Na luta pela terra: Sujeito
social, Classe e Ideologia do Trabalho
Por Gilvander Moreira[1]
O que se compreende por ‘sujeito social’, ‘classe’
e ‘ideologia do trabalho’? Em uma pesquisa de doutorado sobre a Luta pela Terra
enquanto Pedagogia de Emancipação Humana buscamos deixar claro, entre muitos
conceitos, qual o conceito de ‘sujeito social’, de ‘classe’, de ‘ideologia do
trabalho’ como meio para se enriquecer. Em diálogo com Roseli Caldart, usamos a
expressão “sujeito social para
indicar uma coletividade que constrói sua identidade (coletiva) no processo de
organização e de luta pelos seus próprios interesses (direitos, acréscimo nosso) sociais” (CALDART, 2012, p. 37). Destacamos
que o termo identidade traz consigo a
noção de essência que se refere a algo
que é. Por isso, considerando que a luta pela terra trata-se de algo sempre
dinâmico e complexo, pensamos ser melhor afirmar que os Sem Terra constroem de
forma coletiva uma identificação, uma
espécie de identidade aberta[2].
Mais do que ‘interesses’ sociais, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e centenas de outros movimentos
camponeses lutam por direitos sociais, entre os quais é primordial o direito à
terra.
Compreendemos que o conceito de classe é fundamental para a análise da
luta pela terra. Ao conceituar classe, precisamos distinguir o que se
compreende por classe, ciente de que para Marx os conceitos não são fixos e
estáticos, pois a dialética se expressa no movimento próprio dos conceitos. Edward
Thompson faz a seguinte distinção: “Classe não é, como gostariam alguns
sociólogos, uma categoria estática: tais e tais pessoas situadas nesta e
naquela relação com os meios de produção, mensuráveis em termos positivistas ou
quantitativos. Classe, na tradição marxista, é (ou deve ser) uma categoria estática
descritiva de pessoas em uma relação no decurso do tempo e das maneiras pelas
quais se tornam conscientes de suas relações, como se separam, unem, entram em
conflito, formam instituições e transmitem valores de modo classista. Neste
sentido, classe é uma formação tão “econômica” quanto “cultural”; é impossível
favorecer um aspecto em detrimento do outro, atribuindo-se uma prioridade
teórica” (THOMPSON, 2001, p. 260).
A ideologia dominante e hegemônica tem muito poder.
“A ideologia dominante tem uma capacidade muito maior de estipular aquilo que
pode ser considerado como critério legítimo de avaliação do conflito, na medida
em que controla efetivamente as instituições culturais e políticas da
sociedade” (MÉSZÁROS, 1996, p. 15). Para compreendermos a Luta pela Terra
enquanto Pedagogia de Emancipação Humana, é preciso entender a ideologia do
trabalho como meio para se enriquecer. No livro O Cativeiro da Terra, José de Souza Martins diz que “além da
disponibilidade de terras, era necessária a abundância de mão de obra de
trabalhadores dispostos a aceitar o mesmo trabalho que até então era feito pelo
escravo. Trabalhar para vir a ser proprietário de terra foi a fórmula definida
para integrar o imigrante na produção do café” (MARTINS, 2013, p. 51).
Para não desmascarar a ideologia do trabalho como
meio para adquirir riqueza, “inaugurando um novo secador de café, um fazendeiro
de Campinas promoveu uma grande comemoração devidamente hierarquizada, que é
significativa indicação a respeito: “à tarde foi servido, no terreiro da
fazenda, um grande jantar aos escravos ... [...] Às 6 horas da tarde foi
servido o banquete aos convidados, na sala de jantar ... [...] Às 7 horas foi
servido, em outra sala do prédio, o lauto jantar aos colonos ...” Os do
terreiro, os de fora, não eram iguais aos de dentro da casa. Mas dentro da casa
havia o jantar do fazendeiro e o jantar do colono, o que come antes e o que
come depois. Embora desiguais, fazendeiro e imigrante são vinculados entre si
por uma igualdade básica, a identidade de quem come na casa-grande. Nesse
plano, o imigrante está contraposto à senzala” (MARTINS, 2013, p. 51).
