terça-feira, 10 de julho de 2018

Acampamento Cigano do Cascata, em Ibirité, MG: mais um caso de descaso com um Povo Tradicional e clamor por Direitos.


Acampamento Cigano do Cascata, em Ibirité, MG: mais um caso de descaso com um Povo Tradicional e clamor por Direitos.

A cigana Mariana e crianças do Acampamento Cigano do Cascata,
em Ibirité, MG, dia 07/7/2018. Foto de A. Baeta.
No dia 07 de julho de 2018, foi realizada a primeira visita de representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP-MG), do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) e do Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG - Ibirité) ao Acampamento Cigano do Cascata, na periferia de Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Fomos convidados por uma das lideranças do Acampamento, o Senhor Igor, que solicitou formalmente uma ida nossa ao local para conhecer a realidade do acampamento, bem como para uma conversa inicial com a comunidade e apoio na luta por direitos sociais.  
As 35 famílias ciganas do Acampamento do Cascata, várias delas presentes à reunião, afirmaram que Igor e Waguinho são lideranças no Acampamento do Cascata. Por sua vez, as entidades ali presentes informaram também que só reconheceriam as lideranças ciganas que morassem no acampamento e que esta tem sido a conduta para com os outros acampamentos ciganos. Em seguida, os ciganos e as ciganas nos contaram em linhas gerais a migração forçada deles/as em várias localidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).  Relataram que já acamparam durante 25 anos em Betim e tiveram que sair de lá às pressas, devido a perseguições e que na sequência já estiveram acampados em Ribeirão das Neves e em Igarapé, e de lá tiveram que sair, montando acampamento em uma área da Fazenda Pintado, no Bairro Cascata, em Ibirité, no início de 2015, onde residem até hoje. O terreno onde se encontram possui pouco menos de 1 (Hum) hectare (10 mil metros quadrados, cerca de 1 campo de futebol), tendo sido alugado quando da sua chegada. Relataram as dificuldades para levantar recursos para o pagamento do aluguel e de alimentos, mês a mês.  Como o terreno é pequeno para todas as famílias, mais recentemente três famílias transferiram as suas tendas para um terreno vizinho da mesma fazenda, também alugado. Fomos informados de que várias famílias ciganas repassam parte do recurso de benefícios, como bolsa família, para o pagamento do aluguel do terreno, a fim de garantir a moradia no local e, com isso, manter seus filhos/as na escola, poder acessar o posto médico etc.
Ouvimos atentamente as famílias ciganas, mulheres, homens, jovens, adolescentes e crianças e percebemos o quanto é necessário, para estas famílias, a garantia da terra e do território para que possam criar e educar seus filhos, garantindo-lhes o direito à educação, alimentação saudável, saúde, entre outros direitos. Como afirmou uma jovem mãe, "eu e as demais mães não tivemos oportunidade de estudar, aprender a ler. A gente tinha que ficar mudando o tempo todo. Não queremos isso para nossos filhos. Queremos que eles estudem. Os tempos mudaram. E não tem como estudar se não tiver moradia. Estão todos estudando aqui perto, em Ibirité, em escola municipal aqui perto. Não podemos sair daqui. Nós, mães, também queremos aprender a ler".
O que se vê, mais uma vez, é um cenário muito preocupante e alarmante, pois o Acampamento Cigano do Cascata está implantado à beira de um córrego (homônimo) que se encontra extremamente poluído, um verdadeiro esgoto a céu aberto. As famílias que vivem no acampamento estão sem condições sanitárias adequadas, expostas a doenças pela falta de água potável e serviços básicos de saneamento.
Tem necessidade e direito de ter acesso aos serviços públicos que garantam qualidade de vida com saúde, bem-estar e, sobretudo, dignidade à Comunidade Cigana do Cascata, assegurando-lhes seus direitos fundamentais, tais como: terreno adequado para as suas moradias, sem necessidade de pagamento de aluguel, atendimento específico no âmbito da saúde, educação, assistência social, ambiental, garantindo rede de água, energia e saneamento.
Diante disso, denunciamos a ausência de políticas públicas que garantam o direito ao território e outros direitos humanos fundamentais para a Comunidade Cigana do Cascata, em Ibirité, MG. Reivindicamos que o Poder Público, municipal e estadual, destine terreno adequado, em tamanho e qualidade, para que todas as Comunidades Ciganas possam viver com dignidade e cultivando sua linda tradição cultural. Ao mesmo tempo, anunciamos a vida, a força, a beleza e a coragem da Comunidade Cigana do Cascata: mulheres, homens e crianças que lutam, junto com uma Rede de Apoio, pelo direito à vida e de viver a partir de sua própria cultura!
Alertamos para os direitos ciganos prescritos na Constituição Federal, no Estatuto dos Povos Ciganos (em tramitação no Congresso Nacional), tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho, ligada à ONU) que exige respeito aos direitos dos Povos Tradicionais, entre os quais estão os Povos Ciganos. Reivindicamos que a prefeitura de Ibirité crie uma Política Pública Municipal voltada especificamente para as Comunidades Ciganas, o que é exigência da Política Nacional de Povos Tradicionais e, agora também, estadual, pois há alguns meses o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, regulamentou a Lei que trata dos Povos Tradicionais. Portanto, o poder público municipal tem o dever, com extrema urgência, de garantir território para assentamento de todas as famílias ciganas existentes no município e todas as políticas públicas nas áreas de saúde, educação, assistência social etc. Criar um Centro de Tradições Ciganas é também um dever do poder público e direito do povo cigano.
Importante lembrar que há toda uma Rede de Apoio mobilizada na luta pelos direitos das Comunidades Ciganas, composta Pela Associação Nacional dos Ciganos (ANEC), CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva), CPT (Comissão Pastoral da Terra), MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), MPF (Ministério Público Federal), Defensorias Públicas Estadual e da União, advogadas e advogados populares da RENAP-MG (Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares), Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG (Unidade Ibirité), professores e estudantes universitários, dentre outros.
Feliz quem reconhece as belezas milenares da cultura cigana e se compromete na luta em defesa destes povos que dignificam a plural cultura brasileira! Mexeu com os ciganos, mexeu com muitas forças vivas! Respeito aos povos ciganos, sempre!
Todo apoio e solidariedade aos Povos Ciganos nessa luta por terra e por respeito aos seus direitos, à sua dignidade!

Assinam essa Nota Pública:
Comunidade Cigana do Cascata, em Ibirité, MG;
CPT (Comissão Pastoral da Terra);
Kaipora (Laboratório de Estudos Bioculturais (UEMG – Unidade Ibirité);
CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva);
RENAP-MG (Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares).

Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte, MG, 10 de julho de 2018.


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