Lideranças
quilombolas da Região de Belo Vale e Brumadinho, MG, discutem direitos
quilombolas e mineração: 15 quilombolas mortos pela Vale com licença do Estado.
“Irá
chegar um novo dia / Um novo céu, uma nova terra, um novo mar. / E nesse dia os
oprimidos / A uma só voz, a liberdade, irão cantar...”
Reunião no dia 16 de fevereiro de 2019 com representantes de comunidades quilombolas de Belo Vale e Brumadinho e entidades ligadas ao movimento social em Belo Vale, na Comunidade Quilombola Chacrinha dos Pretos. Foto: A. Baeta/CEDEFES.
Foi realizado no dia 16 de fevereiro de 2019
um importante encontro de lideranças quilombolas e entidades para discutir a atual
situação das comunidades quilombolas da região do Médio Vale do Rio Paraopeba em
relação aos empreendimentos minerários e outros que estão degradando o meio
ambiente e comprometendo os seus direitos enquanto povos tradicionais,
preocupação que aumentou após a Tragédia Crime da empresa Vale e do Estado com
a anuência do Judiciário ocorrida – e continua o crime - a partir dia 25 de
janeiro de 2019 no município de Brumadinho, assassinando mais de 300 pessoas e comprometendo
drasticamente vidas em todo o vale do rio Paraopeba, como também as do vale do Rio
São Francisco.
Compareceram
representantes e lideranças das comunidades quilombolas Chacrinha dos Pretos,
Boa Morte, Marinhos e Ribeirão. As entidade que participaram deste encontro
foram o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), Comissão
Pastoral da Terra (CPT-MG), Federação Quilombola de Minas Gerais-N’Golo,
Mandato da Deputada Estadual Andréia de Jesus-PSOL, Coordenação Nacional dos
Quilombolas (CONAQ), Associação do Patrimônio Histórico Artístico e Ambiental
de Belo Vale (APHAA-BV) e Conselho Municipal de Preservação e Defesa do Meio
Ambiente (CODEMA).
A
comunidade Chacrinha dos Pretos, por meio de sua liderança Tuquinha (Maria
Aparecida Dias), membro da Associação da Comunidade Chacrinha (ACC), expôs a
sua grande preocupação com a possibilidade de barragens estourarem nos
arredores, como a da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), na Mina Casa de
Pedra, em Congonhas, MG, que atingirá além de milhares de moradores da área
urbana desta cidade, o que já seria uma catástrofe de proporções inimagináveis,
também comunidades quilombolas de Jeceaba, e posteriormente, de Belo Vale.
Também alertou sobre as barragens do Complexo Maré, da empresa Vale, instaladas
na parte alta da Serra dos Mascates, além da barragem pertencente à minerada Green Metalls. Absurdamente,
após esta denúncia, ocorreu mesmo a
ruptura desta barragem - exatamente no dia 19 de março de 2019 - atingindo inúmeras
moradias da zona rural de Pintos, em Belo Vale, vizinha da Comunidade
Quilombola Chacrinha dos Pretos.
Os
moradores de Chacrinha comentam que independente de rupturas de barragens, ocorre
frequentemente inundações em sua comunidade, o que provocou a mudança de muitas
famílias nos últimos decênios para as zonas mais altas. O rio Paraopeba apresenta
em seu curso pontos de assoreamento e de desmatamento, além de apresentar
periodicamente águas muito turvas ou escuras, sujas e com mau cheiro. Indagam
se já não seria o descarte de rejeitos minerários ou produtos tóxicos em
menores proporções no rio, que já o estaria contaminando aos poucos. Observe-se
que o Rio Paraopeba, em Belo Vale, já está contaminado pela exploração das
mineradoras, mesmo estando acima de Brumadinho.
Outra
situação que aflige a Comunidade Quilombola Chacrinha dos Pretos é a situação
da ferrovia da MRS Logística SA (empresa criada
em 1996, para atender a concessão da União e utilizar os serviços públicos da
malha ferroviária da Linha Central, antes sob o domínio da Rede Ferroviária
Federal (RFSSA), dissolvida em 1999), instalada originalmente no
início do século XX, em 1914, com
a instalação do ramal do Paraopeba da Estrada de Ferro Central Brasil.
