TJMG
manda despejar Comunidade Quilombola Braço Forte, em Salto da Divisa, MG:
ilegalidade e injustiça gritantes!
Foto de Jorge Alexandre, da Comunidade Quilombola Braço Forte, em 27/6/2018. |
A Comunidade Quilombola Braço Forte, localizada na fazenda Talismã, no município de Salto da Divisa, baixo Jequitinhonha, MG, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, está com ordem de despejo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). No meio das 24 famílias da Comunidade estão crianças, idosos, pessoas doentes e deficientes. O Comandante do 44º BPM de Polícia Militar de Almenara, MG, Walter Aparecido Lago Ramos, convidou a Comunidade Quilombola para reunião hoje, dia 28 de junho de 2018, às 14 horas, na Câmara de Vereadores de Salto da Divisa, baixo Jequitinhonha, MG. A reunião é para preparar a reintegração de posse, isto é, despejo da Comunidade. Alertamos às autoridades e às forças vivas da sociedade que serão ilegalidade e injustiça gritantes despejar essa comunidade quilombola pelos motivos que seguem.
De forma apressada e cerceando o direito de
defesa da Comunidade Quilombola Braço Forte, o juízo da Vara Agrária de Minas
Gerais concedeu Liminar de Reintegração de Posse (processo n.
6091077-54.2015.8.13.0024) a favor dos fazendeiros herdeiros do espólio de Euler
Cunha Peixoto. Entretanto, o desembargador Pedro Aleixo, da 16ª Câmara Cível do
TJMG, dia 27 de abril de 2018, no processo n. 1.0000.16.001556-6/002, concedeu
Efeito Suspensivo ao Agravo da Defensoria Pública e mandou suspender Liminar
de reintegração que o juízo da Vara Agrária de Minas Gerais tinha
concedido contra a Comunidade Quilombola Braço Forte, decisão contra o pleito
do espólio de Euler da Cunha Peixoto.
Tese de doutorado defendida na UFMG atesta
que “72,2% das terras do município de Salto da Divisa são presumivelmente
terras públicas devolutas” (MOREIRA, 2017). Há sérios indícios de grilagem de
terra na região. Apenas duas famílias - Cunha e Peixoto - controlam a quase
totalidade das terras do município. Em Salto da Divisa atualmente são identificadas
poucas comunidades rurais: o Assentamento Dom Luciano Mendes, o Assentamento
Irmã Geraldinha (esses dois assentamentos são frutos da luta pela terra), a
Comunidade Tradicional Agroextrativista e Artesã Cabeceira do Piabanha e a
Comunidade Quilombola Braço Forte. Todas as outras comunidades rurais foram
sufocadas pelo poderio dos latifundiários na região.
Detalhe: o que ameaça a comunidade Quilombola
Braço Forte é o espólio de Euler Cunha Peixoto, mesma família.
No recurso Agravo, a defensoria Pública
do estado de Minas Gerais sustenta que são evidentes “os prejuízos
que o cumprimento de uma decisão de reintegração de posse pode causar a
situações consolidadas, em litígios coletivos pela posse da terra, sejam eles
urbanos ou rurais, antes que alternativas dignas de remoção seja garantidas
para cumprimento da decisão.” A Defensoria Pública alegou também cerceamento de
defesa ocorrido com o julgamento antecipado da lide, já que foi fornecida
certificação pela Fundação Palmares em 05 de março de 2018. Aduz também que
após sentença houve ingresso no feito da FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES (FCP),
representada pela Procuradoria Federal em Minas Gerais, e que o procedimento é
de competência federal, sendo, assim, por óbvia a incompetência da Justiça
Estadual para decidir sobre conflito agrário e fundiário que envolve Comunidade
Quilombola.
O art. 1.012, §4º, do Código de Processo
Civil (CPC) diz que cabe efeito suspensivo em Liminar de reintegração quando se
demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a
fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. Claro que se
for cumprida a Liminar de reintegração, o dano vai ser gravíssimo e
irreparável.
O desembargador Pedro Aleixo escreveu na
decisão que conferia o Efeito Suspensivo: “a medida de remoção é drástica e
dotada de irreversibilidade. Ante ao exposto, CONCEDO O EFEITO SUSPENSIVO ao
recurso de Apelação, determinando o imediato ofício ao MM. Juiz a quo”.
