sexta-feira, 20 de julho de 2018

Comunidade Quilombola Braço Forte, de Salto da Divisa, MG, conquista decisão favorável na Justiça Federal e apoio junto à Mesa de Negociação do Governo de Minas.


Comunidade Quilombola Braço Forte, de Salto da Divisa, MG, conquista decisão favorável na Justiça Federal e apoio junto à Mesa de Negociação do Governo de Minas.

Reunião na Comunidade Quilombola, em Salto
 da Divisa, MG, dia 20/5/2108. Foto: E. Ferreira.

Seguindo a luta em prol dos direitos dos Povos Quilombolas, dia 16 de julho de 2018, realizamos na Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, MG, reunião da Mesa de Negociação do Governo de Minas com as Ocupações urbanas e do campo e também comunidades tradicionais envolvidas em conflitos socioambientais. A reunião foi convocada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), CEDEFES e Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais. Como coordenador da Mesa de Negociação, Tadeu David coordenou a reunião. A pauta da reunião foi conflito agrário e fundiário que envolve a Comunidade Quilombola Braço Forte, no município de Salto da Divisa, na região do Baixo Jequitinhonha, MG.
No início da reunião, foi noticiado que, como um alento, dia 13 de julho de 2018, a juíza federal Célia Regina Ody Bernardes, da Subseção Judiciária da Justiça Federal, em Teófilo Otoni-MG, acolheu Ação Civil Pública (ACP) promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) na defesa da Comunidade Quilombola Braço Forte e contra a União e o INCRA. A juíza suscitou o conflito de competência, alegando que a competência jurídica é da Justiça Federal e solicitou ao TJMG a revogação da Liminar de Reintegração de Posse deferida a favor do espólio do latifundiário Euler da Cunha Peixoto, o que implicava no despejo da Comunidade Quilombola Braço Forte. Escreveu na decisão a juíza da Justiça Federal, Célia: “Determino seja expedido ofício para a 16ª Câmara Cível do TJMG, informando o juízo estadual sobre o conflito de competência suscitado e solicitando a suspensão dos efeitos da decisão de reintegração de posse proferida no bojo dos autos nº 6091077 - 54.2015.8.13.0024 (apelação nº 1.0000.16.001556-6/002)”.
Na reunião, Jorge Alexandre, representante da Comunidade Quilombola Braço Forte, explicou que já houve várias ordens de despejo e que a Comunidade Quilombola está retomando uma fazenda onde um juiz é um dos herdeiros do espólio. Foi dito que em reunião com a Polícia Militar em Salto da Divisa, o major da PM, Wálter, concedeu apenas 30 dias para as famílias saírem. O prazo terminaria dia 30 de julho próximo (2018). Entretanto, em articulação da CPT, Fundação Palmares, CEDEFES e Federação Quilombola de Minas Gerais, a Comunidade Quilombola Braço Forte conquistou a decisão da Justiça Federal que decide que a Justiça estadual não tem competência jurídica para mandar despejar comunidade quilombola. Isso é o óbvio que o TJMG já deveria ter compreendido sem precisar suscitar conflito de competência. Disse que o território ocupado pertence a uma comunidade tradicional e que eles não irão sair de lá. Jorge pediu para registrar que depois da última reunião com a PM de MG, em Salto da Divisa, começaram a filmar a comunidade, com o uso de drones, e um pequeno avião também sobrevoou a região. Jorge ressaltou as ameaças que sofreu, por telefone. Jorge já foi incluído no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos ameaçados de morte.
Frei Gilvander, da CPT, disse que o município de Salto da Divisa está marcado pela violência contra os povos indígenas e o povo negro. Disse que em Salto da Divisa existe a maior concentração fundiária do Mundo: 97,5% das terras do município estão controladas por apenas duas famílias: Cunha Peixoto e Pimenta. As únicas comunidades camponesas existentes na zona rural de Salto da Divisa são o Assentamento Dom Luciano Mendes, o Assentamento Irmã Geraldinha e a Comunidade Quilombola Braço Forte. Todas as outras famílias da zona rural foram expulsas para a periferia de cidades. Recordou também que o Vale do Jequitinhonha é a região de Minas que apresenta o maior número de Comunidades Quilombolas. Assinalou ainda que pesquisa de doutorado demonstrou que 72,5% do território de Salto da Divisa é de terra pública devoluta, terras que estão griladas nas mãos de poucos latifundiários e empresários. É necessário que a Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SEDA) faça o levantamento da cadeia dominial das propriedades da região.
Um funcionário do governo de MG ressaltou que muitos casos de grilagem de terra foram legalizados, o que não garante a legitimidade do título de propriedade.
O representante da Comunidade Quilombola Braço Forte, Jorge Alexandre, informou também que nasceu e foi criado na região de Salto da Divisa e que tem conhecimento de que as fazendas Pratinha e Farpão/Talismã não eram divididas e que isso só foi ocorrer posteriormente. Disse que o poder político e econômico dos latifundiários da região é grande, e por causa disso a comunidade está sofrendo pressão.
Luci Rodrigues, representante do INCRA na reunião, disse que os relatos apresentados representam o cotidiano do INCRA e que merecem atenção especial. Considerou importante somar esforços com o Estado de Minas, por meio da legislação estadual – Lei Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais, para viabilizar a solução mais célere desse conflito agrário e social.
Antônio Miranda, ouvidor agrário do INCRA, sugeriu a criação de um Termo de Cooperação Técnica entre o Estado de Minas, INCRA e Fundação Palmares para a efetivação elaboração de laudo antropológico e o início de processo administrativo de delimitação, demarcação e titulação da área territorial em que vive a Comunidade Braço Forte, em atenção ao disposto no art. 68 do ADCT da Constituição da República.
 Após muita discussão e reflexão, foram acordados os seguintes encaminhamentos:
1 - A Mesa de Diálogo do Governo de Minas, juntamente com a Casa Civil, tentará reunião com o Desembargador Alberto Diniz, do CEJUS Social, para encaminhamentos a cerca do conflito de competência, suscitado pelo Juiz Federal de Teófilo Otoni.
2 - A Mesa de Diálogo e a Superintendência de Povos e Comunidades Tradicionais, da SEDPAC, irão encaminhar, no início de agosto próximo (2018), um diálogo com a Fundação Palmares, INCRA e SEDA, para tratar da possibilidade de um Termo de Cooperação Técnica para a regularização fundiária da área ocupada pela Comunidade Quilombola Braço Forte.
3 - A Mesa de Diálogo solicitará à SEDA o levantamento da Cadeia Dominial da área ocupada.
Enfim, seguiremos na luta na certeza de que só na luta coletiva se conquistam direitos.