Este segmento férreo passa rente às casas da Comunidade Quilombola
Chacrinha, interceptando grotescamente as travessias tradicionais e históricas das
comunidades locais. A MRS sinaliza o interesse em duplicar esta ferrovia, o que
seria um grande dano e caos, pois já destruiu e apartou ruínas arqueológicas da
Chacrinha, importante sítio arqueológico, protegido por Lei Federal n. 3924, de
1961, bem como por Decreto Municipal n. 1249, de 28 de fevereiro de 2011. O
tremor do trem ao passar causa abalos nas estruturas das moradias e ruínas,
comprometendo a sua integridade, e o barulho ensurdecedor das constantes
passagens das composições de trem tira o sossego da vila, podendo comprometer a
saúde auditiva de seus moradores. Este empreendimento férreo linear dificulta e
impede ainda o trânsito de seus moradores na localidade. Certamente, a sua
duplicação será um grande absurdo e espera-se, obviamente, o contrário,
respeitando ainda as normas patrimoniais e arqueológicas internacionais, que
esta linha férrea seja retirada imediatamente dos domínios do território
histórico e cultural das comunidades locais. Denunciaram também que muitas
vezes seguranças armados ou vigilantes da MRS impedem que pessoas que moram do
outro lado da linha transitem, porém, nunca houve a opção de uma ponte ou
passarela para atravessar ou trafegar nos dois lados.
Já o
representante da Comunidade Quilombola Boa Morte, de Belo Vale, o Sr. Maurício
Cordeiro, conta que a Boa Morte está logo abaixo do complexo de barragens da
Maré, da mineradora Vale, e que já foram instaladas sirenes e que desde então a
comunidade encontra-se apavorada. Também temem a ruptura da grande barragem da
CSN, em Congonhas, já mencionada, que afetaria também a sua comunidade.
Os
representantes das comunidades quilombolas de Belo Vale e de Brumadinho
externaram o grande luto que estão sofrendo decorrente da morte de moradores e
parentes no crime/tragédia em Brumadinho, muitos deles cujos corpos sequer
foram ainda encontrados. Apenas dos municípios de Brumadinho e Belo Vale 15
quilombolas foram assassinados no crime/tragédia da Vale e do Estado dia 25 de
janeiro de 2019. Cada enterro e cada velório tem sido uma tristeza absurda para
eles, além da angústia da espera de informações. Contaram que alguns
quilombolas conseguiram se salvar quando da ruptura da barragem da Mina do Córrego
do Feijão, porque correram muito e por muito pouco também não morreram. Há
comunidades quilombolas ainda isoladas da sede de Brumadinho, apesar do ônibus dar
uma grande volta em um trajeto muito demorado e perigoso. Por conta desta distância
ocasionada pela destruição de trechos de estrada pelo tsunami de lama tóxica,
pelo menos dois quilombolas morreram sem assistência, pois passaram mal e não
tinha como a ambulância chegar ao quilombo em tempo hábil. Reclamaram que
precisam de mais horários de ônibus, pois eles se encontram muito isolados,
mesmo antes da tragédia acontecer. A condução nesta localidade sempre foi muito
difícil. Muitas pessoas estão agora com problemas psicológicos e doenças
decorrentes deste crime/tragédia e que precisam também de mais disponibilidade
de médicos e profissionais de saúde nos postos de atendimento das comunidades
quilombolas.
Por
último, foi externada a necessidade de orientação às comunidades e suas
lideranças com relação à negociação com a empresa assassina Vale, CSN e outras
que atuam na região. Foi decidido, sob orientação do advogado da CONAQ, em
comum acordo com as demais entidades presentes, sobre a necessidade da
utilização de um Protocolo de Consulta Prévia às comunidades quilombolas,
seguindo assim as instruções previstas na Convenção OIT n. 169, respeitando os
direitos dos povos tradicionais. Representação com reivindicações das
Comunidades Quilombolas de Brumadinho e Belo Vale já foram entregues ao
Ministério Público estadual e federal.
Assinam
esta Nota:
Associação
da Comunidade Quilombola Chacrinha (ACC)
Centro
de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES)
Comissão
Pastoral da Terra (CPT-MG)
Federação
Quilombola de Minas Gerais-N’Golo
Mandato
da Deputada Estadual Andréia de Jesus, PSOL
Coordenação
Nacional dos Quilombolas (CONAQ)
Associação
da Comunidade Boa Morte
Associação
do Patrimônio Histórico Artístico e Ambiental de Belo Vale (APHAA-BV)
Belo
Horizonte, MG, 03 de abril de 2019.
Vista geral comunidade quilombola Boa Morte- Belo Vale |
Visão panorâmica do Sítio Arqueológico da Comunidade Quilombola Chacrinha dos Pretos, em Belo Vale, MG. Fotos: A. Baeta/CEDEFES. |
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