18
2
- Terra, mãe libertadora! Quilombo Campo Grande/Campo do Meio/MG. Vídeo 7 -
26/1/2018
3
- Sr. Mozar no Quilombo Campo Grande/MST/MG: "Sem a terra ele não
vive!" Vídeo 6 – 26/11/18
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
Nenhum comentário:
Postar um comentário