Constante na Decisão da juíza da Justiça Federal, Dra. Célia Regina Ody Bernardes, cumpre destacar pérolas de direitos arrolados:
1 – O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, após a decisão que revogou o efeito suspensivo da apelação, manifestou-se nos autos requerendo declínio de competência em favor da Justiça Federal, considerando a origem quilombola dos moradores da Comunidade Braço Forte.
2 – O artigo 109, inciso III, da Constituição da República, e a Convenção nº 169 da OIT, que trata de direitos das comunidades quilombolas, afirmam a competência da Justiça Federal para apreciar matéria relativo às comunidades quilombolas.
3 - A Fundação Cultural Palmares, entidade constituída com a finalidade de promover a preservação dos valores socioculturais e econômicos das comunidades afrobrasileiras, em 2/3/18, certificou que, conforme a declaração de autodefinição e o processo em tramitação, que a “Comunidade Braço Forte”, localizada no município Salto da Divisa/MG, registrada no Livro de Cadastro Geral n.º 018, Registro nº 2.578 fl.199, de acordo com o Processo nº 01420.008841/2017-33, é remanescente das comunidades dos quilombos.
4 - O Decreto nº 4.887/2003 foi reconhecido o direito à autoatribuição como único critério para identificação das comunidades quilombolas: “§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade”.
5 - O Decreto nº 4.887/2003, art. 3º, parágrafos 2º e 3º, em harmonia com o disposto na Convenção nº 169 da OIT, estabelece como terras ocupadas por remanescentes de quilombos, as utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, sendo levados em consideração para a medição e demarcação das terras os critérios de territorialidade indicados pela comunidade quilombola.
6 - Ressoa evidente que as demandas judiciais as quais envolvam a posse de áreas quilombolas repercutem, de todo o modo, no processo demarcatório de responsabilidade da autarquia federal agrária. Logo é inarredável o interesse federal em tais demandas, razão pela qual deve ser fixada a competência da Justiça Federal para o seu processamento e julgamento, consoante o art. 109, I, da Constituição Federal.
7 – Caso o INCRA continue enrolando e protelando os processos de titulação dos territórios quilombolas, a juíza fez referência ao já julgado pela desembargadora federal Selene Maria de Almeida, do DJF1: “a omissão do Poder Público, cristalizada pela inércia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA quanto à prática dos atos administrativos necessários à efetiva conclusão do procedimento administrativo instaurado com a finalidade de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pela comunidade de quilombolas descrita nos autos, afronta o exercício pleno desse direito, bem assim, a garantia fundamental da razoável duração do processo, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, no âmbito judicial e administrativo (CF, art. 5º, inciso LXXVIII), a autorizar a estipulação de prazo razoável para a conclusão do aludido procedimento”.

Assinam essa Nota Pública:
CPT (Comissão Pastoral da Terra – www.cptmg.org.br );
CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – www.cedefes.org.br )

Belo Horizonte, MG, 20 de julho de 2018.

Obs.: Eis, abaixo, vídeo reportagem sobre a Comunidade Quilombola Braço Forte, em Salto da Divisa, MG.

1 - Comunidade Quilombola Braço Forte, em Retomada/Salto da Divisa, MG/A luta pela terra/09/6/2016.








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