Estranhamente, dia 24 de maio de 2018, o
mesmo desembargador Pedro Aleixo voltou atrás e revogou o efeito suspensivo que
ele mesmo tinha concedido, alegando para isso apenas o argumento do Espólio do
latifundiário Euler da Cunha Peixoto que questiona
a autodeclaração da Comunidade como Comunidade Quilombola. Isso é ilegalidade
e injustiça gritantes. As 24 famílias da Comunidade Quilombola Braço Forte
tiveram seu território ancestral expropriado por fazendeiros coronéis de Salto
da Divisa, mas tomando consciência de seus direitos territoriais, fizeram
retomada de seu território ancestral e reivindicam os seus direitos
territoriais garantidos pela Constituição Federal, contidos no Artigo 68, do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal
de 1988. Neste artigo, a Constituição reconhece os direitos territoriais das
Comunidades Quilombolas e diz que o Estado Brasileiro é responsável pela
titulação das terras das comunidades quilombolas, mesmo que estas terras
estejam sob o poder de terceiros. Neste caso, a Comunidade Quilombola Braço
Forte reivindica um Direito Constitucionalmente garantido. Tal direito foi
regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 4.887/2003,
que consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos,
“os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida”.
O § 1º do Decreto 4.887/2003 determina que a
caracterização dos remanescentes das comunidades dos quilombos será atestada
mediante autodefinição da própria comunidade. Portanto, cabe à comunidade
afirmar se é ou não quilombola, tendo a Fundação Cultural Palmares, baseada em
procedimentos legais, o dever de emitir o certificado à comunidade, o que já
ocorreu com a Comunidade Quilombola Braço Forte.
Ao proferir seu voto a favor da
constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003, ADI 3239/2004, a Ministra
Rosa Weber (2015), do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que “nesse contexto, a
eleição do critério da autoatribuição não é arbitrária, tampouco desfundamentada ou viciada.
Além de consistir em método autorizado pela antropologia contemporânea, estampa
uma opção de política pública legitimada pela Carta da República, na medida em
que visa à interrupção do processo de negação sistemática da própria identidade
aos grupos marginalizados, este uma injustiça em si mesmo”.
Portanto, não nos resta dúvida de
que a decisão judicial que contesta que a Comunidade Quilombola Braço
Forte não é quilombola, está ferindo a legislação e fere o direito
constitucional da Comunidade de se autodefinir como tal. Não cabe a juiz, nem a
desembargador e nem a fazendeiro nenhum decidir se a comunidade é ou não
quilombola. Cabe ressaltar que, caso tenha dúvida, se determinada
comunidade tem ou não os direitos territoriais a que se pleiteiam,
deve-se recorrer a meios estabelecidos pela legislação brasileira, ou seja,
precisa-se solicitar a realização de Estudo Antropológico, o
qual permitirá organizar elementos históricos do grupo tradicional, mas,
sobretudo, apurar a relação territorial e as necessidades atuais da comunidade
no que se refere ao manejo, à sobrevivência física, cultural e a sua
sustentabilidade - garantindo assim os direitos constituídos nos âmbitos
internacional e nacional. Também cabe
destacar que a competência jurídica pelas comunidades quilombolas é
da Justiça Federal e, assim sendo, não compete ao TJMG mandar ou não
despejar a Comunidade Quilombola Braço Forte.
É necessário garantir o alcance do referido
aparato jurídico, que tem por prerrogativa identificar e assegurar os direitos
territoriais dessas comunidades, buscando combater arraigadas práticas de
exclusão que, historicamente, incidem no dia a dia das comunidades
quilombolas que em seus processos de lutas históricas vêm buscando o
direito à dignidade humana.
Neste sentido, solicitamos ao Ministério Público Federal (MPF) arguir judicialmente a
transferência do Processo para a Justiça Federal e defender a Comunidade
Quilombola Braço Forte.
Solicitamos
ao Coordenador da Mesa de Negociação do Governo de MG com as Ocupações e
Comunidades Tradicionais, Tadeu Davi, que convoque reunião da Mesa de
Negociação para tratar do Conflito Agrário e fundiário que envolve a Comunidade
Quilombola Braço Forte.
Solicitamos
também ao Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e ao Comando
Militar da PM de MG que aguardem o processo de negociação para que
justiça seja feita nesse conflito.
É inadmissível cumprir uma decisão judicial
sem base jurídica e constitucional. Os direitos territoriais e todos os outros
direitos das Comunidades Quilombolas precisam ser assegurados.
Assinam essa Nota
Pública:
Coordenação
da Comunidade Quilombola Braço Forte;
Comissão
Pastoral da Terra (CPT/MG);
Centro
de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES);
Federação
das Comunidades Quilombolas do estado de Minas Gerais.
Belo Horizonte, MG, 28 de junho de 2018.
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