quarta-feira, 18 de julho de 2018

Tributo a Serena Romagnoli, uma italiana de coração brasileiro e Sem Terra.


Tributo a Serena Romagnoli, uma italiana de coração brasileiro e Sem Terra.
Por Gilvander Moreira[1]


Com profunda comoção, recebi a notícia que a italiana de ‘coração brasileiro’, Serena Romagnoli, partiu para a vida em plenitude, dia 12 de junho de 2018, antes do tempo, vítima de uma queda. Primeiro, meu abraço solidário à sua filha, Benedeta, a todos seus parentes e à família de luta de Serena Romagnoli. Em segundo lugar, é meu dever apresentar a Serena para quem não teve a alegria de conhecê-la, conviver com ela e, ao lado dela, lutar de forma solidária, a partir da Itália, na defesa dos Sem Terra do Brasil, dos povos palestinos e haitianos, entre outros.
Dia 1º de setembro de 1996, cheguei a Roma, na Itália, para fazer mestrado em Exegese Bíblica no Pontifício Instituto Bíblico. Os primeiros seis meses foram de grande deserto, afundado em estudos das línguas hebraica, grega, latina, italiana, além das línguas inglesa e espanhola. Entretanto, dia 24 de março de 1997, se tornou um dia inesquecível para mim, porque participei, em Roma, de uma Missa com cânticos da Teologia da libertação, cantados, ora em português, ora em espanhol, em uma igreja lotada de latino-americanos que fazem Opção pelos Pobres. A celebração era em memória do mártir Dom Oscar Romero, Arcebispo de El Salvador, executado por pistoleiros a mando do Imperialismo dos Estados Unidos, dia 24 de março de 1980.
Durante a missa, no momento do Ato Penitencial, do meio do povo, clamei pela realização da reforma agrária no Brasil e fiz memória dos 21 Sem Terra assassinados na curva do S em Eldorado dos Carajás, dia 17 de abril de 1996, no Pará. Ao final da missa, SERENA ROMAGNOLI foi me cumprimentar na sacristia da igreja, enquanto eu retirava a batina e cumprimentava outros sacerdotes. Toda sorridente, Serena me convidou para participar de uma Mesa Redonda sobre o 1º ano do Massacre de Eldorado dos Carajás. Ainda sem conseguir falar bem em italiano, eu, ao lado de frei Clodovis Boff e de uma brasileira que traduziu minha fala para as centenas de pessoas presentes na sede do Jornal Il Manifesto, em Roma. Meu entusiasmo ao denunciar a repressão a quem luta pela terra no Brasil e o ‘coração brasileiro’ das/os italianas/os presentes viabilizaram nossa comunicação.
Logo após essa Roda de Conversa, Serena Romagnoli me convidou para uma reunião para discutirmos a criação de um Comitê de Apoio ao MST em Roma. Sob incentivo e dedicação total de Serena, criamos o Comitê de Apoio ao MST em Roma. Semanalmente, durante os três anos e meio, de 1997 a 2000, enquanto eu fazia o mestrado, percorremos centros sociais, escolas, Universidades, igrejas, sempre falando da luta pela reforma agrária no Brasil, divulgando a Mostra Fotográfica que Sebastião Salgado fez sobre os Sem Terra do Brasil e pedindo apoio político e, se possível, apoio econômico também. Fizemos feijoada e vários outros eventos para arrecadar subsídio econômico para a luta do MST no Brasil. Serena Romagnoli sempre presente na organização e realização de todas as iniciativas. Um voluntário criou o site do MST na Itália: www.comitatomst.it . Serena cuidava e atualizava constantemente esse site.
Em 1998, já tinham nascido Comitês de Apoio ao MST em quase todos os países europeus, sem dúvida, com o dedinho de Serena Romagnoli semeando essa proposta por toda a Europa. Assim, enquanto eu fazia o mestrado em Ciências Bíblicas em Roma, tivemos a alegria e a responsabilidade de participar, em Roma, do Comitê de Apoio ao MST e de dois Encontros Europeus de amigas e amigos do MST. Durante três anos e meio na Itália, fizemos inúmeros debates e seminários em Centro Sociais, em igrejas, em universidades e junto a organizações de solidariedade internacional. A divulgação na Europa da mostra fotográfica de Sebastião Salgado sobre o MST se tornou um dos instrumentos de divulgação da luta pela terra no Brasil e instrumento para a conquista de subsídio econômico para viabilizar a construção da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) e viabilização de muitos projetos do MST em vários estados brasileiros. Assim, na Europa, experimentamos a importância da articulação e da solidariedade internacional entre o campesinato de todos os países e as pessoas de boa vontade existentes em todos os países. O MST e a CPT não podem ser compreendidos sem o respeito e a solidariedade conquistados internacionalmente. Organizações cristãs ou socialistas internacionais têm sido imprescindíveis para a atuação da CPT e do MST. Entretanto, com a derrocada do socialismo real na Rússia e a crise econômica internacional, essas contribuições financeiras estão diminuindo gradativamente.
Serena Romagnoli, Professora com P maiúsculo que ensinava a pensar, a ser crítico/a e criativa/o; pedagoga da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. Serena Romagnoli veio, segundo ela, de uma formação “católica-comunista”. Participou do partido Refundação Comunista. Em Roma, Serena foi uma das fundadoras do Comitê de Apoio ao MST e à luta pela Reforma Agrária no Brasil e na América Afrolatíndia. Militante da causa internacionalista, Serena foi defensora do povo palestino e do povo haitiano. Serena, com serenidade, discrição, ternura, firmeza e perseverança cuidava de causas dos oprimidos e explorados em diversos países do mundo.
Serena traduziu o livro que publiquei na Itália: Dalla compassione alla misericordia, una spiritualità che umaniza. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 2003.
Em 2014, Marinella, Claudia Fanti e Serena Romagnoli publicaram o livro La lunga marcia dei senza terra: Dal Brasile al mondo. Roma: Editora EMI.
Enfim, Serena Romagnoli foi imprescindível para a classe trabalhadora italiana, para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil, para os povos palestinos e haitianos, e para mim, enquanto cursava o mestrado longe do querido povo brasileiro.
Serena, você viverá sempre em nós, na luta! Sua ternura, serenidade e firmeza ao lado dos injustiçados nos inspiram sempre! Eterna gratidão a você, Serena Romagnoli.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 18 de julho de 2018.

Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.

1 - Homenagem do MST à companheira Serena Romagnoli



2 - Festa de despedida della Brigata Brunetto/Gramsci del MST



3 - MST - Bilancio della giornata di lotta del 25 luglio 2017: Riforma agraria nelle terre dei corrotti



4 - La scuola nazionale Florestan Fernandes nella battaglia e delle idee





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. 
www.twitter.com/gilvanderluis             Facebook: Gilvander Moreira III


Nenhum comentário:

Postar um comentário