No Brasil, a expropriação da terra dos camponeses pelo
capitalismo e pelos capitalistas que se apossam da terra para obter renda e
fortalecer a acumulação de capital tem historicamente gerado assassinatos e
massacres, mas também resistência. Na contramão do discurso naturalizador do
latifúndio e do agronegócio, inspirando-se também na experiência da Diocese de
Goiás, de compromisso com o campesinato, desde 26 de novembro de 1967 – data em
que Dom Tomás Balduíno se tornou bispo -, atuando a partir de pesquisa
participante e divulgando Boletins periódicos que revelavam a situação
dramática dos camponeses da região, lideranças da igreja de Goiás, sob a coordenação
do bispo Dom Tomás Balduíno – de saudosa memória -, por 31 anos (de 1967 a
2014), propunham ações concretas de luta em defesa dos direitos dos camponeses.
A partir de centenas de agentes de pastorais que estão espalhados em quase todo
o território nacional, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) publica anualmente, desde
1985, o livro Conflitos no Campo Brasil,
que é um diagnóstico refinado da violência perpetrada contra o campesinato no
País.
Segundo dados da CPT, em 32 anos, de 1985 a 2017,
foram assassinados na luta pela terra no Brasil 1488 pessoas, uma média de 49,6
por ano. Em 2017, foram assassinados 71 camponeses, o maior número desde 2003,
quando se computaram 73 vítimas e um total de 1639 conflitos. Igual a um
assassinato a cada 22 conflitos. Mas o lado mais macabro dos assassinatos em
2017 são os massacres. O ano de 2017 ficará marcado na história pelos Massacres
no Campo. Cinco massacres com 31 vítimas. 44% do total de assassinatos em
conflitos no campo. No primeiro semestre de 2017, em pouco mais de um mês,
ocorreram três massacres com 22 mortos: o de Colniza, no Mato Grosso, dia 19 de
abril, com 9 posseiros assassinados por quatro pistoleiros, contratados por um
empresário madeireiro; o de Vilhena, em Rondônia, dia 29 de abril, com 3 camponeses
mortos, e o de Pau D’Arco, no Pará, dia 24 de maio, com 10 Sem Terra mortos
pela polícia militar do estado do Pará, alvejados a curta distância, com tiros
no peito e na cabeça, o que configura execução. Houve outros dois massacres: o
de Lençóis, na Bahia, dia 6 de agosto de 2017, na comunidade Quilombola de
Iúna, com 6 quilombolas assassinados; e o de Canutama, no estado do Amazonas,
dia 14 de dezembro de 2017, com 3 Sem Terra mortos e desaparecidos.
Airton Pereira e José Batista Afonso, ambos
integrantes da CPT, afirmam que o que assusta é identificar o “grau de
brutalidade e crueldade que os acompanharam. Cadáveres degolados, carbonizados,
ensanguentados, desfigurados. Exemplos que deverão ficar marcados para sempre
na alma de homens, de mulheres, de jovens e crianças. Uma pedagogia do terror”.
Em 2017, as tentativas de assassinato
passaram de 74 para 120 – um crescimento de 63% e um número que corresponde a
uma tentativa a cada três dias. As ameaças de morte aumentaram de 200 para 226.
O número de pessoas torturadas passou de 1 para 6. E o de presos foi de 228
para 263. Entre os 1488 assassinados, entre 1985 e 2017, estão dois advogados
populares: João Carlos Batista, assassinado dia 06 de dezembro de 1988, em
Belém, no Pará[2], e Paulo
Fonteles, em Ananindeua, no Pará, dia 11 de junho de 1987.
A repressão militar, sob o comando dos generais no
poder, a partir de 31 de março de 1964, “abrira as portas para a ação violenta
dos grandes proprietários de terra, por meio de seus capatazes e pistoleiros,
em centenas de pontos no país inteiro, na certeza de que eram impunes e, além
disso, aliados da repressão na manutenção da ordem” (MARTINS, 1999, p. 83).
Repetindo-se como tragédia a história, a partir de 31 de agosto de 2016, com a
consumação do golpe parlamentar, jurídico e midiático que derrubou a presidenta
Dilma Roussef – o 7º na história brasileira -, os latifundiários e empresários
do agronegócio escancararam as porteiras da violência no campo.
Enfim, no Brasil, desde 22 de abril de 1500, os
camponeses vêm sendo expropriados de suas terras e assassinados, mas a
resistência continua. Nunca é em vão o sangue dos mártires. Quando um membro do
campesinato é assassinado, ele não é sepultado, mas semeado na terra e faz
brotar e multiplicar a resistência. Do sangue de Margarida, Margaridas aos
milhares seguem na luta pela terra, de cabeça erguida. Ao disseminarem o
terror, a desertificação, o envenenamento da comida com uso indiscriminado de
agrotóxico, a expropriação dos camponeses e mandar assassinar, o latifúndio e o
agronegócio não terão a última palavra. Assim como não teve a última palavra os
podres poderes que mandaram executar Jesus Cristo, Che Guevara, Martin Luther
King e Gandhi. Com vida em abundância para todas e todos, uma terra sem males
está sendo construída a partir das Comunidades Camponesas, com camponeses e
camponesas desenvolvendo a Agricultura Familiar alicerçada em uma relação
harmoniosa com o meio ambiente, dos
nossos parentes indígenas, quilombolas e povos tradicionais, verdadeiros
guardiães da mãe terra, da irmã água e de toda a biodiversidade.
Um soldado que estava diante de Jesus crucificado,
fitando-lhe os olhos, olho no olho, exclamou: “Verdadeiramente este homem era o
filho de Deus!” (Evangelho de Marcos 15,39). É duro ver tantas vidas ceifadas e
tanto sangue derramado na luta pela terra, mas somente tendo a coragem de olhar
nos olhos dos/as crucificados/as no altar do ídolo mercado adquirimos a luz e a
força necessária para construirmos domingos de ressurreição com terra para quem
nela trabalha, terra partilhada e socializada.
Referência
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de
Sociologia da História Lenta. 2ª edição. São Paulo: HUCITEC, 1999.
Imagem: Chacina de Pau
D’Arco – Foto: Dinho Santos
Belo Horizonte, MG, 12/6/2018.
Obs.: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.
1)
Violência do latifúndio aumenta no norte de Minas
Gerais/Audiência Pública/ALMG/Toninho do MST. 25/4/2018.
2)
O clamor das Comunidades Pesqueiras/Vazanteiras de
Minas Gerais por justiça. 3ª Parte. BH/MG. 13/11/2017
3)
PM de MG despejando c/ truculência MST da
Ariadnópolis, em Campo do Meio/MG: Injustiça! 20/05/16
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela
FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia
pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT,
CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e
Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
www.twitter.com/gilvanderluis –
Facebook: Gilvander Moreira III
[2] Cf. BATISTA, Pedro César. João
Batista: mártir da luta pela reforma agrária – violência e impunidade no Pará.
3ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
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