sábado, 20 de fevereiro de 2016


AUDIÊNCIA NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (SAN JOSÉ DA COSTA RICA, 18-19/02/2015)

Por Xavier Plassat - Coordenador da Campanha de "Olho Aberto para não Virar Escravo'
A audiência na Corte interamericana realizada nos dias 18 e 19/02 para julgar a ação movida contra o Estado, no caso Brasil Verde, se desenvolveu da melhor maneira possível, do nosso ponto de vista de peticionários.
Conseguimos evidenciar a realidade, brutal e sistemática, do trabalho escravo naquela época, destacando elementos que dela constituíam um verdadeiro "padrão", uma prática sistemática, especialmente naquela região Norte. Também mostramos que, apesar de inegáveis instrumentos e avanços produzidos ao longo desses anos, continua chocante a ineficiência do combate ao trabalho escravo. Neste contexto de passado que, sob vários aspectos, permanece até o presente, surge como mais um desafio a sinalização de profundos retrocessos em processo no Congresso e em setores do Executivo e do Judiciário. Serão retrocessos consumados se não reagirmos à altura destes desafios e se - em situações como a evidenciada no caso da Brasil Verde - não for mandado ao Estado o recado adequado. 
O fato de outros países deste continente terem uma conduta eventualmente bem pior que a do Brasil não exime nosso país de ter que corrigir seus defeitos e superar seus limites e omissões. E não são poucos: nenhuma ação real – sistemática - de prevenção voltada aos públicos em situação de vulnerabilidade ao tráfico, ao aliciamento, à migração de risco e ao trabalho escravo; baixa histórica na capacidade de intervenção do Estado (faltam 1000 fiscais!!!); lista suja jogada às nuvens e conceito legal de trabalho escravo sob tiroteio; impunidade gritante: de quase 2300 empregadores escravagistas já flagrados por este crime desde 1995 (com mais de 50 mil pessoas resgatadas pela fiscalização), nenhum - NENHUM - ainda cumpriu pena de prisão como manda o art. 149 CPB).

Dizem que os casos de trabalho escravo no Brasil estão em diminuição? Está diminuindo sim o número de resgatados do trabalho escravo (em média 2000 por ano nos últimos 5 anos, contra 4500 por ano nos anos de 2003 a 2010), o que não significa exatamente a mesma coisa. Continua desafiadora a exigência de conseguirmos detectar situações atuais de trabalho escravo, hoje bem mais dissimuladas em nosso meio, no campo e na cidade, na agricultura, na construção, no extrativismo, na mineração, na indústria, na pesca, no comércio.
Ficou triste - revoltante até – ter que ouvir do representante do Estado nas audiências da Corte (Procuradoria Geral da União) uma cínica negação da realidade de trabalho escravo constatada na época na fazenda Brasil Verde, em discurso que pouco se diferenciava do argumento de um ruralista impenitente. Como bem disse o representante da Comissão interamericana na conclusão das alegações finais, dirigindo-se ao Estado: faltaria então nos explicar porque o Estado resolveu, na época, resgatar desta fazenda aqueles tantos trabalhadores: resgatar do quê?
Aguardaremos a sentença da Corte, prevista para sair, esperamos, até julho ou setembro deste ano. Essa sentença, além de determinar a reparação dos danos sofridos por cerca de 300 trabalhadores explorados sucessivamente na Brasil Verde, deve também enunciar parâmetros importantes - válidos para o conjunto dos países membros da OEA - para que o trabalho escravo seja devidamente - e com a máxima energia - identificado, prevenido, combatido e sancionado, no Brasil e fora do Brasil. Sem esbarrar em institutos inadmissíveis como o da prescrição que ainda vigora no Brasil e beneficia autores de crimes tão repugnantes como o de reduzir alguém à condição análoga à de escravo em pleno século 21.


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