Tributo a Irmã Alberta Girardi, Mãe
dos Pobres e dos Direitos Humanos.
Reprodução / Divulgação / 100 Nonni |
Aos
97 anos, com o símbolo de compromisso com os mais pobres em um dos dedos - anel
de tucum -, morreu e ressuscitou na madrugada de hoje, dia 30 de dezembro de
2018, IRMÃ ALBERTA GIRARDI – Dina Girardi era o nome de batismo dela -,
verdadeiramente uma MULHER PROFÉTICA que viveu colocando em prática a Opção
pelos Pobres. Como integrante da Congregação das Pequenas Irmãs Missionárias da
Caridade (ORIONITAS), Irmã Alberta viveu e lutou a vida toda consolando os
aflitos e injustiçados e incomodando os opressores.
A
irmã Alberta, conhecida por seu vasto trabalho em favor dos mais pobres, dentre
eles os trabalhadores rurais sem-terra, os irmãos de rua e as crianças, foi
mais uma vez reconhecida por seu trabalho. Após ganhar em 2007 o prêmio Franz
de Castro Holzwwarth da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), foi agraciada também
com o Prêmio Especial dos Direitos Humanos, concedido durante a Primeira Mostra
de Direitos Humanos em São Paulo.
Irmã
Alberta Girardi nasceu em Quarto de Altino, Veneza, Itália, no dia 24 de
outubro de 1921, um ano antes da ascensão do fascismo em seu país. Chegou ao
Brasil em janeiro de 1970, em plena ditadura militar, e foi enviada diretamente
à cidade de Araguaína, então estado de Goiás, onde trabalhou até 1986. Trabalhou
em uma casa de acolhida para migrantes e logo se deparou com o sofrimento dos
posseiros, expulsos da terra concedida com documentos do bispo, de Porto
Nacional, por falta de cartório. O projeto da ditadura
militar-civil-empresarial era mecanizar o campo. Com esse projeto de
mecanização da agricultura, os fazendeiros foram expulsando os pobres
violentamente. Diante dessa realidade, da necessidade de defender os pobres do
campo, nasceu em 1975 a Comissão Pastoral da Terra (CPT), vinculada à CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Em 1979, irmã Alberta se envolveu
na luta do povo camponês. “Convivi com padre Josimo Moraes Tavares. A realidade
imposta pela ditadura era a de que não se devia proteger os pobres e queríamos
fazer isso. Fui ameaçada de morte também”, lembra Irmã Alberta. Ela trabalhou
com o padre Josimo, muito admirado por ela, até dia 10 de maio de 1986, momento
em que ele foi assassinado em Imperatriz, no Maranhão. Padre Josimo, jovem
sacerdote com 33 anos de idade, era coordenador da CPT no Bico do Papagaio, um
território no estado do Tocantins que abrange 25 municípios. Irmã Alberta foi
companheira de Padre Josimo na luta pela terra e em defesa dos camponeses
violentados pelo latifúndio e pelos latifundiários.
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Irmã
Alberta teve que deixar a cidade quando o padre Josimo Tavares, seu companheiro
de trabalho pastoral, foi assassinado a mando de cinco fazendeiros. Irmã
Alberta havia também sido jurada de morte. Ela se refugiou em Curralinho, no
estado do Pará, onde trabalhou durante nove anos. Lá trabalhou em um pequeno
hospital, e teve que fazer as vezes de vigário, já que a cidade não contava com
pároco, atuando na formação de catequistas, trabalhando nas pastorais da
família, dos doentes e da juventude. Posteriormente, trabalhou junto às Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) ribeirinhas da Ilha de Marajó, no Pará, e em outras
localidades.
Em
1996 foi transferida para São Paulo e continuou contribuindo na Comissão
Pastoral da Terra, órgão da CNBB hoje presidida por Dom André, bispo da Diocese
de Rui Barbosa, BA. Foi na capital de São Paulo que Irmã Alberta conheceu a
Fraternidade Povo de Rua, começando com seus voluntários as visitas feitas
durante a noite aos moradores em situação de rua. Foi nesse período também que
passou a colaborar com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e passou a
atuar no setor de Direitos Humanos. Tio Mauro, ex-pessoa em situação de
rua da capital de São Paulo, recorda: “Lembro-me da Irmã Alberta e da Irmã
Nelsy que se colocaram entre nós e a polícia em uma ocupação violenta em 2003.
Aquelas fabulosas irmãs diziam que, para nos repelir, a polícia deveria
primeiro passar por cima delas. Heroínas! Agora, graças a ela, vivo com minha
família na aldeia da reforma agraria dedicada a Tomas Balduíno, cultivo meu
campo e confio no futuro dos meus filhos”, contou o agora assentado em um
Assentamento de Reforma agrária ao projeto 100 Nonni.
Irmã
Alberta chegou a morar em acampamento de trabalhadores rurais Sem Terra por
dois anos. Hoje, no km 27 da Rodovia Anhanguera há um assentamento que leva seu
nome: a Comuna da Terra Irmã Alberta, que, aliás, foi fonte de inspiração para
a construção da Ocupação Rururbana Dandara, em Belo Horizonte, MG, que hoje
conta com 2.500 famílias já constituindo um bairro organizado. Em diálogo com o
site do projeto 100 Nonni, Irmã Alberta contou uma de suas experiências de
ocupação de terra: “Ocupamos um terreno ao lado de uma penitenciária em um
subúrbio da Grande São Paulo. Eu, com meu hábito de freira, estava diante da
polícia ao lado de um advogado chamado Bruno. Um capitão da polícia me
perguntou o que estava fazendo naquele lugar. 'O meu dever', respondi. Eu
também cumpro meu dever, ele retrucou. Chovia muito. Eram as duas da madrugada.
Os policiais estão acostumados a enfrentar a violência com violência. Uma mãe tinha
duas crianças no colo. Peguei uma delas e avancei! Um policial me fez cair com
a criancinha. Nos empurravam até o asfalto e depois iam embora. Nós voltávamos
imediatamente. Era terra livre, do governo, mas os guardas da prisão haviam se
apossado dela para criar ovelhas e cavalos. Diziam que a terra era deles.
Chamaram de novo a Polícia Militar que nos empurrou pela segunda vez. Então
voltamos no dia seguinte com o dobro de famílias. Começamos a construir as
barracas típicas dos sem-terra, usando grandes sacos de plástico preto sobre
uma armação de madeira, com redes para dormir. Resistimos, recuamos, voltamos
outras vezes… Nunca desistimos. Por fim conseguimos obter a residência
provisória. Hoje, muitos anos depois, lá pode ser encontrado um assentamento com
70 famílias, 400 pessoas, com lotes de 3 a 4 hectares para cada núcleo
familiar, morando em casas de alvenaria feitas no regime de mutirão. Cultivam
acerola, caqui, abacate, laranjas, bananas… Aqueles camponeses são todos meus
irmãos”.
Irmã
Alberta nunca esqueceu sua origem: “Quando eu tinha uns oito anos, a Itália já
estava sob o fascismo de Benito Mussolini. Era um regime cruel e meu pai era
contra. Vivia meio escondido, mas sempre na luta. Isso ficou gravado na minha
memória e me fez ter muita admiração por ele.”
Um
ano antes de partir para a eternidade, Irmã Alberta disse em entrevista à
Revista Família Cristã[1]:
“Minha missão foi cumprida. Se pudesse voltar atrás, voltaria a viver e lutar ao
lado dos sem-terra. A vida com eles resume um pouco a minha vida de missão.” Parafraseando
Bertold Brecht, dizemos: "Há mulheres que lutam um dia e são boas, há
outras que lutam um ano e são melhores, há as que lutam muitos anos e são muito
boas. Mas há as que lutam toda a vida e são imprescindíveis. Irmã Alberta foi e
continuará sendo imprescindível em nós, na luta!"
Obrigado, Irmã Alberta Girardi. Além de partilhar vida em plenitude, você
continuará viva em nós na luta. Irmã Alberta, presente sempre na luta!
Por
frei Gilvander Moreira, da CPT/MG.
Belo
Horizonte, MG, 30/1/22018.
[1] Cf. a entrevista
na íntegra aqui: https://www.paulinas.org.br/familia-crista/?system=news&action=read&id=14331
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