A pedra fundamental da ideologia do trabalho como
caminho para o enriquecimento afirma que pelo trabalho se conquista autonomia e
liberdade, mas isso não acontece na maioria dos indivíduos da classe
trabalhadora e nem na maioria dos camponeses, porque a ideologia do trabalho “encobre
e obscurece o conteúdo principal da relação entre o patrão e o empregado. Por
meio dela, o trabalho não é considerado principalmente como uma atividade que
enriquece o patrão. Ao contrário, o trabalho é considerado como uma atividade
que cria a riqueza própria e, ao mesmo tempo, pode liberar o trabalhador da
tutela do patrão” (MARTINS, 2013, p. 203).
O ponto crucial do problema, que gera uma injustiça
estrutural e justifica a exploração do trabalhador pela classe patronal, é que “o
capital (a riqueza) não é visto nem concebido como produto do trabalho de
outros, isto é, como produto do trabalho do operário despojado dos meios de
produção, do confronto e do antagonismo entre o capital e o trabalho,
personificado no capitalista e no proletário. Ao contrario, o capital é concebido
como produto do trabalho do próprio capitalista” (MARTINS, 2013, p. 203-204).
A classe se forma quando um grupo de trabalhadores,
pela experiência vivenciada ou herdada, descobre que, irmanados, estão
submetidos todos ao mesmo processo de exploração e, por isso, assumem uma
identidade que os reúne na defesa dos seus direitos e na resistência contra e
para além do sistema do capital. "A classe acontece quando alguns homens,
como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam
a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos
interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus" (THOMPSON, 1987, p.
10). Pelas contradições do sistema do
capital, o sentimento de pertença à classe trabalhadora ou ao campesinato
acontece quando pela própria experiência a/o trabalhador/a percebe que é apenas
formal e abstrata a liberdade que a classe dominante diz que ele tem. Se fosse
real a liberdade alardeada pelos capitalistas, a/o trabalhador/a teria várias
opções. Entretanto, ao longo da história do capitalismo, a/o trabalhador/a não
teve a opção de escolha entre muitos. Somente os patrões tiveram/têm liberdade
porque tiveram/têm à sua frente um batalhão de famintos pronto a ser contratado
por qualquer preço que mitigue sua fome diária.
Referência
CALDART,
Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
MARTINS, José de Souza. O
Cativeiro da Terra. 9ª edição. São Paulo: Contexto, 2013.
MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo:
Ensaio, 1996.
THOMPSON,
Edward Palmer. As peculiaridades dos
ingleses e outros artigos. NEGRO, Antonio Luigi; SILVA, Sergio (org.).
Campinas, São Paulo: Unicamp, 2001.
______. A
Formação da Classe Operária Inglesa: A Árvore da Liberdade. Vol. 1. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
Belo Horizonte, MG,
17/7/2018.
Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.
1 - MST e Povo das Ocupações urbanas unidos
na luta por terra e moradia. 23/08/2014.
2 - Ocupação Carolina Maria de Jesus/MLB,
Belo Horizonte/MG: 200 famílias/prédio de 14 andares. 06/9/2017.
3 - Dona Vilma, 73 anos, em Belo Horizonte, MG:
DESPEJO VAI. DONA VILMA FICA. 2ª Parte. 10/4/2018.
[1]
Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG;
licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas;
assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais
Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com
– www.gilvander.org.br - www.freigilvander.blogspot.com.br –
[2] Manuel
Castells, nos livros O poder da
identidade, Vol. I e Vol. II, analisa a sociedade em rede e traz uma
discussão atualizada sobre os novos movimentos socais ao falar de ‘identidade
de projeto’. Cf. CASTELLS, Manuel. O
poder da identidade. Vol. I. São Paulo: Paz e Terra, 2002. E, CASTELLS,
Manuel. O poder da identidade. Vol.
II. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário